domingo, 25 de maio de 2014

Quem eram e que são os Gnósticos.


Os gnósticos sempre diferiam da maior parte da humanidade, e continuam diferir não apenas em detalhes de crença ou de preceitos éticos, porém em sua visão mais essencial e fundamental da existência e de seu propósito.

Independentemente de suas crenças filosóficas e religiosas, a maioria das pessoas acalenta certas suposições inconscientes, pertencentes à condiç
ão humana, que não originam das atividades convergentes de formulação da consciência, mas que irradiam de um profundo e inconsciente substrato da mente.

Essa mente é regida pela biologia, e não pela psicologia; ela é automática, e não está sujeita a escolhas conscientes nem a percepções.

A mais importante dessas suposições, a qual poder-se-ia dizer que sintetiza todas as outras, consiste na crença de que o mundo é bom e que o nosso envolvimento nele é de alguma forma desejável e fundamentalmente benéfico.

Essa premissa conduz a inúmeras outras, todas mais ou menos caracterizadas pela submissão às condições externas e às leis que parecem governá-las.

A despeito dos incontáveis acontecimentos incoerentes e maléficos em nossas vidas, dos incríveis fatos que se sucedem, dos desvios das reiteradas insanidades da história humana, tanto coletiva como individualmente, acreditaremos ser nossa incumbência prosseguir com o mundo, pois ele é, afinal, o mundo de Deus, devendo, portanto, haver significado e bondade ocultos em seus processos, mesmo que seja difícil discerni-los.

Assim, devemos continuar no cumprimento de nosso papel dentro do sistema, da melhor maneira possível, sendo filhos obedientes, maridos zelosos, esposas respeitosas, bem-comportados açougueiros, padeiros, fabricantes de velas, esperando contra toda a esperança, que uma revelação do significado resulte, de algum modo, dessa vida de resignação sem sentido.

Não é assim, disseram os gnósticos !

Dinheiro, poder, governo, constituição de famílias, pagamento de impostos, a infinita série de armadilhas das circunstâncias e obrigações, nada disso foi jamais rejeitado tão total e inequivocamente na história humana como pelos gnósticos.

Estes nunca esperaram que alguma revolução política ou econômica pudesse ou devesse eliminar todos os elementos iníquos do sistema em que a alma humana encontra-se aprisionada.

Sua rejeição não se referia a um governo ou sistema de propriedade em favor de outro; ao contrário, dizia respeito à total e predominante sistematização da vida e da experiência.

Portanto, os gnósticos eram, na verdade, conhecedores de um segredo tão fatal e terrível que os governantes deste mundo, os poderes secular e religioso, que sempre lucraram com os sistemas estabelecidos da sociedade, não podiam permitir ver esse segredo conhecido, e muito menos tê-lo publicamente proclamado em seus domínios.

De fato, os gnósticos sabiam algo: a vida humana não alcança a sua realização dentro das estruturas e instituições da sociedade, porque estas representam, na melhor das hipóteses, apenas obscuras projeções de outra realidade mais fundamental.

Ninguém atinge sua verdadeira natureza individual sendo o que a sociedade espera nem fazendo o que ela deseja.

Família, sociedade, igreja, ocupação e profissão, lealdade patriótica e política, bem como regras e normas morais e éticas, na realidade de modo algum conduzem ao verdadeiro bem-estar espiritual da alma humana.

Ao contrário, constituem, com maior freqüência, as próprias algemas que nos alienam de nosso real destino espiritual.

A Gnose ou conhecimento que se tem no próprio coração a respeito da inutilidade espiritual e absoluta insuficiência das instituições e valores estabelecidos do mundo exterior.

Esse aspecto do gnosticismo foi considerado herético em épocas passadas e até hoje costuma ser chamado de "negação do mundo" e "anti-vida"; porém constitui, obviamente, nada mais que boa psicologia e boa teologia espiritual, por se tratar de bom senso.

O político e o filósofo social podem considerar o mundo um problema a ser resolvido, mas o gnóstico, com seu discernimento interior, reconhece-o como uma condição da qual precisamos nos libertar pela visão interior.

Isso porque os gnósticos, não buscam a transformação do mundo, mas a transformação da mente, com sua consequência natural, metanóia, uma mudança de postura perante o mundo.

A maior parte das religiões também tende a ratificar uma atitude familiar de interiorização na teoria; contudo, como resultado de sua presença dentro das instituições da sociedade, elas sempre negam isso na prática.

As religiões costumam se iniciar como movimentos de libertação radical seguindo linhas espirituais mas, inevitavelmente, terminam como pilares das próprias sociedades, as carcereiras de nossas almas.

Se desejarmos obter a Gnose, o conhecimento do coração que liberta os seres humanos, devemos nos desvencilhar do falso cosmo criado pela nossa mente condicionada.

Como muitas outras pessoas inteligentes, sábias e sensíveis, antes e depois de sua época, eles se sentiram estrangeiros num país desconhecido, uma semente abandonada dos mundos distantes de luz infinita.

Gnósticos Peregrinos da eternidade, Obreiros da Luz, prontos para voltar ao lar na Plenitude Absoluta do Inefável.

GNOSIS - MANIQUEUS - AGOSTINHO


Agostinho nunca foi santo. Há uma ‘piada’ sobre ele que diz que ele ‘virou santo’ de tanto que sua mãe rezou para ele não ir para o inferno. Ele virou santo porque, sendo ‘diabólico’ demais, fez sua mãe rezar a vida toda por ele. Assim se fez o santo.Também virou santo por ter abandonado a mãe e a namorada grávida.E a mãe rezava pela pobre alma do filho.
Ainda jovem agostinho interessou-se pelos ensinamentos Maniqueus. E se associou a eles no Egito.Os grupos maniqueus, seguindo o molde da escola de Pitágoras e dos Essênios, dividiam-se em três níveis. Contam os relatos que Agostinho nunca passou do primeiro nível e, dado sua ambição desenfreada que não aceitava não participar do segundo, foi convidado a se retirar do grupo.

Nessa mesma época um dos padres da Igreja Católica primitiva o convidou para exercer um alto cargo nessa instituição. O preço a pagar, relevar o que sabia sobre os maniqueus e escrever contra eles. Foi o que Agostinho fez. Sua ambição gratificou-se com o convite de exercer um ‘alto cargo’. Assim, ele aceitou. E passou a ser um dos combatentes aos gnósticos de mani.
Mani foi um preservador da tradição gnóstica. Com a morte de Mestre Jesus, o Cristo, os discípulos se separaram em dois grupos, e fugiram. Um, como bem sabemos, o maior, seguiu para o Egito (onde escolas gnósticas floresceram nas décadas seguintes), seguindo depois para o porto de Marselha, na França. Tal é o motivo de Maria Madalena ser tão venerada na França, e Tiago ter seu famoso ‘caminho’. Tal é o motivo das historias britânicas estarem estritamente relacionadas a José de Arimatéia e assim por diante.
Do outro lado temos o grupo de Tomé, Simão o Mago, Matheus... que sobe para as regiões da Síria, onde pequenos núcleos de buscadores da gnosis serão formados. Décadas depois a Síria estará entre as regiões visitadas por Apolônio de Tyana e o gnóstico Paulo.
Aliás, a Síria sempre foi objeto de grande interesse espiritual, séculos depois é para a Síria que os Templários se dirigem em busca dos Mistérios, e é igualmente para a Síria que Christian Rosenkrantz, o pseudônimo do fundador dos rosacruzes, se dirige, e lá encontra o seu ‘livro secreto’, e um ‘augusta fraternidade’.

Coincidência ou não, é impossível ignorar a importância dessa região, algo, sem dúvida, devia haver lá.Então, esse segundo grupo de discípulos se dirige para lá. Há relatos que sugerem que Tomé teria passado um tempo lá e retornado para a Índia (como indica o Hino da Perola, que é simbólico, mas usa de base a historia de um príncipe que veio do Oriente). Curiosamente esse ‘Hino da Pérola’ (Ou ‘Hino da veste de glória’) vai ser divulgado a partir de escolas na Síria.

Entre a ‘coleção’ de textos divulgados pela escola da Síria, está o dito Hino, e também os escritos de Tomé, cópias do Evangelho de Tomé se preservaram graças a esses gnósticos antigos.Além do Evangelho de Tomé, temos o ‘Livro de Tomé’ redigido por Matheus enquanto Jesus conversava com Tomé, segundo consta o próprio livro. Esses textos são divulgados mais tarde principalmente por um gnóstico chamado Bardesanes, na Síria. Bardesanes não é nada menos que o avô de Mani.
Portanto é nesse contexto gnóstico de Hinos da veste de glória e Evangelho de Tomé que Mani, o Profeta da Luz, é educado. Mani, jovem e inspirado, ignorou ingenuamente o perigo que vinha do oeste e ensinou abertamente; logo, os atentos olhos da oposição, a Igreja que se formava em Roma, viram em Mani um problema. Assim o maniqueísmo passou a ser combatido. Seu ensinamento profundo e espiritual atraia muitas pessoas, como o fez com Agostinho. Com isso, a Igreja viu em Agostinho a possibilidade de um crítico que esteve entre os maniqueus.
Mas o que ensinam esses maniqueus que rejeitaram a ânsia por poder de Agostinho e foram tão perseguidos? Ensinam:
• A fonte do Bem está na 'região da Luz'.
• O Rei da Luz é a Árvore da Vida. Eu assimilei a Lei da Luz. Eu sou Mani, o Apóstolo de Jesus, o Amigo da Luz.
• A Mente-Luz (Cristo) é o que desperta aqueles que dormem.

• No homem em quem a Mente-Luz está, sua é a Sabedoria.
• A Mente-Luz (a Mente Iluminada) é o Sol dos corações, a Senda dos que buscam, o Pórtico dos tesouros da Vida.
• Bem-aventurado é aquele que foi iniciado nesta Gnosis Divina.
• Eu encontrei a Terra da Luz. Eu fiz meu caminho para a Cidade dos Deuses.
• Eu tornei minha alma limpa – sou um servo de Deus [eu sou um Nazareno].
• Vocês são filhos do Dia e filhos da Luz. Jesus tem me auxiliado e ele poderá auxiliar vocês. Ele poderá dar-nos sua Compaixão.
• De tempos em tempos a Sabedoria envia os Mensageiros de Deus. Em idades após idades estes Mensageiros têm sido enviados pelo eterno rei da Luz [Zrwan]: Seth, Zoroastro, Buddha, Christos. As primitivas religiões foram verdadeiras enquanto puros líderes estavam nelas.
• A presente revelação, esta profecia desta última idade, veio para a Babilônia através de mim, Mani, para as outras escolas e para as outras heresias. Para cada uma delas eu mostrei que a sua própria sabedoria e suas escrituras é a verdade a qual eu desvelei e mostrei ao mundo.
• Há duas fontes do que vem à existência: Deus e a Matéria, Luz e a Escuridão, Bem e o Mal. A Luz é a árvore que dá bons frutos. A Matéria é uma árvore que dá maus frutos.
• Cristo é o Pai de todos os Mensageiros, é o Terapeuta das Almas – sua medicina são os seus preceitos.
• Meus pensamentos buscam teus segredos, minha intuição aspira os teus Misterios. Ó Senda da Verdade, vista-me em tua veste.
• Meu Senhor tinha indicado o grau dos Perfeitos e separou-os daqueles que estão no mundo. Ele deve tornar-se puro, ser frugal na dieta (não poluir com carne e sangue), jejuar.
Mestre Jesus, o Cristo proclamou um código de ética, fragmentos de textos de Mani sim, Mani era um verdadeiro gnóstico. O “Santo” Agostinho, um traidor.
Que mal há em ensinamento tão belo?
O mal de que, aos olhos da Igreja, nega a necessidade de intermediários para se alcançar o reino dos céus, e assim inutiliza a instituição Romana.
O mal de um ensinamento que considera “Seth, Zoroastro, Buddha, Christos” irmãos em sabedoria.
O mal de continuar o ensinamento gnóstico de que o deus criador da matéria é apenas o demiurgo, um ‘deus’ arrogante. E não a luz celeste, que está muito além. Na Unidade invisível e inefável.
Assim, Agostinho cumpriu sua função, e os combateu.Enquanto isso outra batalha era travada. Agostinho escrevia tratados e tratados sobre o que é deus, seus atributos e qualidades (como se alguém pudesse definir a “natureza de deus”). Paginas e páginas de deus é isso, deus é aquilo. A teologia afirmativa. A teologia dogmática.
Em contrapartida temos os neoplatônicos. Almas gnósticas que se revestiram de ‘filósofos’ pois aos olhos da igreja os filósofos não seriam atacados. Assim, Proclo, Pseudo Dionísio, Plotino... ensinavam gnosticismo revestido de linguagem platônica. (bem, não era Platão um iniciado?)
Em contrapartida temos os curtos e profundos tratados desses neoplatônicos que ensinam que Deus não pode ser conceituado, apenas vivenciado, que ensinam tudo que deus ‘não é’, e não seus atributos e qualidades. (por isso foram chamados de teólogos negativos, por ensinarem o que não é deus, e deus não é conceituação)

Deixemos Plotino¹ e Jâmblico² ensinar:
“O Uno é todas as coisas e nenhuma delas.A Unidade é uma fonte sem origem.Nos planos sutis cada ser constitui uma parte do Todo. Retira-te em ti mesmo e contempla. A contemplação é o fim da ação. Jamais olho algum contemplará o Sol sem tornar-se semelhante ao Sol, nem alma alguma verá a Beleza sem ser bela. Que todo ser se torne divino e belo se quer contemplar o Uno e a Beleza.A beleza da alma é a virtude.Há uma beleza de ordem superior, não visível aos olhos corporais, mas somente manifesta através dos olhos superiores da alma. Sem um despertar da letargia natural não é possível para alguém aplicar-se aos belos e nobres estudos, nem aprender o mais elevado. É necessário uma preparação: reflexão sobre as virtudes (elas despertam nosso desejo para o bem). E também o uso de máximas (penetrar no seu conteúdo).Sabedoria é diferente de conhecimento. A Sabedoria ultrapassa o intelecto (através da intuição contempla).
A Sabedoria faz com que a Verdade seja inteligível. O intelecto usa a razão e o conhecimento discursivo. Tudo o que existe procede da Causa primeira. Todo o múltiplo participa de alguma maneira da Unidade. O Bem é idêntico ao Uno. Quão diferente isto era dos tratados e tratados de Agostinho. E seus ataques aos gnósticos.


Pelágius³, um outro gnóstico (se pudermos chamar assim) também foi extremamente prejudicado por Agostinho. Este é Pelagius, um cristão-celta. Um cristão que havia bebido dos ensinamentos que chegaram à Bretanha com os outros discípulos. Pelágius ensinava que não havia pecado original (idéia muito recorrente naquele ‘início de Idade Média).

Que Adão e Eva eram símbolos de como a humanidade ganhou a liberdade comendo da arvore da Gnosis. Pelágius enfatizava o livre arbítrio. Até poderia se dizer por influência da cultura celta que misturou-se com os primeiros gnósticos que lá chegaram. Essa tradição que enfatiza muito a questão do livre arbítrio e vê homens e mulheres como iguais.
Pelagius ensina e admira o cristianismo, mas diz que não só os cristãos são bons pois; " Se só os cristãos fossem bons, Deus não o seria, pois estaria negando ao resto da humanidade a liberdade de escolher o que é bom. Encontramos muitos pagãos bons e virtuosos.”Que pecado eram as palavras de Pelágius ao ver da Igreja de Roma!E a coisa só piorava. Pelágius era um homem extremamente culto, falava o grego e o latim, e viajava muito. Por um tempo estabeleceu-se em Roma, na mesma época em que Agostinho estava lá. 
E para a tristeza de Agostinho, o ensinamento acessível e compreensível de Pelagius atraia mais estudantes do que as ‘teologias’ de Agostinho. Pelagius tinha se tornado mais popular que o próprio Agostinho. E isso não poderia passar em branco.Pelagius foi duramente perseguido e combatido por suas ideias nao se enquadrarem nos dogmas.Pelagius retorna à Gales, e, curiosiamente outro Agostinho, uns 200 anos depois, foi enviado pelo papa Gregório para a Bretanha com a missão de ‘converter os pagãos da Bretanha’. (e provavelmente destruir o cristianismo-celta e os resquicios da doutrina pelagiana)
Mal sabiam os católicos (ou não queriam saber) que a Bretanha já era cristã muito antes das regiões da Ásia e Roma serem cristãs.Pois os discípulos do Mestre Jesus, o Cristo ali haviam desembarcado com seu ensinamento gnóstico. Essa história de ‘o cristianismo chegou na Bretanha com Agostinho’ é história ‘para inglês ver’. Agostinho (o outro) chegou à Bretanha para destruir o cristianismo celta. Para destruir o cristianismo gnóstico. E parece que essa destruição foi levada bem a sério. Agostinho se uniu a um rei Saxão do sul da ilha e passou a influenciá-lo fortemente. Assim, a pedido de Agostinho, o mosteiro de Bagor, de monges cristãos-celtas, no norte de Gales, foi totalmente destruído, seus mais de 2 mil monges assassinados.Esse era o cristianismo chegando à Ilha da Bretanha.
O cristianismo que condenava as mulheres daquela região, tão acostumadas a viverem em igualdade e exercerem sacerdócio também, à uma vida submissa.O cristianismo dogmático de Agostinho (o primeiro) chegava ao refúgio celta dos primeiros gnósticos.Nas palavras de uma historiadora: “Há uma tradição em Gales que afirma que nos primeiros anos do séc I d.c. chegaram lá certos refugiados da Judéia.Esses refugiados foram recebidos por Arviragus (Caracatus), rei dos Bretões do Oeste e dos Silures. Eles foram temporariamente instalados em um colégio druídico. Arviragus lhes doou terras para construírem suas ‘eclésias’.
Não é necessário discorrer sobre a presença cristã pré-agostinho naquela região. As evidências são inúmeras. Assim, termino com exemplos do ensinamento de Pelagius (esse “herético”), para que possam novamente comparar e ver o que esse ‘santo’ agostinho combateu:"Pelagianismo".
Deus implantou em cada um a capacidade de atingir o mais elevado nível de virtude.Temos a capacidade de não agirmos compulsoriamente, nem de sermos levados pelos nossos desejos e quereres imediatos como são os animais.
Gostaríamos de ter apenas boas e amáveis emoções em nossos corações, e que os desejos maus fossem banidos, que tivéssemos as retas palavras sempre em nossos lábios e nunca pronunciar palavras maledicentes ou rudes. Que agíssemos sempre gentilmente e generosamente, nunca maltratando os outros.Mas se nossas emoções fossem sempre boas, palavras sempre corretas, ações sempre gentis, então nunca poderíamos aprender a diferença entre o bem e o mal.
Portanto, agradeçamos a deus que nos deu a capacidade de agir erroneamente e por essa razão deu-nos a liberdade de escolher o reto.Vamos inspecionar a nós mesmos com cuidado, observando nossas emoções que agitam nossos corações e os pensamentos que correm em nossas mentes.Vamos aprender a bondade do coração do próprio coração e a bondade da mente dela própria. A consciência é uma santidade natural. É o juiz das ações e segue a lei interior escrita por Deus na alma.
A história (alegórica) de Adão e Eva é na verdade a história de como a raça humana ganhou sua liberdade: por comer o fruto da arvore do conhecimento, Adão e Eva tornaram-se seres humanos maduros e responsáveis por suas ações.
A sociedade humana é como uma teia de aranha. Se você puxa um pequeno fio da teia, o formato de toda ela muda. Se más ações cessarem, o coração e a alma mudarão eventualmente. A pessoa não mais terá pensamentos nem emoções ruins, e ao contrario, sentirá amor e compaixão para com os outros.
Quando seguimos os passos de Cristo, o caminho vai se tornando difícil e irregular. No começo alcançamos muitas virtudes que são fáceis para nós, mas depois devemos obter outras que são muito mais difíceis. Seremos tentados a retroceder, mas isso significaria darmos as costas para Cristo.Uma vez começado o caminho, devemos continuar até atingirmos o fim que é o paraíso.
Não é preciso muito para ver que a santidade está entre aqueles combatidos por esse falso santo. Que belos ensinamentos os de mani, dos neoplatônicos e de Pelagius!!! Seu ‘defeito’ , serem semelhantes aos ensinamentos dos primitivos gnósticos.
E Simão o Mago, o discípulo de Jesus mais odiado pela Igreja (que criou histórias para desqualificá-lo) era chamado por ela própria de “Pai dos Gnósticos”.E a discípula que a igreja fez tanto esforço em queimar, Madalena, era uma das mais admiradas e respeitadas nos círculos gnósticos.
Enquanto isso Temos esse “Santo” que virou santo de tanto a mãe rezar para ele não queimar no inferno (que coisas horríveis deve ter feito!) Que traiu os maniqueus por questões de orgulho e poder. Que escreveu inúmeras páginas sobre o que é Deus (como se ele fosse capaz de dizer), destruindo a contemplação mistica. Que causou indiretamente a morte de milhares de monges cristão-celtas e a ruína do cristianismo gnóstico na Bretanha.
Muitas palavras de Agostinho são belas, mas há coisas mais belas para se ler. O ‘santo’ Agostinho tem em suas costas o titulo de traidor...
1) - Plotino, (205- 270), Natural de Licopólis, Egito, foi discípulo de Amônio Sacas por 11 anos e mestre de Porfírio, que nos legou seus ensinamentos em seis livros de nove capítulos cada chamados de As Enéadas.
2) - Jâmblico, nasceu em Cálcia, na Síria, em meados do século III. Estudou a magia dos caldeus, a filosofia de Pitágoras, de Platão, de Aristótelese de Plotino.Ao tomar contato com o Neoplatonismo, viajou para Roma para estudar com Porfírio.
3) Pélagius, monge bretão, 350- 423. Nasceu na Grã-Bretanha. Estabeleceu-se em Roma por volta de 405, depois viajou para África do Norte, continuou a viagem até a Palestina e escreveu dois livros sobre o pecado, o livre-arbítrio e a graça, Da natureza e Do livre-arbítrio.

Gnosis por G.R.S. Mead



Até bem recentemente o estudo do Gnosticismo era tratado exclusivamente como um departamento de heresiologia ou, na melhor hipótese, como história da Igreja primitiva. O termo tem sido geralmente adotado para denominar um amplo movimento herético, em formas muito variadas, mas de uma tendência característica, exclusivamente dentro das fronteiras do Cristianismo nascente e em desenvolvimento.


Nos últimos anos, porém, foi demonstrado, por diferentes linhas de pesquisas convergentes , que a noção de Gnosis, em seus elementos essenciais, era amplamente difundida antes do aparecimento do Cristianismo, principalmente entre os cultos dos Mistérios helênicos e das comunidades místicas, ou nas formas de religião pessoal em que elementos orientais e gregos eram misturados.


Movimentos desta natureza, guardando como tesouro uma Gnosis interior, continuaram a existir em paralelo, mas inteiramente independentes da Igreja em crescimento nos três primeiros séculos. O Gnosticismo, então, não mais deveria ser considerado simplesmente como o nome de um ramo dentro da Igreja nascente.


A Gnosis foi um fenômeno religioso muito mais amplamente difundido e deveria ser tratado como um elemento característico da história geral da religião. O que foi anteriormente chamado de Gnosticismo é visto, dessa forma, como sendo apenas um departamento, ainda que um departamento importante, da história da Gnosis. Seria preferível que fosse referido como a Gnosis cristianizada, ou como a Gnosis cristã, sendo que este último termo pode ser reservado especialmente para as opiniões de Clemente de Alexandria ou de Orígenes.


Assim, verificamos que no Gnosticismo característico cada discípulo pode sempre fazer complementações e transformações dos ensinamentos de seu mestre, de forma que refinadas noções populares primitivas, juntamente com as visões fantasiosas mais pessoais, permeiam estes ensinamentos, da mesma maneira como as crenças dos Mistérios orientais e as concepções mágicas mudam de roupagem com a filosofia grega.
Antes de lidar em mais detalhe com o significado de Gnosis em seus aspectos mais elevados, fora dos limites da cristandade, pode ser útil resumir o que Liechtenhan tem a dizer de seu significado entre seus partidários dentro das fronteiras do Cristianismo.


Ele menciona que, por Gnosis, usualmente compreendemos conhecimento especulativo, no sentido de uma explicação correta do mundo em resumo, filosofia. É verdade que a busca dos Gnósticos era, essencialmente, também uma tentativa de explicação dos processos do mundo. Porém, tal explicação não era uma interpretação a ser descoberta simplesmente por si mesmos. Eles não a procuravam usando o seu intelecto sem ajuda, mas por meio de competentes revelações de natureza religiosa. De forma alguma eles se estabeleceram como filósofos em contraste com os 'piedosos', eles também eram piedosos, religiosos.
Apenas que, em geral, procuravam sua religião em combinação com o conhecimento dos processos do mundo, no sentido da "gnosis sobre quem éramos e no que nos tornamos; onde estávamos e onde viemos parar; para onde nos dirigimos e onde somos redimidos; o que é a geração, e o que é a regeneração", como formulam os Extratos de Theodotus, publicados por Clemente de Alexandria .


Portanto, o objeto de suas buscas era não somente a Gnosis do mundo, mas também a Gnosis da salvação, como, de fato, fica manifesto abundantemente, por todos os lados, tanto dentro como fora da cristandade. Eles, continua Liechtenhan, não querem filosofia além da religião, ou paralela a ela; sua única busca era a religião em sua perfeição ou consumação. Isto significava para eles o emprego da mente espiritual nos assuntos mais elevados correspondentes a ela, sua ocupação com o âmago espiritual e a fonte da realidade, da atualidade, com o puro, o eterno, o ilimitado.

A característica desta religião era que seus seguidores não esperavam entrar em comunhão com o mais elevado somente pelo esforço moral e pela fé em Deus, mas também por meio do pensamento, conhecimento, imaginação, sentimento. E era precisamente na Gnosis que eles viam a função mais elevada da religião.Porém, devemos ficar de prontidão contra a interpretação do pensamento como sendo puramente o intelecto raciocinador. Pois, se os Gnósticos se posicionaram contra o mundo, não como filósofos, mas no duplo sentido de serem conhecedores e espirituais, devemos nos perguntar se, como o assunto do mundo espiritual é a Gnosis, o órgão deste modo de conhecer é precisamente o espírito. Se, além disso, o próprio espírito, como uma substância ou essência do mundo imaterial, é o órgão para a compreensão daquele mundo, então sua função característica de Gnosis não é nada mais do que a compreensão das coisas daquele mundo supra-sensível.E, finalmente, se este mundo invisível é inacessível para nós em nosso estado natural normal e só pode se abrir a nós pela revelação, então o conhecimento espiritual ou Gnosis tem como objetivo nada mais do que a revelação.Segue daí que a posse da Gnosis significa a habilidade para receber e compreender a revelação. O verdadeiro Gnóstico é aquele que conhece a revelação interior ou oculta desvelada e que também compreende a revelação exterior ou pública velada. Ele não é alguém que descobriu a verdade a seu respeito por meio de sua própria desamparada reflexão, mas alguém para quem as manifestações do mundo interior são mostradas e tornaram-se inteligíveis.


Resumindo, o que Liechtenhan considera, e com razão, como a principal característica da Gnosis cristianizada é a revelação. É verdade que a Gnosis, para a maioria, é igual à revelação; mas o objeto desta revelação não é simplesmente o mundo espiritual, interior, invisível, imaterial ou supra-sensível. Isto, como veremos, é o começo e não o fim da Gnosis, quer seja cristianizada ou não. Antes do Cristianismo, bem como durante o desenvolvimento da igreja dos primeiros três séculos, a idéia da Gnosis, como já foi dito, estava bem disseminada. Esta principal característica de religião oriental influenciou fortemente não só as religiões helenísticas diretamente e o mundo grego indiretamente, mas também o pensamento geral do ocidente nos primeiros séculos do Império Romano.


Escrevendo sobre a influência das religiões orientais no paganismo romano, Cumont nos diz: "De forma geral, havia a convicção persistente de que a redenção e a salvação dependiam da revelação de certas verdades, do conhecimento dos deuses, do mundo e de nossa própria personalidade; a religiosidade tornou-se Gnosis. "Porém, para descobrir o que Gnosis significava para os seus melhores partidários no mundo não-cristão, devemos voltar aos escritos dos antigos místicos e deixá-los falarem por si mesmos.


A Gnosis é necessariamente Gnosis de algo, mas do que? É idêntica a resposta dada tanto pela grandiosa literatura trismegística como pelos populares Papiros de Magia, bem como, de fato, pela maioria de nossas fontes: definitivamente ela é a Gnosis de Deus. Gnosis não é conhecimento intelectual. Na verdade, é concebida como poder ou virtude. Neste particular pode ser relevante notar que um de seus sinônimos é fé, como este termo é usado na teologia helenista. Assim, na inscrição do místico frígio Aberkios, lemos (V.12): "A fé foi sempre meu guia e em todos os momentos proporcionou sustento". Também o místico de Ísis, Apuleio, nos diz que, após sua segunda iniciação, ele estava 'pleno de fé' e "constante no serviço divino e na verdadeira religião "Os Papiros de Magia personificam a fé e se referem ao 'Círculo da. Verdade e da Fé', aparentemente sendo igualado com a famosa 'Planície da Verdade' de Platão, que tipifica o estado espiritual tal como é explicado, realmente, tanto pelos hermetistas como por Plotino, num sentido que possibilita compará-la ao terceiro céu de Paulo. De acordo com a escola trismegística, a fé é a compreensão ou percepção espiritual; é a virtude ou poder da mente espiritual, que, dizem, encontra seu suporte na 'reta fé' da Gnosis.


De fato, também na Gnosis cristianizada, antes da escola de Valentino, fé e Gnosis parecem ter sido termos sinônimos. Mais tarde, porém, uma nítida distinção foi demarcada entre elas devido à controvérsia teológica.Se na literatura trismegística, ou tradição do Três-vezes-grande Hermes, a Gnosis é chamada a 'Religião da Mente', a Mente deve ser compreendida como a Mente Divina ou Espírito. Pois, na mesma tradição, a Gnosis é também referida como o 'único amor de Deus', a 'verdadeira filosofia' ou 'amor à sabedoria', o que também abarca, é verdade, a ciência da natureza e do homem, como na maior 'parte das formas de elevado misticismo. Porém, esta sabedoria também é caracterizada como 'adoração', ainda que não no sentido de um culto externo, mas como uma devoção interior ou louvação ao espírito. 'Devoção é Gnosis de Deus’, pois "as sementes de Deus, é verdade, são poucas, porém vastas, corretas e boas são a virtude e o autocontrole, a devoção" (Corpus Hermeticum , IX. 4). A Mente Divina é também chamada o Pastor de Homens, o Poimandres, e também Amor Divino (Sermão Perfeito, I). Para sermos conhecedores devemos ser amantes, devemos ter "o amor único, o amor à sabedoria-amorosa, que consiste na Gnosis da Divindade unicamente, a prática da contemplação perpétua e da piedade sagrada" (Sermão Perfeito, XII).A Gnosis da Mente é de uma natureza espiritual, pois é operada pelo princípio espiritual no homem: "Esta é, meu filho, a Gnosis da Mente, a visão das coisas divinas; ela é a Gnosis de Deus, pois a Mente é de Deus" (C. H., IV. 6).


No hermetismo, Gnosis é a mais elevada, ou melhor, a síntese das sete virtudes ou poderes espirituais. As sete virtudes são referidas como: Gnosis, contentamento, autocontrole (temperança), moderação, retidão, comunhão com tudo e verdade. Mais além destas vêm a tríade de Vida, Luz e Bem, completando o dez, ou número 'perfeito' (C. H., XII. 8-9).O 'fim' ou 'perfeição' de toda esta disciplina era 'conhecer a Deus', que é essencialmente Aquele 'que quer ser conhecido e é conhecido pelos Seus', Gnosis não é conhecimento a respeito de alguma coisa, mas contato direto ou comunhão, o conhecimento de, no sentido de familiaridade imediata com a divindade.E, dessa forma, na louvação que apropriadamente conclui O Tratado Sobre a Perfeição, lemos: "Damos graças a Ti, Ó Ser Mais Elevado, pois por Tua graça recebemos a luz da Gnosis. Ó Nome inefável, em lugar do qual, em nossa adoração, usamos a apelação 'Deus' e, em nosso agradecimento dirigimo-nos como 'Pai', pois Tu demonstrastes a todos nós, homens e mulheres uma boa vontade paternal, afeição, amor e, numa atitude extremamente doce, por benevolência, nos dotastes de mente, razão e Gnosis, mente para que possamos conhecer-Te, razão para que possamos estimar o Teu valor e Gnosis para que ao Te reconhecer possamos nos regozijar. "Tornados inteiros por Ti, agora nos regozijamos que Tu Te mostrastes inteiramente a nós, regozijamo-nos que Tu, pela visão de Ti mesmo, tornaste-nos deuses apesar de ainda no corpo. Conhecer a Tua grandeza é, para o homem, a bem-aventurança que leva a Deus. Alcançamos a Gnosis de Ti, Ó Luz, luz sensível somente à inteligência; a Gnosis de Ti, Ó Vida, vida de toda a vida humana; a Gnosis de Ti, Ó Útero fecundo. de todos (que são renascidos); a Gnosis de Ti, Ó Tu eterna Permanência daquela fecundidade inerente à geração da paternidade."Por este motivo, em nossa adoração a Ti, não ansiamos por nenhuma outra recompensa de Tua bondade, a não ser que Tu condescendas a nos manter constantemente na Gnosis de Ti mesmo, quando tiveres orado para não nos permitir cair desta vida elevada de santidade. "


É bastante evidente nestas passagens que Gnosis é uma dádiva, uma graça do espírito; por isso, ainda que a dádiva seja de Deus, a sua luz poderia ser passada adiante, pois o espírito vive para doar. "Preencha-me com Teu poder e com esta Tua graça, para que eu possa dar a luz aos que vivem na ignorância" (C. H., I. 32), assim ora o suplicante por Gnosis.Também é evidente que a mente é a mente espiritual intuitiva, a contraparte humana daquela Mente ou Mônada Divina na qual devemos ser mergulhados ou batizados, de acordo com a doutrina do tratado chamado The Cup (O Cálice), e que a concepção inteira de Gnosis é devida à religião e não à filosofia. A salvação pela Gnosis é tornar-se inteiro, é um completar-se ou preencher-se espiritualmente, da natureza da apotheosis ou theiosis, isto é, da transfiguração da vida de separação para a vida divina auto-suficiente. Na literatura trismegística, 'aqueles que estão em Gnosis' são contrastados com os homens do mundo, pelos quais dizem que são "ridicularizados, odiados e até mesmo levados à morte" (C. H., IX. 4).

Porém, em todas essas tribulações, os que são piedosos são sustentados pela sua consciência da Gnosis. Não só isso, mas para a pessoa que está realmente 'na Gnosis':... "todas as coisas, ainda que sejam ruins para os outros, são boas para ele; e mais, cada intriga contra si ele traduz para o plano da Gnosis e somente ele transmuta todos os males em benefícios." (C.H., IX. 4)Dizem que esta consciência espiritual é iniciada por uma iluminação, geralmente ocorrendo em uma visão, mas de uma natureza viva e inteligível.O iluminador é o Logos, a Luz de Deus, tanto para nossos 'suplicantes trismegísticos', como para os terapeutas de Philo, ou suplicantes, como também ele os chamava. Por exemplo, encontramos esse místico e platonista judeu alexandrino escrevendo: 'Pois o Senhor é a minha Luz e o meu Salvador', como é cantado nos hinos [ou seja, nos salmos]. Ele não só é luz, mas o arquétipo de todas as outras luzes; na verdade, bem mais antigo e sublime que o modelo arquétipo [de todas as luzes], já que este último é a Sua Palavra (Lagos). Pois o modelo universal é a Sua Palavra plena, a Luz, enquanto Ele mesmo é como nada para as coisas criadas." (De Som., §13).

A iluminação é um preenchimento, uma conclusão, uma plenitude (pleroma), como a frase de Fílon sugere acima: 'sua Palavra plena'. E assim exclama o autor do Poimandres: "Tu nos preenchestes, Ó Pai, com a visão do bem e do reto; com um tal espetáculo que o olho de minha mente ficou inteiramente tomado de reverência." (C.H., X. 4)E, dessa forma, também no tratado sobre o renascimento, o suplicante ora: "E agora me preencha com as coisas que faltam em mim". (C. H., XIII. 1)A visão do Bem, na forma da Beleza da Luz Imortal, sobrevem, inicialmente, em arrebatamento, enlevo ou êxtase do senso corporal. Para absorver profundamente a visão, o homem do mundo deve estar totalmente sereno."Pois tu poderás vê-la quando não puderes dizer nenhuma palavra a seu respeito. Porque a Gnosis e a visão do Bem é o silêncio sagrado, dando descanso a todos os sentidos. Pois aquele que a percebe não pode perceber nada mais, nem tampouco aquele que a contempla pode ter visão de nada mais, ou ouvir qualquer outra coisa, ou mover qualquer parte de seu corpo. Desligado de qualquer sentido ou movimento de seu corpo, ele permanece imóvel."Então, banhando toda a sua mente em luz [o batismo místico], essa ilumina também toda a sua alma, eleva-a através do corpo e transmuta tu do em si no ser essencial. Pois é impossível, meu filho, que a alma possa ser tornada divina pela visão da Belezaser tornada divina pela visão da Beleza de Deus quando ainda no corpo de um homem; ela deve ser separada do seu corpo e transformada, tornando-se divina." (C.H.,X.5, 6).


De acordo com a crença dos místicos, a Gnosis era acionada por meio de uma transformação essencial ou transmutação, levando a uma transfiguração. Primeiramente, havia uma 'passagem através de si mesmo', uma morte mística e, 'finalmente, um renascimento na natureza do ser espiritual de um deus.Sem dúvida, nos círculos internos dos místicos, o principal interesse era nesta apoteose ou transfiguração efetuada por meio da Gnosis ou da visão de Deus. Acreditava-se que a alma humana separada era transmutada numa natureza ou essência que era espiritual ou angélica. Muitas passagens poderiam ser citadas de numerosas tradições para ilustrar esta idéia central, porém considerações de espaço nos restringem a uma única citação de Philo, que escreve em sua Vida de Moisés (III. 39): "Ele (Moisés) estava prestes a navegar para o céu e, abandonando a vida da morte, para ser transformado na vida imortal; pois ele tinha sido chamado por Deus, o Pai, que o estava transformando de uma díada, alma e corpo, na natureza da mônada que transcende todos os elementos, restaurando-o num todo através da totalidade na mente mais gloriosa como o sol."


Os illuminati poimandristas ou trismegísticos, se referem precisamente à mesma coisa quando dizem:"É pela transmutação em daemons [ou seja, espíritos ou anjos] que as almas possuem a fonte da imortalidade e, assim, dançam outra vez no coral dos deuses (ou juntam-se à dança do coral dos deuses)” "e esta é a mais perfeita glória da alma." (C.H., XIII. 7)Tudo isso estava relacionado à doutrina da união espiritual ou 'casamento sagrado', como era chamado, um assunto que demandaria por si só um artigo para apresentar simplesmente um esboço e a transformação efetuada desta forma era considerada como o nascimento de uma nova criaturaEra essa transmutação substancial num ser espiritual que tornava possível a Gnosis, conferindo o poder de visão divina por meio do senso unitário da inteligência. A nova consciência era concebida como resultado da impregnação do ser interior, assim diziam eles, pelos raios, emanações, eflúvios ou influências do esplendor divino.

Num sentido ético, essas sementes eram, como já vimos, virtude, autocontrole, devoção e, em geral, o conjunto das virtudes. O 'final feliz' daqueles que colocavam seus pés na senda da Gnosis era, portanto, "tornarem-se deuses" (C. H., I. 26). Este 'fim' ou 'aperfeiçoamento' é um termo técnico dos mistérios, o locus classicus que Reitzenstein já encontra firmemente estabelecido no Banquete de Platão (210 E): "Aquele que foi instruído até este ponto nos Mistérios do Amor, pela sucessiva reta contemplação de coisas belas, se for até o derradeiro 'final' desta iniciação, terá a visão de uma Beleza cuja natureza maravilhosa (ou seja, Beleza absoluta, simples e duradoura, que sem diminuir e sem aumentar e sem qualquer mudança, é concedida à beleza mutável de todas as coisas). Aquele que ascender além destas belezas e, sob a influência do verdadeiro Amor, começar a ter a visão daquela Beleza, quase chegou ao 'fim"'. (211 B)


O fim supremo ou perfeição é a união com o Bem ou com Deus. O começo é a visão do processo da criação, de como o mundo vem à existência. Tais visões podem parecer bastante fúteis para as mentes modernas imersas na pesquisa física, para quem as noções cosmológicas da antigüidade, sem exceção, são tidas como sonhos de criança.No entanto, deve ser lembrado que esses místicos acreditavam que a própria substância de seu ser devia ser transmutada ou 'tornada cósmica' e que, consequentemente, ela tinha que passar por estágios de reforma semelhantes aos estados pelos quais eles imaginavam que a matéria do mundo, ou a alma do mundo, havia passado em sua formação ou ato de tornar-se.E que aquilo que estava se passando neles lhes era mostrado em visão, como uma projeção na tela cósmica, como se fora a formação de um mundo.

O interesse deles na cosmogonia era, portanto, pessoal. Conforme suas noções, tinha de haver uma 'formação de acordo com a substância', antes que a 'formação de acordo com a Gnosis' pudesse ocorrer. Por isso, verificamos que, no primeiro tratado do Corpus Hermeticum, no famoso documento Poimandres ou Pastor de Homens, a exigência do iniciante era:"Gostaria de aprender a respeito das coisas existentes e compreender sua natureza [ou seja, a origem e desenvolvimento do mundo] e de conhecer a Deus." (C.H., I. 3)E após ter sido mostrada a visão da ordem do mundo e do processo do mundo, o Iniciador, a Mente Divina, informa ao contemplado: "Foi-te ensinada a natureza do universo, sim, a maior visão" (ibid. 27). Perceber a natureza do mundo, no entanto, não é o fim, mas o começo da senda de perfeição; e é bem natural, pois esta tem a ver com inícios e não com finais.Isto é visto muito claramente na assim chamada liturgia de Mitra, em que o 'corpo perfeito' tem primeiramente que ser 'formado' de elementos puros, antes que os místicos possam ascender à visão.Porém, se falamos de inícios com relação ao processo universal, não devemos nos esquecer que estes são somente inícios para nós e não da própria realidade, que não tem princípio nem fim.


Isto é admiravelmente indicado na tradição de Trismegisto, a seguir: "Pois para o Bem não há outra margem, não há limites, ele não tem fim e, por si mesmo, também não tem princípio, ainda que para nós pareça ter um a Gnosis”. "Portanto, para ele a Gnosis não é o começo, porém ela permite a nós o primeiro princípio a ser conhecido." (C.H., IV. 8,9)A visão da natureza do mundo é geralmente referida simbolicamente como a contemplação do típico imaginário Makroanthropos ou Homem Cósmico, de quem o homem era tido como sendo essencialmente uma imagem.Se tu O vistes através das coisas que passam pela morte, tanto na terra como na profundidade, pensas a respeito de um homem sendo fabricado num útero, meu filho, escrutinizes estritamente a arte Daquele que o fabricou e aprendas quem fabricou esta justa e boa imagem do Homem." (C.H., V. 6)


Esta doutrina do começo e do fim da Gnosis é bem indicada na famosa fórmula do Documento Naasseno cristianizado, citado por Hipólito: "O início da Perfeição é a Gnosis do Homem, porém a Gnosis de Deus é a Perfeição aperfeiçoada."Aperfeiçoamento é um termo técnico para o desenvolvimento na Gnosis, sendo o Gnóstico realizado conhecido como o 'perfeito'. O início, ou a iniciação nesta supra-consciência, era dito como sendo dado numa visão cósmica do Homem Celestial, isto é, não do Supremo como absoluto, mas do Corpo Universal; somente o fim ou consumação era a união com a Deidade.Porém, a visão do que o mundo é somente podia ser desfrutada se o iniciante já se tivesse purificado para ter, dentro dele, como se fora um núcleo de elementos puros para começar ou iniciar a formação de seu novo 'corpo perfeito', como é tão bem descrito na assim chamada liturgia de Mitra. Após isto, segue-se simplesmente o 'reconhecimento de si mesmo como imune à morte' ou imortal, de acordo com a afirmação trismegística: "Aquele que sabe que retornou a Deus".


Neste particular pode ser de interesse citar, do capítulo que conclui o grande trabalho de Hipólito contra os Gnósticos, uma passagem negligenciada que mostra como o Pai da Igreja, apesar de detestar seus ensinamentos gerais, foi fortemente influenciado por esta doutrina central da Gnosis. Em seu "Epílogo", enquanto estabelecia o que chamou de a 'Doutrina da Verdade' contrastada com o que considerava como as 'Doutrinas do Erro', Hipólito escreve: ."E terás teu corpo imortal e livre de toda corrupção juntamente com tua alma ...; te unirás com Deus ... Pois agora te tornastes um deus. E todas as coisas que assistem a Deus, estas Deus prometeu conferir a ti; pois te tornastes deus, nascestes imortal.Isto significa 'Conheça-te a ti mesmo', conhecendo Aquele que te tornou num deus. "Quanto a este corpo imortal ou espiritual, a crença geral de todos os místicos era a de que no corpo humano havia, por assim dizer, a potencialidade de um corpo cósmico, um corpo de totalidade.

Por isso, numa das preces dos mistérios trismegísticos, encontramos a petição: "O tudo em nós, Ó Vida, torne-o íntegro; Ó Luz, ilumine-o; Ó Deus, inspire-o" (C.H., XIII. 19).Esse 'tudo' é o novo corpo imortal, o corpo da ressurreição. Vida, Luz e Deus são a Alma, a Mente e o Espírito Divinos que devem completá-lo na Gnosis. A expansão da Gnosis deve operar uma transformação no ser vivificação, iluminação, inspiração. Deus, como Espírito, transmuta-nos em espírito; como Luz, Ele nos glorifica, irradia-nos para que nos tornemos gloriosos; e, como Vida, confere-nos imortalidade.


A consumação deve ser uma totalidade ou ser eônico de esplendor imortal espiritual. Ainda que seja verdade que exista algo de uma natureza absoluta a respeito desta 'luz da Gnosis', pois ela é essencialmente espiritual e imediata, a Gnosis também é freqüentemente descrita como uma 'senda', uma 'ascensão' gradual. Em suas concepções mais elevadas, no entanto, esta senda não é uma 'jornada celestial' psíquica; ao contrário, é um caminho espiritual imediato que se abre em qualquer aspecto da vida. Não é necessário 'deixar o mundo' para encontrá-lo, exceto no sentido de jogar fora de nós o 'supremo vício' ou 'o maior mal' que, em contraste com a suprema virtude da Gnosis, é chamado de ignorância de Deus, no sentido de uma força positiva de negligência proposital do divino. É uma questão de 'arrependimento', mas no sentido espiritual de um voltar de toda a natureza, isto é, de toda a vontade ser colocada em direção ao Bem."Porém, para ser capaz de conhecer o Bem: desejar, aspirar, é um caminho direto à senda do próprio Bem, levando facilmente até lá.Se tu simplesmente colocares teu pé neste caminho, ele te encontrará em toda parte, será visto em toda parte, onde e quando não o esperares - acordado, dormindo, navegando, viajando, de noite, de dia, falando ou nada dizendo. Pois não há nada que não seja a imagem do Bem." (C. H., XI. 21).


Este caminho de retorno é simbolizado indiferentemente como uma senda, uma viagem, ou a subida de uma montanha. Que a Gnosis era essencialmente religiosa ou espiritual e não intelectual, já foi plenamente estabelecido, mas pode ser confirmado com autoridade pela seguinte declaração categórica com referência à visão do Belo e do Bem: "Só há uma forma que leva a ele: devoção juntamente com Gnosis" (C.H., VI. 5).A entrada na senda da Gnosis é chamada 'voltar para casa'. Como vimos, é um retorno, um virar as costas ao mundo, um arrependimento de toda natureza: "Devemos nos voltar para o velho, velho caminho" (C.H., IV. 9).Ingressar na Gnosis é um despertar do sono e da ignorância de Deus, da embriaguez do mundo para a temperança virtuosa."Pois o mal [ilusão] do não conhecimento está inundando toda a terra e trazendo total ruína à alma aprisionada dentro do corpo, impedindo-a de navegar para os portos da salvação." (C.H., XII. 1)
A única salvação é a Gnosis, Gnosis de Deus, pois: "Deus não ignora o homem; ao contrário, Ele o conhece inteiramente e Sua vontade é que Ele [por Sua vez] seja bem conhecido [pelo homem]. Este é o único meio de segurança para o homem sua Gnosis de seu Deus. Este é o Caminho que leva ao alto da Montanha (Olimpo). E é somente por esta [ascensão] que a alma do homem torna-se boa." (C. H., X. 15)A subida da montanha é a ascensão (anodos, anabasis) da alma à altura da contemplação, ou o seu mergulho em sua natureza espiritual.

É o caminho de subida, bem como do retorno.Observada do ponto de vista humano, a Gnosis é o 'teste da devoção' (C.H., X. 19), a 'virtude da alma' e também o 'fim da ciência' (C.H., X. 9).Diz-se que aquele que 'conhece a si mesmo' é "bom e piedoso e ainda na terra é divino" (C. H., X. 9). No entanto, considerado do ponto de vista soteriológico, ou em relação à teoria da salvação, a senda não surge a partir da própria pessoa, mas pela descida do Salvador, tanto nas formas de Gnosis pré-cristãs como nas formas cristianizadas. Desse modo, na conclusão do bem referido hino Naasseno, baseado em material pagão e oriental, Jesus é descrito como dizendo: "Com brasões em minhas mãos descerei; ao longo de todos os eons do universo eu construirei um caminho; revelarei todos os mistérios e manifestarei as formas que os deuses apresentam.

Aos segredos da sagrada senda darei o nome de Gnosis e os transmitirei."A ascensão para o alto da montanha é mencionada diversas vezes, como o é por quase todo o misticismo e não deve ser atribuída à lenda de Moisés; ela é puramente pagã. Por isso, Juliano diz que Hermes, como guia ou instrutor místico, encontra-se com os místicos na base da montanha, enquanto nos Papiros de Magia (Pap. Lug., V.) lemos: "Sou aquele a quem tu encontrastes no sopé do monte sagrado". E no tratado trismegístico chamado de O Sermão Secreto na Montanha, a senda probatória é chamada a 'subida da montanha' (C. H., XIII. 1), no topo da qual ocorrem a transfiguração e a visão. Nos mesmos sermões iniciáticos, em outra passagem, o neófito é exortado:"Procura um guia para levar-te aos portais da Gnosis, onde brilha a clara luz, isenta de toda escuridão, onde nem uma única alma está embriagada, mas todas estão sóbrias, acordadas de seu sono embriagado, com os olhos do coração fixos Nele que quer ser visto" (C.H., VII. 2).


Isto é descrito de forma ainda mais elegante na passagem: "Porém, no caso da alma piedosa a Mente, na verdade, a eleva e guia para a luz da Gnosis. E esta alma nunca se cansa de cantar louvores a Deus, de verter bênçãos a todos os homens e de fazer o bem em palavras e ações para todos, imitando o seu pai." (C. H., X. 21)Portanto, o conhecimento de Deus é um conhecimento ou 'visão' com os 'olhos do coração'. Tais olhos são chamados 'espirituais', 'abençoados', 'imortais'. Os olhos do corpo não são os órgãos da visão verdadeira, como lamentam as almas quando inicialmente encarceradas no corpo: "Janelas estas são não olhos!" O corpo é o 'véu da ignorância', o 'invólucro da escuridão', o 'envoltório da personalidade', pois: "Nenhum ouvido pode ouvi-lo, nem o olho pode vê-lo, mas só a mente e o coração" (C.H.,VII. 2).


O conhecimento Gnóstico é a intuição da mente verdadeira ou espiritual, a apreensão imediata ou a clara percepção da realidade viva. Ainda que geralmente referido metaforicamente como olhar, visão ou contemplação, porque a vista é o mais aguçado dos sentidos diferenciados, é, preferivelmente, percepção instantânea; na verdade, é chamado o sentido único, o sentido simples, o sentido unitário, o 'sentido da inteligência'. É tato ou contato espiritual, um tornar-se imediato, um estado além do sujeito e objeto, assim como Plotino o descreve, um único sentido sintético, para o qual ele também usa o termo técnico de tato ou toque. "Só a intuição vê o imanifestado, visto que ela mesma é imanifestada. Se és capaz [de percebê-lo], manifestado será aos olhos de tua mente... Ilimitada é a natureza generosa do Senhor; ela se manifesta por todo o mundo. Tu podes conhecê-la, não podes vê-la, tomá-la em tuas próprias mãos e observar a imagem de Deus." (C.H., V. 3)


Aqui a mente ou coração, como foi chamada, é o ser espiritual ou mônada do homem, como para os sufis maometanos e a maioria dos místicos elevados. Não é a denominada mente-cérebro ou mesmo o intelecto raciocinador. Seu conhecimento ou visão é de uma natureza imediata. É a imagem de Deus no homem e é por meio dela que a imagem de Deus no universo ou a Beleza da Vida é contemplada. Este conhecimento é chamado o 'poder da visão divina', que não é ver mas um tornar-se, como pode ser exemplificado num dos Extratos Herméticos preservados por John Stobaeus (Ek. I, XXI).


Aquele que não ignora estas coisas, pode conhecer a Deus no sentido acurado do termo; na verdade, se a pessoa ousar dizer isso, pode vê-Lo tornando-se a própria coisa que vê e vendo torna-se então imortal". A Gnosis, além disso, confere liberdade, soberania, realeza. O reino da Gnosis é, assim, estabelecido em contraste com o reino do destino ou do mundo sensível e, portanto, é concebido como a ordem supra-sensível ou imaterial, o mundo da liberdade espiritual contrastado com o mundo mecânico de causa e efeito.

A Gnosis torna livre. A mente espiritual é livre, pois: "Senhor de todas as coisas é a Mente, a Alma de Deus; sim, Senhor do destino e da lei e de todas as coisas também. Nada é impossível para Ela, nem elevar uma alma humana acima do controle do destino, nem colocar abaixo da influência do destino uma alma que a tenha negligenciado." (C. H., XII. 9)Por isso, Zózimo, o hermetista e alquimista , no final do século III d.C., citando escritos trismegísticos que não mais existem, fala-nos que o Três-vezes-grande Hermes refere-se aos homens naturais, isso é, aos 'psíquicos', como eram chamados, ou aqueles que ainda eram incapazes de contatar conscientemente, em si mesmos, o imaterial ou espiritual, como os 'sem mente' e joguetes, brinquedos ou cortejos do destino. No entanto, aqueles que têm a mente espiritual ativa são chamados de filósofos ou aqueles que amam a sabedoria; eles são superiores ao destino e reis de si mesmos, porque se conhecem da forma Gnóstica. Assim, também em O Sermão Perfeito (XI!.), somos informados de que a Gnosis e a Filosofia são idênticas, no sentido de amor à sabedoria, pois lemos da "filosofia que consiste somente em conhecer a divindade, uma visão amiúde renovada, o culto da santidade".


Algumas pessoas argumentam que a Gnosis era principalmente mágica, sendo seu significado característico essencialmente o conhecimento de fórmulas mágicas; e é verdade que, em algumas das tradições, encontramos, no meio do material, uma riqueza de tais fórmulas, sons místicos, permutações de vogais e combinações (talvez para serem consideradas, às vezes, como uma notação musical esquecida), o detritus antigo e, portanto, sagrado, línguas e o resto.


Mas isso certamente não pode ser dito de um bom número das principais escolas e, muito menos, da tradição trismegística. Realmente, do tratado perdido Sobre o Portal Interior, Zózimo cita Hermes declarando: "O homem espiritual, o homem que conhece a si mesmo, não deve realizar coisa alguma por meio da mágica, nem mesmo se acreditar que a coisa é boa; tampouco deveria forçar o destino, mas aceitar o seu curso natural. Ele deveria seguir adiante, buscando somente o seu próprio ser e, ao alcançar a Gnosis da divindade, deveria obter os 'três' que não têm nome na terra e deixar o destino levar a cabo sua vontade em sua própria argila, isto é, sobre o corpo.

E, se ele compreender isso desta forma e assim organizar sua vida, deverá obter a visão do Filho de Deus, tornando-se todas as coisas por causa das almas santas, para que possa retirar cada alma da região do destino, para o reino em que ela é livre do corpo."Os 'três' ou 'tríada' são presumivelmente Luz, Vida e o Bem, como já vimos anteriormente.O Filho de Deus é a Mente, o Pastor de Homens, o Guia Divino para a Luz, que ilumina a mente de cada alma, assim mantendo-a elevada, ou tornando-a livre do destino. Como alcançar a Gnosis denota a idéia de liberdade e salvação, assim também sugere a noção de poder, de conquista e de controle.

A posse da Gnosis, portanto, confere 'autoridade', um termo intercambiável com 'poder' num sentido Gnóstico. Abundantes evidências adicionais poderiam ser adiantadas, mas já foi dado o suficiente para demonstrar que a idéia fundamental da Gnosis é a transmutação num ser espiritual e isso é fundamentalmente uma idéia religiosa oriental, a antípoda da filosofia em seu significado moderno comum visto como a elaboração de um sistema intelectual. A Gnosis é, portanto, acompanhada de visão e revelação no sentido que as citações anteriores já deveriam ter tornado claro. Além disso, seria fácil demonstrar que estas são também as características gerais da Gnosis nos sistemas cristianizados, mas isso iria demandar um estudo separado.

Basta citar aqui um único pronunciamento de um pequeno fragmento pouco conhecido de um apocalipse Valentiniano preservado por Epifânio (XXXI. 5): "Saudações da Mente que nunca se cansa, para mentes que nada pode faze-las cansar! Agora despertarei em vocês novamente a memória dos mistérios acima dos próprios céus, os mistérios para os quais nenhum nome pode ser dado, os quais nenhuma língua pode expressar - os mistérios que nenhuma soberania ou autoridade, que nenhum sujeito ou natureza mista tem poder para compreender, mas que foram tornados simples para a compreensão da consciência que está acima de toda mudança."As indicações anteriores do significado de Gnosis nas formas mais elevadas do misticismo helenístico podem ser de interesse para um público mais geral do que para o pequeno número dos que já estão inteirados do assunto.


Existe atualmente uma renovação de interesse em assuntos místicos e foram publicados recentemente livros tratando da experiência religiosa desta natureza. Porém, na maior parte das vezes, a investigação é devotada quase que exclusivamente ao misticismo cristão medieval e mais recente. A riqueza da literatura mística oriental é praticamente ignorada, enquanto sobre as tradições ocidentais fora da Igreja, além de uma referência ou outra a Plotino, praticamente não ouvimos nada dos muitos movimentos místicos dos tempos antigos, que são, pelo menos alguns deles, de grande interesse e importância.



George Mead Robert Stowe (1863 - 1933) foi um autor, editor, tradutor, e um influente membro da Sociedade Theosophica, um Gnóstico na acepção do termo. ( Na foto G.R.S.Mead e Madame Helena Petrovna Blavatsky)

terça-feira, 20 de maio de 2014

Gnose



Tratado Gnose

A palavra Gnose é imortal e serve para designar, ainda hoje, uma tentativa de vanguarda. Os gnósticos modernos são também aqueles que procuram os
pontos de concordância de todas as religiões, que reivindicam uma moral anticonformista, uma tomada de consciência das instituições do pensamento
mágico, enfim, todos os que propõem um método de salvação aos seres que se sentem “estrangeiros” neste mundo.

Layton, em sua coletânea de escritos gnósticos, refere-se a um grupo antigo que se autodenominava “Gnósticos”, pessoas aptas a ter conhecimento. Esclarece que, sendo gnosis uma palavra da linguagem comum em grego, o mesmo não ocorria com seu estranho derivado, gnõstikos.

Mostra haver uma distinção entre conhecimento proposicional (o eidenai grego) e a familiaridade com um objeto ou pessoa, cujo substantivo grego é gnosis, associando-o ao inglês acquaintance.

Em outras palavras, distingue o saber do conhecer; e confere a este uma conotação de proximidade ou familiaridade. Adiante, identifica gnosis a um entendimento não-discursivo.

O Evangelho Segundo Filipe:

As pessoas não podem ver coisa alguma no mundo real, a não ser que se tornem essa mesma coisa. No reino da verdade, não é como os seres humanos no mundo, que vêem o sol sem ser o sol, e vêem o céu e a terra e assim por diante sem ser eles. Antes, se você viu qualquer coisa lá, você se tornou aquela coisa: se você viu o ungido (Cristo), você se tornou o ungido (Cristo); se você viu o [pai, você] se tornará o pai. Assim [aqui] (no mundo) você vê tudo e não [vê] a si mesmo. Mas lá, você vê a si mesmo; pois você se torna o que você vê.

Conhecer-se é, com efeito, reconhecer-se, reencontrar e recuperar o verdadeiro“eu”, anteriormente obnubilado pela ignorância e pela inconsciência a que afusão com o corpo e a matéria submete o homem: a gnosis é em realidade uma epignosis, um “reconhecimento”, uma rememoração de si mesmo.

Os cristãos, diz Tertuliano, citando Paulo, deveriam, todos, falar e pensar as mesmas coisas. Quem quer que se afastasse do consenso era, por definição, um herege, porque, como observa ele, a palavra grega traduzida como “heresia” (hairesis) significa literalmente “opção”. Logo, o “herege” era um indivíduo que faz uma opção.

Tertuliano, porém, reafirma que fazer opções era um mal, porque elas destroem a unidade do grupo. A fim de erradicar a heresia, continua, os líderes da Igreja em hipótese alguma deviam permitir que as pessoas fizessem perguntas, porque as perguntas é que as tornam heréticas, acima de tudo, aquelas como as seguintes: de onde vem o mal? Por que o mal é permitido? Qual a origem dos seres humanos?

Tertuliano quer colocar um ponto final nessas questões e impor a todos os crentes a mesma regula fidei, ”regra da fé”, ou crença. [...] O verdadeiro cristão, diz Tertuliano, apenas resolveu nada saber ...que divirja da fé.

Associar a gnose, não apenas ao sapere aude do Esclarecimento, mas ao holismo, lembra o modo como Isaac Newton formulou leis e princípios da Física e ao mesmo tempo estudou alquimia, supondo conforme argumenta Eliade em Forgerons et alchimistes um conhecimento que ultrapassasse a fronteira entre ciência e magia.

E, reciprocamente, o perfil de um mago como John Dee, segundo Yates um cientista prático e um inventor, além de matemático genuíno, de importância considerável, em contradições aparentes [entre magia e ciência] que se inscrevem com absoluta naturalidade no modo de ver do mago da Renascença

E, apesar de todos os argumentos em favor da aproximação do gnosticismo ao sapere aude, ao holismo, à integração de ciência e magia, razão e iluminação, a leitura de seus “evangelhos” ou “escrituras” mostra uma doutrina cujo tema ou referente é, não a realidade empírica, constituída pelos fenômenos que interessam à ciência, mas o outro mundo.

Seus textos expõem um conhecimento da esfera supra-celestial; inscrevem-se no âmbito da teodicéia, teosofia e teologia. Não demonstram interesse de seus autores pelo mundo imediatamente sensível, e por assuntos mundanos.

Nisso, em seus referentes externos, “escrituras” gnósticas diferem dos testamentos judaico e cristão. Com efeito, a maior parte do que é relatado na Bíblia se passa ou é apresentado como histórico, situado na diacronia.

Desde Gênesis, acompanha uma série temporal. Seus protagonistas são, alguns, personagens históricos; outros, míticos, porém apresentados como se fossem históricos. Moisés pode ter sido mítico e a abertura do Mar Vermelho ou a entrega das Tábuas da Lei são certamente mitos, porém o Egito do êxodo judaico é aquele mesmo dos faraós estudados em livros de História.

Há, não só uma cronologia, mas uma contextualização. Os Herodes e Pilatos bíblicos existiram e governaram a então Judéia. Caifás de fato foi sacerdote do Templo. Informação disponível sobre Herodes, Pilatos e Caifás é valiosa para a interpretação dos evangelhos, assim como a localização de lugares onde se desenrolou sua ação.

Por isso, edições da Bíblia podem incluir mapas e tabelas cronológicas, comparando seus eventos com outros, contemporâneos: o Êxodo, fugindo da opressão de Ramsés II, foi aproximadamente em 1250 a.C; e Davi reinou de 1010 a 970 a.C.

Nisso, em seus referentes externos, “escrituras” gnósticas diferem dos testamentos judaico e cristão. Com efeito, a maior parte do que é relatado na Bíblia se passa ou é apresentado como histórico, situado na diacronia. Desde Gênesis, acompanha uma série temporal.

Seus protagonistas são, alguns, personagens históricos; outros,míticos, porém apresentados como se fossem históricos. Moisés pode ter sido mítico e a abertura do Mar Vermelho ou a entrega das Tábuas da Lei são certamente mitos, porém o Egito do êxodo judaico é aquele mesmo dos faraós estudados em livros de História. Há, não só uma cronologia, mas uma contextualização. Os Herodes e Pilatos bíblicos existiram e governaram a então Judéia. Caifás de fato foi sacerdote do Templo.

Informação disponível sobre Herodes, Pilatos e Caifás é valiosa para a interpretação dos evangelhos, assim como a localização de lugares onde se desenrolou sua ação. Por isso, edições da Bíblia podem incluir mapas e tabelas cronológicas, comparando seus eventos com outros, contemporâneos: o Êxodo, fugindo da opressão de Ramsés II, foi aproximadamente em 1250 a.C; e Davi reinou de 1010 a 970 a.C.

Há mais, contudo: nos evangelhos propriamente cristãos, aqueles incorporados à Bíblia, as parábolas e ensinamentos de Jesus Cristo não apenas fazem parte de um relato biográfico, cujas coordenadas de tempo e espaço, históricas e geográficas, são claras. Seu referente é a realidade imediata.

Falam do grão de mostarda, do semeador, da figueira, da ovelha desgarrada, de ricos e pobres, dos demais componentes do dia-a-dia daqueles a quem se dirigia o ensinamento. Salvo alguns momentos mais espetaculares, como o da tentação pelo diabo, dos relâmpagos na crucificação, da Ressurreição e da conversão de Paulo, o tema e o tom do Apocalipse de João constituem-se em exceção, e não, como nos textos gnósticos, em tônica dominante. Jesus Cristo pregou com os pés no chão, e nisso distinguiu-se de magos e profetas seus antecessores e contemporâneos.

Como que dispensou efeitos especiais: nos Evangelhos, quase nada de carruagens de fogo, dragões, relâmpagos e trovões, convulsões e cataclismos.

Mesmo os milagres são de uma extrema simplicidade: além da cura, não acontece mais nada. Há uma preocupação dos evangelistas em biografá-lo, desde a especificação de sua origem, de quem descendia, remontando até Abraão, na abertura do evangelho de Mateus; e de dar-lhe um perfil bem definido, de caracterizá-lo.

E, também, de biografar apóstolos e historiar a formação da Igreja, em Atos dos Apóstolos. Nada disso se encontra em “evangelhos” ou “escrituras” dos gnósticos, pelo seguinte motivo: acontecimentos históricos, cenas do dia-a-dia e dados biográficos não têm interesse conforme o paradigma dualista.

Aceita a separação radical entre dois mundos, o do sagrado e do profano, do espírito e da matéria, então o texto sagrado desconhecerá o mundo profano e material.

Outros historiadores associam o Novo Testamento, desde os Evangelhos, à consolidação de um cristianismo romano e à correlata marginalização e exclusão de cristianismos esotéricos, afins ao gnosticismo. É o que argumenta Pagels.

Também Bloom (que elogia Pagels) acentua, em Jesus e Javé e no capítulo sobre Jesus em Genius, a oposição entre um cristianismo voltado para a conversão dos gentios, romano, Essa cronologia parece consensual entre historiadores das religiões; está na Bíblia de Jerusalém aqui consultada.

A partir de Paulo, e já manifesto nos evangelhos, e um cristianismo judaico, originário (seria a Igreja de Jerusalém, conduzida por Tiago).

Em contraste com essas características da escritura canônica, do conjunto de textos que Layton agrupa como Escrituras Gnósticas Clássicas nenhum tem forma de parábola tratando do cotidiano. Referem-se a encontros com emissários divinos, ensinamentos relativos a iniciações, batismos e “câmara nupcial”.

Tampouco são relatos históricos. Abolem as coordenadas espaciais e temporais.

Por exemplo, no Hino da Pérola,125 que é exceção pela forma de narrativa, e não de pregação ou “monólogo da sabedoria”, os acontecimentos narrados são atemporais: o Egito ao qual o protagonista viaja é uma metáfora do mundo caído (derivada, é certo, do Egito da escravidão judaica na Bíblia), contraposta ao Oriente, também metáfora, mas do mundo perfeito.

O conhecimento gnóstico foi, ainda, seletivo, restrito, do âmbito dos eleitos, os descendentes de Set: aqueles arbitrariamente lançados em um mundo que lhes é estranho, por obra de um deus hostil. Em uma das variantes, a dos cainitas, são descendentes de Caim; os amaldiçoados, precursores dos poetas malditos como Baudelaire, que, em Abel e Caim, tomou o partido de Caim e, repetindo o que havia proclamado Nerval, identificou-se à raça maldita dos rebeldes contra o Criador.

Eleitos gnósticos distinguem-se dos psíquicos ou crentes, que podem ter acesso à gnose através do aprendizado e disciplina, ou seja, da iniciação, e dos somáticos ou híliacos, alheios à dimensão espiritual.

Entre examinar e esclarecer o sentido da gnose, do conhecimento para os gnósticos, e conhecer o gnosticismo e os gnósticos, descrevendo sua doutrina e relatando sua história, há uma considerável distância. Entra-se no domínio das suposições, por causa das lacunas na informação disponível. E a descrição do gnosticismo não é dificultada apenas pela destruição de seus vestígios, mas pela diversidade interna.

Esta decorre da sua natureza não-dogmática, distinta do que Bloom chama de crenças normativas ou do que Scholem chama de religião institucional: o gnosticismo correspondeu a um conjunto de doutrinas afins, seguidas e praticadas pelos adeptos de uma quantidade de profetas e mestres.

Do capítulo As Provações do Judaísmo, da História das Crenças e das Idéias Religiosas de Eliade, é possível destacar uma agenda de temas filosófico-religiosos judaicos que viriam a ser incorporados pelo gnosticismo e, alguns, pelo cristianismo: a formulação de uma doutrina unitária da história universal; o conseqüente milenarismo, com os anúncios da vinda do Messias; a personificação da Sabedoria como Chokmah, que os gnósticos iriam hipostasiar como Sophia; a doutrina do Antropos, Adam Cadmon ou Adamas, o homem primordial e universal.

E, de especial interesse para que se compreenda a gênese do gnosticismo, as especulações e discussões sobre o alcance e extensão do mal e de sua relação com o mundo.

Nesse temário, tem relevância a suposição de um Deus oculto, o deus absconditus descrito de modo paradoxal, como equivalente à coincidentia oppositorum, e do qual o Jeová bíblico seria apenas uma manifestação ou emanação.

Como expõe Scholem, tal suposição abre as portas para a transformação de Jeová em demiurgo, o arquiteto ou artífice do universo, e para a crença em seres intermediários entre o homem e Deus: anjos, arcanjos, querubins e também demônios, preenchendo o que o historiador Hadot, Pierre, do misticismo judaico chama de topografia mística do reino divino.

Em acréscimo, Jonas observou que os nomes de Deus do Velho testamento, Iaô, Sabaoth, Adonais, Elohim, El Shaddai – sofreram um rebaixamento: de sinônimos do uno e supremo, passaram a nomes próprios de seres demoníacos inferiores, os arcontes

O ambiente cultural da Alexandria da Antiguidade tardia marcado pela presença de personagens de elevada estatura intelectual: Plotino, Porfírio, Filo, Zózimo, Orígenes, Clemente, Valentino, Basílides; e também por mulheres importantes: Hipácia, as alquimistas Maria e Cleópatra, além de profetisas e sacerdotisas gnósticas preservava, até ser destruído pelo sectarismo e pelas queimas da sua biblioteca (uma delas cristã; a última, muçulmana), um ecumenismo e universalismo que haviam sido característicos do império de Alexandre, em sua tentativa, como assinala Jonas, de promover a união do Ocidente e do Oriente. Para Eliade,

No desfile encabeçado por Mani e fechado por Simão o Mago e Apolônio de Tiana comparecem hernianos, priscilianos, elquesaítas, carpocracianos, nicolaítas, marcosianos, helvidianos, messalianos, paternianos, arcônticos, tacianianos, valesianos, cainitas, circonceliões, valentinianos, teodocianos, merintianos, apolinaristas, crintianos, marcionitas, encratitas, ebionitas. São devidamente acompanhados pelos magos e heresiarcas Saturnino, Cerdon, Marcião, Bardesanes, Valentim, Basilides, Aecius, Priscila, Maximila, Montano, Ário, Marcelo de Ancira, Metódio, Cerinto, Paulo de Samosata e Hermógenes

Fica claro que não houve uma Igreja gnóstica organizada, a exemplo do catolicismo, a não ser em alguns momentos: como marcionismo nos séculos II e III (deMárcio ou Marcião, cristão dissidente que rejeitava integralmente o Velho Testamento); como igreja oculta dos valentinianos; e com Bardaisan ou Bardesanes e sua escola do Apóstolo Tomé, por volta de 200 d. C. em Edessa (na atual Síria), no reino de Osrhoëne (que cobria a Mesopotâmia) como observa Hoeller, Edessa foi muito provavelmente o primeiro estado cristão e o único estado gnóstico na história.

Ramificações do gnosticismo nas quais é possível ver a organização como igrejas viriam a ser o maniqueísmo especialmente em seu início, de 242 a 273 d.C, quando foi religião oficial iraniana e o mandeísmo.

Relatos da época e as subseqüentes pesquisas acabaram por mostrar que, mesmo sem contar a seu favor com a organização do cristianismo, o gnosticismo esteve presente em uma extensão territorial que abarcava desde a Península Ibérica até o Alto Egito, passando por Roma, pela Grécia, Síria e por Alexandria, durante o período entre a instauração do Império Romano sob Augusto e Tibério, seu apogeu entre Trajano e Adriano, sua divisão com a segunda sede imperial em Bizâncio a partir de Constantino, e sua decadência.

Comunidades e cultos gnósticos foram documentados na Armênia, no Irã, e a condenação do priscilianismo, uma das variantes do gnosticismo, foi o tema de um concílio em Braga, Portugal, no século VII.

No final do século VII o gnosticismovoltaria a ser comentado e questionado pelo heresiólogo sírio Teodoro Bar Konai.

O maniqueísmo, por sua vez, difundiu-se desde a China e Turquestão até a Península Ibérica, passando pela Europa e pela África do Norte (lembrando que Agostinho, antes de tornar-se o grande filósofo e santo do cristianismo, foi maniqueísta).

Suas extensões incluíram os paulicianos da Armênia no século VII, os bogomilos das atuais Romênia, Bulgária e Bósnia nos séculos IX a XV, e os cátaros provençais exterminados no século XIII, sugerindo uma migração através desses países e regiões.

Em acréscimo, houve ramificações asiáticas do gnosticismo, ou de combinações de maniqueísmo e gnosticismo. Dentre elas, o mandeísmo (os significados dos vocábulos mandeu e gnóstico são equivalentes), uma religião de adeptos de João Batista, mas não de Jesus Cristo, que subsiste até hoje, com uns 10.000 seguidores no Iraque.

Cabe registrar também, no capítulo das extensões tardias do gnosticismo, suas manifestações muçulmanas. Corresponderiam, segundo Doresse, aos ismaelitas e ao sufismo; para Hutin, também à estranha seita dos haxixim ou assassinos liderada por Hassam ibn Sabbah, o “velho da montanha”.

Com o extermínio dos cátaros no século XIII, encerrou-se de vez o gnosticismo como forma de organização social no Ocidente. Mas não como doutrina e visão de mundo. Além de seus reflexos em heresias, dissidências e revoltas religiosas, reapareceria em hermetistas e magos da Renascença, e em místicos e esoteristas, os “iluminados”.

Durante séculos, o conhecimento sobre gnosticismo derivou de fontes indiretas e tendenciosas: refutações por patriarcas da Igreja como Irineu, autor do Adversus Haeresis, Hipólito e Epifânio, autor do Panarion; e a crítica helenística e judaica

Qualquer que fosse sua origem, é mais correto referir-se aos documentos de Nag Hammadi como biblioteca gnóstica é assim que Robinson e Doresse os designam – e não como “evangelhos” ou “escrituras”, como o fazem Pagels e Layton, entre outros: são termos que supõem a seleção, com a exclusão do não-canônico (daí preferir utilizá-los entre aspas, quando relacionados ao gnosticismo).

Os formadores daquele acervo revelaram um espírito genuinamente gnóstico no modo como preservaram fontes de conhecimento. Ousaram saber. Procederam como bibliotecários, ou pesquisadores interessados em um estudo de religiões e teologia, respeitando seu caráter heterodoxo.

Há, ainda, uma terceira categoria, necessária para se falar sobre gnosticismo: a transmissão oral. É claro que a escrita recolheu algo transmitido oralmente. Mas, sendo doutrina esotérica, certamente havia um ensinamento especificamente oral, destinado aos iniciados e veiculado em cultos. Incluía, como se observa através de recomendações e possíveis transcrições em algumas das “escrituras”, não apenas senhas e ditos paradoxais, mas cantorias semelhantes aos mantras: o “falar em línguas” indutor ou expressão de alterações da consciência, discutido no capítulo precedente.

Para Hoeller e Pagels, nos rituais gnósticos tinham lugar não só tais mantras,mas a música e, ainda, a dança, nisso diferindo do cristianismo ortodoxo.

Uma coisa é certa: o evento central naqueles rituais era o batismo, concedido pelo Grande Set.

No entanto, o sentido do batismo no gnosticismo é distinto daquele do sacramento católico: onde o catolicismo opera com os pares pecado e absolvição, ou culpa e redenção, a polaridade gnóstica é entre ignorância e conhecimento.

No gnosticismo valentiniano, há acréscimos e um ganho em complexidade em matéria de sacramentos. A principal contribuição daqueles adeptos foi a câmara nupcial. Layton, no prólogo de O Evangelho Segundo Filipe, comenta:

[...] as diversas referências a sacramentos (“mistérios”), provavelmente os que eram reconhecidos pela comunidade ou comunidades cristãs valentinianas. Pelo menos uns cinco eram reconhecidos (cf. n. 60) [este e os demais números entre parêntesis são trechos ou versículos de O Evangelho Segundo Filipe, comentado por Layton]: batismo, crisma (unção com óleo santo), eucaristia, resgate e câmara nupcial. Desses termos, o mais distintamente valentiniano é “câmara nupcial”.Nada, em GPh [O Evangelho Segundo Filipe na abreviatura de Layton], indica se câmara nupcial se expressava por um verdadeiro ritual ou se era meramente uma metáfora da salvação. Em “a câmara nupcial figurada”, a alma ou “imagem” se une a um anjo e como que se torna um andrógino, seguro contra tentações sexuais (n. 53). Essa união corrige a separação de Adão e Eva, o andrógino original (n. 70, cf. Rad). Nessa união, a pessoa se empenha no “retorno” (apokatastasis) para o lar espiritual isso é, a recepção da ressurreição e do espírito santo.

A leitura dos textos valentinianos mostra que a “câmara nupcial” não é o lugar da celebração do matrimônio, mas do encontro do iniciado com a centelha divina, seu verdadeiro “eu”.

Correspondem-lhe, portanto, as bodas alquímicas, união de contrários para realizar a transmutação. Mas o matrimônio ser simbólico não exclui a possibilidade da hierogamia, de uma consumação real, tomando os símbolos ao pé da letra.

Tamanho volume de informação, porém ao mesmo tempo tão díspar e lacunar, contribuiu para as divergências entre estudiosos, nas interpretações do gnosticismo e no delineamento de seu âmbito, do próprio campo de estudos. Alexandrian e Roob tomam o hermetismo do Corpus Hermeticus como gnosticismo, enquanto Puech e Doresse lhe dedicam um capítulo próprio em seu tratado de história das religiões.

Já Bloom classifica o hermetismo como gnosticismo secular em Jesus e Javé.

Os Nomes Divinos, e Layton inclui o tratado primeiro do Corpus Hermeticus, o Poimandres, em As Escrituras Gnósticas, mas catalogado em Outras correntes antigas, afins, porém distintas do gnosticismo, assim como a gnose cristã de O Evangelho segundo Tomé ao qual, no entanto, Puech dedica todo o segundo volume de En quête de la gnose. E Montserrat Torrents, na introdução de sua edição dos textos de heresiólogos, cita um congresso de historiadores para afirmar que gnosticismo é mesmo sinônimo de gnosticismo cristão, valentiniano, a partir do século II; outras modalidades poderiam ser alcunhadas de gnoses, mas não de gnosticismo.

É um ponto de vista diametralmente oposto ao de Jonas, que identificou um gnosticismo cristão, obviamente herético, outro judaico e pré-cristão, e ainda o gnosticismo pagão independente do hermetismo, além de incluir o maniqueísmo como gnosticismo oriental.

Eliade, no capítulo intitulado Paganismo, Cristianismo e Gnose de História das Crenças e Idéias Religiosas, trata de gnose valentiniana e do maniqueísmo, tido como a mais radical das sínteses gnósticas; mas associa o gnosticismo originário ao primitivo cristianismo esotérico.

Pagels, ao mesmo tempo que acentua o contraste entre ortodoxia cristã e gnosticismo, pela valorização gnóstica do conhecimento versus a imposição ortodoxa da hierarquia, vê gnosticismo como um cristianismo mais fiel à mensagem de Jesus Cristo.

Contudo, como são, de fato, administradas as normas de Deus? Nesse ponto, a teologia de Clemente se torna prática: Deus, diz ele, delega sua “autoridade de reinar” aos “governantes e líderes da terra”. Quem são os governantes indicados? Clemente responde que são os bispos, padres e diáconos. Quem se recusar a “curvar-se” e a obedecer aos líderes da igreja é culpado de insubordinação contra o próprio mestre divino.

[...] Para Inácio, assim como para os pagãos romanos, política e religião constituíam uma unidade inseparável. Acreditava que Deus se tornava acessível à humanidade por meio da igreja – e de forma mais específica, por intermédio dos bispos, padres e diáconos que a administravam: “sem eles, não há nada que possa chamar-se igreja!” Em nome da salvação eterna, impelia o povo a se submeter aos bispos e padres.

E o gnosticismo aparece como doutrina rebelde e até libertária, por criticar a autoridade representada não só pela hierarquia eclesiástica, mas pelo próprio criador do mundo.

Pode-se ir mais longe, e supor que os gnósticos, não dispondo de um repertório de categorias propriamente políticas, faziam a crítica do Império Romano através de categorias teológicas: atacavam a divindade que legitimava o Império; no âmbito especificamente judaico, o Deus que conferia autoridade aos sacerdotes do Templo; e no emergente cristianismo, sua hierarquia sacerdotal

Em São Paulo, encontra-se doutrinas comuns ao cristianismo primitivo e à gnose. O apóstolo apela, até mesmo, à “Sabedoria de Deus ... que está
escondida, que Deus preparou antes mesmo dos séculos para nossa glória e que nenhum dos príncipes (ao pé da letra, destaca Doresse: dos arcontes) deste século (ao pé da letra: deste eon) conheceu.” [o trecho citado por Hutin é de I.Coríntios II, 7-8]

Paulo polemiza antes de Marcião contra a Lei de Moisés, cujos mandamentos são classificados como “ministério da morte, gravado em letras sobre as pedras”, em oposição à Lei nova, “ministério do Espírito”, trazida por Jesus.

Paulo adota a divisão tripartite do homem: corpo, alma e espírito. Satã é o “Príncipe deste mundo”, assistido por numerosas potências.

Na perspectiva paulina, o homem ressuscitará em corpo glorioso, pois “a carne e o sangue não podem herdar o Reino de Deus”. [Hutin cita 2. Coríntios, III, 7]

Mas Paulo recusa-se absolutamente a fazer endossar ao Criador a responsabilidade do mal e do pecado original; e não se encontra nele qualquer
docetismo.

Vê-se que a relação da pregação paulina com o gnosticismo foi dúplice.

O apóstolo tanto pode ser apresentado como precursor (é a interpretação de Valentino, cuja doutrina lhe teria sido ensinada por Teudas, discípulo de Paulo

É a conclusão a que chega Robinson, fonte especialmente autorizada, em sua condição de coordenador da edição dos escritos de Nag Hammadi:

Assim, o gnosticismo não parece ter sido, em sua essência, apenas uma forma alternativa de cristianismo. Antes, foi uma tendência radical de liberação do domínio do mal ou de transcendência interna que varreu a Antiguidade tardia e emergiu dentro do cristianismo, judaísmo, neo-platonismo, hermetismo e similares. Como nova religião, foi sincrético, derivando-se de diferentes heranças religiosas. Mas sua unidade foi mantida por uma postura muito definida, e é nela que a unidade na diversidade deve ser buscada,

Simão o Mago foi da Samária e Fenícia a Roma; Basilides, sírio, foi para Alexandria, onde morreu em 135; Marcião, seu contemporâneo,cristão cismático nascido em Pontos, porto do Mar Negro, procurou fundar seu culto em Roma; Valentino, nascido em Alexandria, instalou-se em Roma em 140; Mani foi da Babilônia à Pérsia, e de lá chegou até a Índia.200 Seus profetas foram migrando através de territórios físicos, assim como por doutrinas e correntes de pensamento

Trata-se desta vez de pensar o mundo inteiro concebido como uma entidade viva, o vivente perfeito cuja idéia é uma alma, a alma do mundo.

O Timeu explica que este mundo foi criado pelo Demiurgo, uma espécie de artesão supremo que não é forçosamente deus, embora Platão o chame também de theos.

E nós reencontramos o esquema da fabricação artesanal: o demiurgo realiza sua idéia criando o mundo.

Essa referência ao divino é, em última instância, aexplicação da transcendência das ideias. [...] o platonismo já havia traçado como que um esboço do que foram certos temas da teologia gnóstica. Que se abra o Fedro, o Timeu, o Fédon.... : já se lerá como a queda acidental da alma a projetou do mundo supra-terrestre na materialidade dos corpos, e como a alma caída ainda guarda aqui, como um tesouro secreto, lembranças de realidades absolutas que havia contemplado em suas origens.

[...] para Platão, o Demiurgo não é a encarnação do Mal. O Mundo é um “Cosmo”, sendo, portanto, perfeito e harmonioso. Para Plotino, assim como para os estóicos, os astros são deuses cuja contemplação facilita o relacionamento dos seres inteligíveis; cf. Enéades, (II; IV, 8; etc). No que se refere à encarnação da alma, ela é, para Plotino, uma “queda”, já que a alma perde a sua plenitude espiritual e a sua autonomia (IV, 8, 5, 16); mas é ainda uma descida livremente consentida a fim de auxiliar as existências situadas no mundo inferior (IV, 8, 7, )

Assim, gnósticos simultaneamente alteraram o sentido do demiurgo platônico e rebaixaram o Deus do monoteísmo judaico-cristão.

Questionando a Bíblia, ofereceram uma terceira opção: no lugar de Jeová, o severo Deus justiceiro, e do misericordioso Deus cristão, postularam o deus ignorante, por isso responsável pelos males do mundo.

E não se limitaram a reinterpretar o Gênesis. Foram além, e o contestaram. Em “escrituras” gnósticas clássicas, o dilúvio é um flagelo provocado por Ialdabaoth; a serpente é uma fonte efetiva de sabedoria; e Abel e Caim são o fruto de um estupro de Eva por arcontes. Chegaram a afirmar, em O Livro Santo do Grande Espírito Invisível, que os habitantes de Sodoma e Gomorra foram uma semeadura de Set, o arquétipo e pai dos eleitos.

É o que resume Puech: A própria vinda do Cristo nada tem a ver com as profecias inspiradas pelo Demiurgo.

Os profetas, além disso, como todos ou quase todos os personagens da história antiga de Israel, foram servidores dos Arcontes e do falso Deus de Justiça, e algumas seitas acabam mesmo por exaltar a suas custas todos osmalditos do Antigo Testamento, todos aqueles que se revoltaram contra o
Criador e sua Lei: a Serpente, Caim, Koré, Dathan, Abiram, Esaú, os Sodomitas.

Em outros termos, o passado é condenado e rejeitado; o presente é absolutamente dessolidarizado dele, assim como o Novo Testamento o é do Velho, que ele contradiz e abole.

Gnosticismos valentinianos, mais que cristãos, parecem ser platonizantes.

Correspondem a uma restauração do logos, pois mitos voltam a ser interpretados, em lugar de serem tomados ao pé da letra. Mas o significado da vinda e do martírio de Jesus Cristo é modificado nessa vertente.

Se Cristo foi vítima, e não filho do demiurgo, e um avatar da luz superior ou Princípio Primeiro, não poderia ter ressuscitado em carne e osso, já que, para o dualismo, este e o outro mundo são incompatíveis.

A ressurreição foi um acontecimento visionário, presenciado em primeira mão por Maria Madalena,detentora da primazia entre os discípulos.

Na Pistis Sophia há uma queda, seguida de arrependimento, metanoia, e da salvação.

Mas a queda e arrependimento não são de Adão e Eva, ou da humanidade, mas de Sophia ou Achamoth: novamente, o erro e a queda são cósmicos e transcendentes, e não humanos e imanentes.

E o maniqueísmo recolheu do mazdeísmo, zoroastrismo e hinduísmo a expectativa de um fim dos tempos, um confronto final entre luz e trevas, com a vitória da luz Asclépio, um dos livros do Corpus Hermeticus: Deus é uma esfera inteligível, cujo centro está em toda parte e a circunferência em nenhuma.

Para exibir mais da complexidade das relações entre monismos e dualismos,observa-se em “escrituras” gnósticas como que um deslizamento de uma mitologia parauma crítica epistemológica, toda vez que o mundo é associado à ignorância, ao
desconhecimento, ao que é falso.

Ialdabaoth seria, então, o criador de uma miragem, uma realidade ilusória.

Deixa de prevalecer o baixo materialismo detectado por Bataille, pois a matéria não é mais uma entidade autônoma, porém um equívoco, um erro da percepção (mas Bataille argumentava que esse deslizamento era, não um refinamentofilosófico, mas uma emasculação, uma transigência ou adaptação às conveniências)

A cosmovisão do gnosticismo, nessas versões, se torna mais próxima daquela do bramanismo, no qual o mundo é o ilusório véu de Maya, e de modalidades do budismo.

E, evidentemente, de todas as variedades de crítica filosófica nas quais categorias etermos para descrever o real seriam nossos, da ordem do sujeito, e não algo objetivamente existente.

É o que Pagels observa na gnose de Valentino: Embora Irineu e outros acusem os cristãos valentinianos de serem dualistas, o Evangelho de Filipe sugere o oposto.

Abandona até mesmo o dualismo modificado que caracterizava a grande maioria dos ensinamentos cristãos,baseados, conforme vimos, na convicção de que o espírito de Deus viveria em constante luta com Satanás. Em vez de conceber a potência do mal como umaforça estranha que ameaçava invadir, e invadia, seres humanos a partir de fora, o autor de Filipe exorta cada um a reconhecer o mal dentro de si e, comconsciência, erradicá-lo.

Conforme a argumentação de Pagels em As Origens de Satanás, o destaque a esse demônio seria eminentemente cristão.

Sua origem é assírio-caldaica, diz ahistoriadora; torna-se judaico e bíblico como anjo rebelde em Gênesis,desempenhando múltiplos papéis: o de mensageiro do Senhor em episódios como o de Balaão, o de atormentador de Jô, e o de um cismático líder ou inspirador de rebeliões. Reaparece nos evangelhos como o tentador de Jesus. A partir daí, passa a ser mencionado como anátema contra os inimigos: sucessivamente judeus, romanos, e em seguida os hereges.

Cabem adendos à análise de Pagels. Para Eliade, a presença de Satanás,provavelmente sob a influência do dualismo iraniano, já era forte na escatologia judaica do século 1º a.C. E Paulo o designou como deus deste mundo em II Coríntios 4:4.

Ora, no gnosticismo clássico Deus-Jeová já é Saclas, o Satã. Contrapor-lhe Lúcifer seria o mesmo que contrapô-lo a si mesmo: não faria sentido. Menos ainda,valorizar nele a rebelião e vê-lo como fonte de conhecimento: o demiurgo é uma divindade conservadora, o regente do status quo, e não da sua transformação. No gnosticismo, a entidade luminosa, detentora e transmissora do conhecimento, antagônica com relação ao demiurgo, não é Satã, porém o Ungido, Set, Cristo ou Hermes-Toth.

Assim, enquanto no gnosticismo há cisão entre dois personagens, um deles o demiurgo, Ialdabaoth, e outro um avatar da divindade superior, o Grande Set ou Ungido, que nas gnoses afins ao cristianismo é Jesus Cristo, no hermetismo ambos se fundem: Hermes-Toth é o bom demiurgo e o avatar.

Tanto é que o Poimandres, primeiro dos tratados herméticos, incluído por Layton em As Escrituras Gnósticas, mas catalogado em Outras correntes antigas, trata de um bom artífice, sincronizado com Deus, criador de um mundo que é belo. Um demiurgo platônico, e não gnóstico; um criador assemelhado ao Grande Arquiteto da maçonaria.

Além disso, o propósito do Poimandres é o mesmo de escritos gnósticos: orientar o adepto para a viagem ascendente, saindo deste mundo. É preciso que ultrapasse sete esferas: as agências do crescimento e do declínio, os meios da ação má,
a ilusão do desejo, a eminência associada com dominação, a arrogância ímpia e a temeridade da imprudência, os maus pretextos para a riqueza, a conspiração da falsidade.

Tais esferas poderiam fazer parte de uma orientação budista; se nomeassem arcontes ou guardiões de cada esfera, seriam gnósticas.

Os resumos e comentários dos livros da Hermética ou Corpus Hermeticus por Yates permitem ver como as duas gnoses, a otimista, do hermetismo, e a pessimista, do gnosticismo, sendo antagônicas, ao mesmo tempo se confundiam ou interpenetravam.

[...] no maniqueísmo, reconhecer-se e reencontrar-se na própria autenticidade ontológica equivale a considerar-se como uma partícula da luz originária, do mundo transcendente, que, apesar de seu estado de abjeção atual não deixa de estar unida ao mundo superior por um laço eterno e imanente. Este é um ponto
capital da doutrina, já que supõe o reconhecimento de uma consubstancialidade
entre Deus e as almas: estas não são senão fragmentos da substância divina, ou, o que vem a ser o mesmo, partículas de Deus caídas aqui embaixo, unidas ao corpo e à matéria e mescladas ao Mal.

Para o gnóstico, os dois mundos, este, temporal e material, e aquele outro, eterno, não têm conexão.

Ao contrário dos simétricos edifícios filosóficos da culturahelênica, o plano inferior não é sincrônico com relação ao macrocosmo; não o reflete. E, ao contrário da doutrina cristã, um não se projeta nem se resolve no outro: a finitude nãoé trânsito para o infinito.

A cisão entre pleroma e kenoma é definitiva. O tempo também é sujeira: nós estamos mergulhados nela e participamos dela pelo corpo, que, como toda coisa material, é obra abjeta do Demiurgo inferior ou do príncipe do mal; no tempo e pelo tempo, nosso verdadeiro “eu”, espiritual ou luminoso por essência, é encadeado a uma substância estrangeira, à carne e a suas paixões, ou às trevas da Matéria. [...]

Esse cativeiro aviltante no corpo e no tempo, o nascimento nos introduz nele, e nossa existência terrestre nos mantém aí.