quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Caminho

Os sutras (textos sagrados do budismo) sempre começam com Ananda (discípulo e primo de Buda) dizendo, “Assim eu ouvi…”
Isto é muito significativo, nos diz muito. Ananda, que se lembrava de todas as palavras do Buda, não clamou que os ensinamentos viessem dele próprio.
Ele disse claramente que está simplesmente repetindo as palavras que ouviu do Buda Shakyamuni.
Hoje em dia, todos querem ser originais, especialmente os gurus. Li livros de gurus modernos que afirmam que seus ensinamentos são a sua própria descoberta. De alguma forma, as pessoas nesta sociedade moderna parecem ser atraídas para coisas novas e originais.
Mas aqui, não estamos procurando as invenções de alguém, estamos olhando para o Dharma puro e autêntico, as palavras do Buda.
Vivemos em um mundo onde somos atormentados pela constante insegurança. A espiritualidade tornou-se um negócio, então os professores espirituais como eu sempre sentem a necessidade de gerar mais negócios.
Dada esta insegurança, sabendo do ponto fraco das pessoas, é bem fácil vender espiritualidade. Primeiro, você diz às pessoas que há algo que elas devem ter, algo que elas não têm. Então, você lhes diz que o lugar para comprar é aqui, de mim. Eu tenho o que você precisa.
O Buda disse:
Não confie na pessoa, mas confie nos ensinamentos.
Não confie nas palavras, mas confie no significado.
Este é um grande conselho. Quando entramos no caminho espiritual, é importante sermos muito cuidadosos.
Há duas abordagens básicas para o caminho espiritual. Idealmente, nossa intenção de praticar o caminho espiritual deve ser o atingimento da iluminação.
É isso. Parada completa. Mas, por causa de nossos padrões habituais, há uma abordagem diferente, tanto no Oriente quanto no Ocidente.
No Oriente, o budismo tornou-se algo como uma religião.
As pessoas praticam o budismo para obter vida longa, prosperidade, para melhorar seus negócios, por ganho pessoal, para dissipar certos espíritos e assim por diante.
Então, as pessoas não têm a meta da iluminação. Eles têm a meta de decorar esta vida.
Não é melhor no Ocidente. No Ocidente, o Dharma também não é realmente dedicado à iluminação.
Aqui, as pessoas praticam o Buddhadharma principalmente para se acalmarem, para se curarem, para relaxarem… para a assim chamada “automelhoria”.
O Buda não ensinou o Dharma para estes tipos de ganhos mundanos.
Talvez pensemos, já que somos pessoas espirituais, não estamos procurando por ganhos materiais. Mas ainda estamos procurando por algum tipo de ganho mental. Queremos ter uma vida feliz. Ambos são considerados ganhos mundanos.
Se tivermos esse tipo de motivação, o buddhismo é um caminho que devemos evitar.
O caminho budista é basicamente uma má notícia do ponto de vista do ego.
Quanto mais praticamos e estudamos o budismo, mais chocante ele se torna para o nosso ego, mais ele irá contra o nosso egoísmo.
Então, devemos pensar muito cuidadosamente sobre o que é que nós queremos. Não é muito tarde, ainda podemos sair dele.
Vamos falar sobre estes ganhos mundanos, pessoalmente, tenho muito deste problema. 
Atisha Dipankara, um dos maiores eruditos budistas da Índia, tinha um modo maravilhoso de colocar isto.
Ele disse: “Oito coisas fazem uma pessoa ficar fraca”. Ele estava se referindo aos oito dharmas mundanos, ou oito armadilhas nas quais caímos:
1 Querer ser elogiado;
2 Não querer ser criticado;
3 Querer ganhar;
4 Não querer perder;
5 Querer prazer;
6 Não querer dor;
7 Querer ser reconhecido;
8 Não querer ser ignorado.
Estes são muito importantes. Devemos memorizá-los, de modo que de tempos em tempos podemos verificar se estamos caindo em uma destas armadilhas, ou até mesmo em todas elas. Eu faço isso. Isso é o núcleo básico da minha prática, verificar se estou caindo em qualquer uma destas armadilhas. São fáceis de lembrar: elogio e crítica; ganho e perda; prazer e dor; reconhecimento e ser ignorado.
Então, devemos verificar se caímos em qualquer uma destas armadilhas.
Eu caio em todas elas, especialmente na primeira, querer ser elogiado. Sempre gosto de ser elogiado, essa é a minha maior fraqueza.
Estou certo de que isto acontece com muitos de nós; palavras pequenas, superficiais, inúteis e ridículas de louvor podem nos fazer realmente, realmente fracos.
O mesmo acontece com a crítica; algumas palavras ridículas e insignificantes de crítica podem nos ferir para sempre.
Penso que todos vocês sabem do que estou falando: como gostamos de ganhar, como não gostamos de perder; o quanto amamos a atenção; o quanto não gostamos de ser ignorados…
Todas estas são armadilhas. Se cairmos em uma destas armadilhas, nos tornaremos fracos.
Eu caio nestas oito armadilhas todo o tempo. Não quero perder amigos, quero ser louvado, não quero ser criticado, quero ganhar discípulos, quero ter atenção, não quero ser ignorado. Então, o que faço? A fim de obter o que quero e de evitar o que não quero, eu termino massageando o ego de outras pessoas.
Idealmente, se eu fosse um professor de verdade, eu deveria estar lhes dizendo o que vocês precisam ouvir, o que pode ser bem doloroso.
Se eu realmente assumir seriamente o meu papel de amigo espiritual, isto irá ferir o seu ego. A linha de fundo é que o caminho espiritual é ir além do desejo do ego. Peço desculpas por dizer isto, mas este é o único caminho.
Então, se quisermos ser praticantes espirituais, se quisermos ser fortes, precisamos nos exercitar, por assim dizer. Atisha Dipankara nos dá um modo maravilhoso de treinar, chamado lojong.
Lojong é uma palavra tibetana que significa “treinamento da mente”. O treinamento é basicamente lembrar de nos perguntarmos em qual destas armadilhas estamos caindo.
Vamos retornar à questão anterior, de que tipo de motivação temos.
Essa é a linha de fundo de tudo. Estamos sérios quanto a atingir a iluminação? Ou estamos fazendo tudo isto apenas por relaxamento ou cura?
Ou talvez porque estamos tendo muitos problemas e obstáculos em nossa vida, e queremos apenas nos recuperar disso?
Lembrem-se que isto pode realmente funcionar em certa medida.
Se praticarmos o Dharma com este tipo de motivação, podemos realmente obter alguns benefícios mundanos, mas não estaríamos usando o potencial completo do Dharma.
Por isso, não estaríamos praticando nem mesmo o Dharma real, mas sim algum Dharma de mentira, falsificado.

Dzongsar Khyentse Rinpoche, 
nasceu em 1961 no Butão, sendo reconhecido como a emanação da mente de um dos maiores mestres Dzogchen, Jamyang Khyentse Chökyi Lodro (1893-1959). Recebeu iniciações e ensinamentos de muitos dos maiores mestres contemporâneos, incluindo S.S. Dalai Lama, S.S. o 16º Karmapa, S.S. Sakya Trizin. Seu mestre principal foi Dilgo Khyentse Rinpoche; Ainda estudou com mais de 25 grandes lamas de todas as quatro escolas do budismo tibetano. Também é cineasta; seus dois filmes principais são “A Copa” (1999) e “Traveller e Magicians” (2003). Ele estudou com o cineasta italiano Bernardo Bertolucci, após atuar como consultor (e breve coadjuvante) de seu filme “Pequeno Buda” (1993).

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