Mistérios do Cristianismo
Tendo visto que as religiões do passado reivindicaram uníssonas ter um lado
oculto, ser custódias de "Mistérios", e que esta reivindicação foi endossada
pela busca de Iniciação pelos homens mais eminentes, devemos agora averiguar se
o Cristianismo fica fora deste círculo de religiões, sozinho sem uma Gnose,
oferecendo ao mundo uma fé simples e não um conhecimento profundo.
Se for assim,
seria em verdade um fato triste e lamentável, provando ser o Cristianismo apenas
destinado a uma só classe, e não a todos os tipos de seres humanos.
Mas que isto
não é assim, seremos capazes de provar além da possibilidade de dúvida racional.
E esta prova é a coisa que a Cristandade mais urgentemente necessita nestes
tempos, pois até a própria flor da Cristandade está perecendo por falta de
conhecimento.
Se o ensino puder ser restabelecido e angariar
estudantes pacientes e dedicados, não demorará muito para que o lado oculto
também seja restaurado.
Discípulos dos Mistérios Menores se tornarão candidatos
aos Maiores, e com a obtenção do conhecimento voltará também a autoridade do
ensinamento.
E de fato a necessidade é grande. Pois, olhando para o mundo em
volta de nós, descobrimos que a religião no Ocidente está sofrendo da mesma
dificuldade que teoricamente nós deveríamos esperar encontrar.
O Cristianismo,
tendo perdido seu ensino místico e esotérico, está perdendo terreno entre grande
número das pessoas mais altamente educadas, e a revivescência parcial durante os
últimos anos é coincidente com a reintrodução de alguns ensinamentos místicos.
É
patente para todo estudante nos últimos 40 anos do século passado (o século
XIX), que multidões de pessoas inteligentes e de alta moralidade tenham se
desviado para fora das igrejas, porque os ensinamentos que recebiam lá
ultrajavam sua inteligência e chocavam seu senso moral.
É inútil pretender que o
agnosticismo disseminado deste período tenha suas raízes seja na falta de
moralidade ou na deliberada perversidade de mente.
Qualquer um que estudar com
cuidado o fenômeno logo admitirá que homens de poderoso intelecto foram levados
para fora do Cristianismo pela crueza das idéias religiosas apresentadas, as
contradições nos ensinamentos das autoridades, nas concepções sobre Deus, o
homem e o universo, que nenhuma inteligência treinada poderia chegar a admitir.
Nem pode ser dito que qualquer tipo de degradação moral esteja na raiz da
revolta contra os dogmas da Igreja.
Os rebeldes não eram ruins demais para a sua
religião.
Ao contrário, foi a religião que ficou ruim demais para eles.
A
rebelião contra o Cristianismo popular foi devida ao despertar e crescimento da
consciência; foi a consciência que se revoltou, assim como a inteligência,
contra ensinamentos desonrosos tanto para Deus quanto para o homem.
A razão para
esta revolta jaz no gradual rebaixamento do ensinamento Cristão para uma alegada
simplicidade, para que o mais ignorante pudesse ser capaz de compreendê-lo.
Os
religiosos Protestantes assertaram sonoramente que nada deveria ser pregado
exceto aquilo que pudesse ser compreendido, que a glória do Evangelho está em
sua simplicidade, e que a criança e o inculto deveriam ser capazes de entendê-lo
e aplicá-lo à vida.
Bastante verdadeiro, se com isto se quisesse dizer que
existem algumas verdades religiosas que todos podem entender, e que a religião
falha se deixa o mais inferior, o mais ignorante, o mais estúpido, de fora de
sua influência elevadora.
Mas falso, completamente falso, se com isso se quiser
dizer que a religião não tem verdades que o ignorante não possa compreender, que
é uma coisa tão pobre e limitada a ponto de não ter nada para ensinar que esteja
acima do pensamento do não inteligente ou acima do nível moral do degradado.
Falso, fatalmente falso, se este for seu sentido; pois à medida que esta visão
se espalha, ocupando os púlpitos e sendo proclamada nas igrejas, muitos homens e
mulheres nobres, cujos corações quase se partem quando rompem sua ligação que os
une à sua antiga fé, saem das igrejas, e deixam seus lugares ser preenchidos
pelos hipócrita e pelo ignorante.
Eles ou passam para um estado de agnosticismo
passivo, ou se são jovens e entusiastas para uma condição de agressão ativa, não
acreditando que aquilo que poderia ser a coisa mais elevada ultraje tanto o
intelecto como a consciência, e preferem a honestidade de uma descrença aberta
ao embotamento do intelecto e da consciência sob imposição de uma autoridade em
quem não reconhecem nada que seja divino.
Neste estudo do pensamento de nosso
tempo vemos que a questão de um ensinamento oculto em conexão com o Cristianismo
se torna de importância vital.
O Cristianismo há de sobreviver como a religião
do Ocidente? Viverá através dos séculos futuros, e continuará a ter uma parte na
formação do pensamento das raças ocidentais em evolução?
Se há de viver, deve
recuperar o conhecimento que perdeu, e ter de novo seus místicos e seus
ensinamentos ocultos; deve mais uma vez colocar-se como uma autoridade ensinando
as verdades espirituais, revestido da única autoridade que vale alguma coisa, a
autoridade do conhecimento.
Se estes ensinamentos forem recuperados, sua
influência logo será vista nas novas e mais amplas concepções da verdade.
Em
primeiro lugar, o Cristianismo reaparecerá no "Lugar Santo", no Templo, de modo
que todos que sejam capazes de receber suas linhas de pensamento divulgado em
público; e em segundo lugar, o Cristianismo Oculto descerá outra vez ao Ádito,
residindo detrás do véu que guarda o "Santo dos Santos", para dentro do qual só
os Iniciados podem passar. Então novamente o ensinamento oculto estará ao
alcance daqueles que se qualificarem para recebê-lo, de acordo com as antigas
regras, aqueles que desejam nos dias de hoje enfrentar as antigas exigências,
feitas a todos os que hão de alegrar-se em conhecer a realidade e a verdade das
coisas espirituais.
Mais uma vez voltemos nossos olhos para a história, para
vermos se o Cristianismo foi único entre as religiões em não possuir nenhum
conhecimento interno? Ou se assemelhou-se a todas as outras possuindo este
tesouro oculto.
Este problema é uma questão de evidência, não de teoria, e deve
ser decidido pela autoridade dos documentos existentes e não pelo mero "assim se
diz" dos Cristãos modernos.
É fato que tanto o Novo Testamento e os escritos da
Igreja Primitiva fazem as mesmas declarações sobre a posse de tais ensinamentos
pela Igreja, e sabemos a partir deles do fato da existência dos Mistérios
chamados Mistérios de Jesus, ou Mistério do Reino, das condições impostas aos
candidatos, algo da natureza geral dos ensinamentos dados, e outros detalhes.
Teria na verdade sido estranho se fosse diferente, quando consideramos as linhas
do pensamento religioso que influenciaram o Cristianismo primitivo.
Aliado aos
hebreus, os persas, os gregos, tinto pelos antigos credos da Índia,
profundamente colorido pelo pensamento sírio e egípcio, este último ramo do
grande tronco religioso não poderia fazer outra coisa senão reafirmar as antigas
tradições, colocando ao alcance das raças ocidentais todo o tesouro das
tradições antigas.
"A fé antigamente confiada aos Santos" teria na verdade sido
esvaziada deste valor principal se, quando transmitida para o Ocidente, a pérola
do ensinamento esotérico tivesse sido escamoteada.
A primeira evidência a ser
examinada é a do Novo Testamento.
Para nossos propósitos podemos colocar de lado
todas as enfadonhas questões das diferentes redações e dos diferentes autores,
que só podem ser julgadas por eruditos.
A erudição crítica tem muito a dizer
sobre a idade dos manuscritos, sobre a autenticidade dos documentos, e assim por
diante.
Podemos aceitar as Escrituras canônicas como demonstração do que era
acreditado na Igreja romana a respeito do ensino de Cristo e de Seus seguidores
imediatos, e ver o que elas dizem sobre a existência de um ensinamento secreto
transmitido somente a uns poucos.
Tendo visto as palavras postas na boca do
próprio Jesus, e consideradas pela Igreja como de suprema autoridade, olharemos
para os escritos do grande apóstolo Paulo; então consideraremos as declarações
feitas por aqueles que herdaram a tradição apostólica e guiaram a Igreja durante
os primeiros séculos.
Ao longo desta ininterrupta linha de tradição e testemunho
escrito pode ser estabelecida a proposição de que o Cristianismo tinha um lado
oculto.
Veremos ainda que os Mistérios Menores de interpretação mística podem
ser acompanhados através dos séculos até o início do século XIX, e que embora já
não houvesse Escolas de Misticismo reconhecidas como preparatórias para a
iniciação depois do desaparecimento dos Mistérios, ainda assim grandes Místicos,
de tempos em tempos, alcançaram os degraus inferiores do êxtase por seus
próprios esforços contínuos.
As palavras do próprio Mestre são claras e
definidas, e foram, como veremos, citadas por Orígenes como referentes ao
ensinamento secreto preservado na Igreja. "E quando estava sozinho, aqueles que
estavam com Ele, os doze, faziam-Lhe perguntas sobre as parábolas.
E Ele lhes
disse: 'A vós é dado conhecer o mistério do Reino de Deus, mas a eles que estão
de fora, todas estas coisas são dadas em parábolas' ". E mais adiante: "Com
muitas parábolas semelhantes Ele pregava a palavra à multidão, pois só assim
podiam ouvir. Mas sem parábolas Ele não lhes falava; e quando eles estavam
sozinhos Ele explicava todas as coisas aos Seus discípulos" (Marcos, IV, 10, 11,
33, 34. Vide também Mateus, XIII, 11, 34, 36, e Lucas, VIII, 10).
Percebam as
significativas palavras "quando estavam sozinhos", e a frase "aqueles que estão
de fora". Também na versão de Mateus: "Jesus despediu a multidão, e entrou na
casa; e Seus discípulos foram com Ele".
Estes ensinamentos dados "na casa", os
significados mais recônditos de suas instruções, considera-se que eram
transmitidos de instrutor a instrutor.
O Evangelho dá, note-se, as explicações
místicas alegóricas, aquilo que chamamos Os Mistérios Menores, mas o significado
mais profundo diz-se ter sido dado somente aos iniciados. Novamente, Jesus diz
até mesmo aos Seus apóstolos: "Eu ainda tenho muitas coisas para vos dizer, mas
ainda não sois capazes de as receber" (João, XVI, 12).
Algumas delas
provavelmente foram ditas depois de Sua morte, quando Ele foi visto pelos
discípulos "falando das coisas pertencentes ao Reino de Deus" (Atos, 1, 3).
Nenhuma delas foi registrada publicamente, mas quem pode acreditar que foram
deixadas de lado ou esquecidas, e não preservadas como algo inestimável? Havia
uma tradição na igreja que Ele visitou Seus apóstolos durante um considerável
período após sua morte, para dar-lhes instrução um fato a que faremos menção
mais tarde e no famoso tratado Gnóstico Pistis Sophia, lemos: "chegou-se a dizer
que, depois de ressuscitar dos mortos, Jesus passou onze anos falando com Seus
discípulos e instruindo-os" (loc. cit., trad. G.R.S. Mead, I, I, 1).
Então vem a
frase, que muitos gostam de amenizar e explicar evasivamente: "Não deis o que é
santo aos cães, nem lanceis vossas pérolas ao porcos" (Mateus, VII, 6) Um
preceito que é de aplicação geral, na verdade, mas foi considerado pela Igreja
Primitiva referir-se aos ensinamentos secretos. Deveria ser lembrado que as
palavras não tinham a mesma dureza naqueles dias como têm agora, pois a palavra
"cães" significando o vulgo, o profano era aplicada por aqueles de um
determinado círculo a todos os que eram de fora de seu grupo, seja por uma
sociedade ou associação, ou por uma nação como pelos Judeus a respeito dos
Gentios . "Não é lícito tirar o pão das crianças e jogá-lo para os cães" -
Marcos, VII, 27). Algumas vezes era usada para designar aqueles que estavam fora
do círculo dos Iniciados, e a encontramos aplicada neste sentido na Igreja;
aqueles que, não tendo sido iniciados nos Mistérios, eram considerados como fora
do "Reino de Deus", ou da "Israel espiritual", e tinham este nome aplicado a
eles.
Havia diversos nomes, além do termo "O Mistério", ou "Os Mistérios",
usados para designar o círculo sagrado de Iniciados ou ligados à Iniciação: "O
Reino". "O Reino de Deus", O Reino dos Céus", A Vereda Estreita", "A Porta
Estreita", "O Perfeito", "O Salvo", "Vida Eterna", "Vida", "O Segundo
Nascimento", "O Pequenino", "A Criancinha".
O significado é tornado claro pelo
uso destas palavras nos primeiros escritos Cristãos, e em alguns casos fora do
círculo Cristão.
Assim, o termo "O Perfeito" era usado pelos Essênios, que
tinham três graus em suas comunidades: os Neófitos, os Irmãos, e os Perfeitos,
sendo estes os Iniciados; e é empregado geralmente neste sentido nos antigos
escritos. "A Criancinha" era o nome comum para um candidato recém iniciado, isto
é, aquele que recém teve seu "segundo nascimento". Quando passamos a conhecer
este uso, muitas passagens de outro modo obscuras e rudes se tornam
inteligíveis.
"Então um disse-lhe: Senhor, serão poucos os salvos? E Ele
respondeu-lhes: Esforçai-vos para entrar pela porta estreita; pois digo-vos,
muitos procurarão entrar e não serão capazes" (Lucas, XIII, 23, 24).
Se isto for
aplicado, do modo Protestante usual, à salvação do fogo eterno do inferno, a
afirmação se torna incrível, chocante. Não se pode supor que nenhum Salvador do
mundo possa afirmar que muitos procurarão evitar o inferno e entrar no céu, mas
não serão capazes de fazê-lo.
Mas se aplicado à estreita porta de entrada na
Iniciação e sua conseqüente salvação do renascimento, é perfeitamente verdadeiro
e natural. E novamente:
"Entrai pela porta estreita; pois larga é a porta e
amplo é o caminho que conduz à destruição, e muitos serão os que andarão neles;
porque estreita é a porta e apertado é o caminho que conduz à vida; e poucos o
encontrarão" (Mateus, VII, 13, 14).
A advertência que se segue imediatamente
contra os falsos profetas, os mestres dos Mistérios tenebrosos, é muito própria
em relação a aquilo. Nenhum estudante pode esquecer o som familiar destas
palavras usadas no mesmo sentido em outras passagens.
A "antiga vereda estreita"
é familiar a todos; a senda "tão difícil de trilhar como se fosse o fio de uma
navalha" (Kathopanishad, II, IV, 10, 11) já mencionado; a perambulação "de morte
em morte" daqueles que seguem o florido caminho dos desejos, daqueles que não
conhecem Deus; pois só se tornam imortais e escapam da bocarra da morte, da
repetida destruição, aqueles homens que eliminaram todos os desejos
(Brhadâranyakopanishad, IV, IV, 7).
A alusão á morte, é claro, é feita aos
repetidos nascimentos da alma na existência material grosseira, considerada
sempre como "morte" quando comparada à "vida" dos mundos mais elevados e sutis.
Esta "Porta Estreita" era o portal da Iniciação, através dele o candidato
entrava no "Reino".
E sempre foi e deve ser verdadeiro que somente uns poucos
podem passar por aquele portal, embora miríades uma excepcionalmente "grande
multidão, que ninguém poderia contar" (Apocalipse, VII, 9), e não uns poucos
adentrem a felicidade do mundo celeste. Assim também falou um outro grande
Instrutor, há quase três mil anos atrás: "Dentre milhares de homens talvez só um
se esforce pela perfeição; dentre os milhares que a obtém talvez só um Me
conheça em essência" (Bhagavad Gita, VII, 3).
Pois são poucos os Iniciados em
cada geração, são a flor da humanidade; mas nenhuma frase terrível de condenação
eterna é pronunciada nesta declaração sobre a vasta maioria da raça humana.
Como
Proclo ensinou (vide ante, p. 23), os salvos são os que escapam do ciclo da
geração, ao qual está atada a humanidade.
Em conexão a isto podemos lembrar da
história do jovem que veio a Jesus, e chamando-lhe de "Bom Mestre", perguntou
como ele poderia obter a vida eterna a bem reconhecida liberação dos
renascimentos através do conhecimento de Deus (deve ser lembrado que os Judeus
acreditavam que todas as almas imperfeitas voltavam para viver novamente na
Terra). Sua primeira resposta foi o preceito exotérico usual: "Observa os
mandamentos". Mas quando o jovem respondeu: "Todas estas coisas eu tenho
observado desde minha juventude", então, para aquela consciência livre de toda a
transgressão, veio a resposta do verdadeiro Mestre: "Se queres ser perfeito, vai
e vende tudo o que tens, e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus, depois
vem e segue-me". "Se queres ser perfeito", ser um membro do reino, devem ser
abraçadas a pobreza e a obediência. E então para os seus próprios discípulos
Jesus explica que dificilmente um homem rico pode entrar no Reino dos Céus,
sendo tal entrada mais difícil que um camelo passar pelo buraco de uma agulha;
pelos homens esta entrada não poderia ocorrer, por Deus todas as coisas são
possíveis (Mateus, XIX, 16-26).
Somente Deus no homem pode ultrapassar aquela
barreira.
Este texto tem sido explicado de várias maneiras, sendo obviamente
impossível conseguí-lo tomando seu significado superficial, que um homem rico
não pode entrar em um estado de felicidade pós-morte. Neste estado entram tanto
o rico como o pobre, e as práticas universais dos Cristãos mostram que eles nem
por um momento acreditam que a riqueza impeça sua felicidade após a morte.
Mas
se o significado real de "Reino dos Céus" for aplicado, temos a expressão de um
fato simples e direto. Pois aquele conhecimento de Deus que é Vida Eterna (João,
XVII, 3) não pode ser obtido até que tudo o que for terreno seja abandonado, não
pode ser aprendido até que tudo tenha sido sacrificado.
O homem deve desistir
não só da riqueza terrena, que daí em diante pode passa por suas mãos só para
administrá-la, mas ele deve desistir também de sua riqueza interna, até onde ele
a guardar como sua contra o mundo; antes que ele seja desnudado não poderá
passar pela porta estreita. Este tem sido sempre um requisito para a Iniciação,
e o voto do candidato tem sido sempre "pobreza, obediência, castidade".
O
"segundo nascimento" é um outro termo bem conhecido para Iniciação; mesmo hoje
na Índia as castas mais elevadas são chamadas "duas vezes nascidas", e a
cerimônia que os torna duas vezes nascidos é uma cerimônia de Iniciação na
verdade mera simulação, nos dias de hoje, mas segue "o padrão das coisas que
está no céu" (Hebreus, IX, 23).
Quando Jesus está se dirigindo a Nicodemos, Ele
fala que "a não ser que um homem nasça duas vezes, não pode ver o Reino de
Deus", e este nascimento é dito como sendo aquele "da água do Espírito" (João,
III, 3, 5); esta é a primeira Iniciação; uma ulterior é a "do Espirito Santo e
do fogo" (Mateus, III, 11), o batismo do Iniciado em sua maturidade, assim como
a primeira é a do nascimento, que o recebe como "uma Criancinha" que entra no
Reino (ibid., XVIII, 3).
Quão totalmente familiares eram estas imagens entre os
místicos dos Judeus é indicado pela surpresa demonstrada por Jesus quando
Nicodemos se embaraçava com Sua fraseologia mística: "Tu és um mestre de Israel
e não conheces estas coisas?" (João, III, 10).
Um outro preceito de Jesus que
permanece como "um ditado rude" para seus seguidores é: "Sêde perfeitos, assim
como vosso Pai no céu é perfeito" (Mateus, V, 48).
O Cristão comum sabe que
possivelmente não conseguirá obedecer a este mandamento; cheio como está com as
fragilidades e fraquezas humanas, como poderá ser perfeito como Deus é perfeito?
Vendo a impossibilidade da meta posta diante dele, ele discretamente a põe de
lado, e não pensa mais nisso.
Mas vista como o esforço coroador, como o triunfo
do Deus interno sobre a natureza inferior, a meta parece então dentro do
alcance, e lembramos as palavras de Porfírio, sobre como o homem que atinge as
"virtudes paradigmáticas é o Pai dos Deuses" e que nos Mistérios aquelas
virtudes são adquiridas.
Paulo segue nas pegadas de seu Mestre, e fala
exatamente do mesmo sentido, mas com uma explicitude e clareza maiores, como
poderia ser esperado a partir de seu trabalho organizador na Igreja.
O estudante
deveria ler com atenção os capítulos II e III, e o versículo 1 do capítulo V da
Primeira Epístola aos Coríntios, lembrando, à medida que lê, que as palavras são
endereçadas aos membros batizados e comungantes da Igreja, membros plenos no
sentido moderno, embora, descritos como bebês e carnais pelo Apóstolo.
Eles não
eram catecúmenos ou neófitos, mas homens e mulheres que estava em plena posse de
todos os privilégios e responsabilidades como membros da Igreja, reconhecidos
pelo Apóstolo como estando apartados do mundo, e dos quais não esperava que se
portassem como homens do mundo.
Eles estavam, de fato, de posse de tudo o que a
Igreja moderna dá aos seus membros. Resumamos as palavras do Apóstolo: "Eu venho
a vós trazendo o testemunho divino, e não vos enganando com sabedoria humana,
mas venho com o poder do Espírito.
Em verdade 'falamos sabedoria entre os que
são perfeitos, mas não é sabedoria humana'. Falamos da sabedoria de Deus em
mistério, mesmo a sabedoria oculta, que Deus ordenou antes que o mundo
existisse, a qual nem os príncipes deste mundo conhecem.
As coisas daquela
sabedoria estão além do entendimento dos homens, 'mas Deus as revela a eles por
Seu Espírito... as coisas íntimas de Deus', 'ensinadas pelo Espírito Santo'
(Note-se como isto se alinha com a promessa de Jesus em João, XVI, 12-14: "Eu
tenho ainda muitas coisas a vos dizer, mas ainda não as podeis suportar. Porém
quando Ele, o Espírito da Verdade, vier, Ele vos guiará em toda a verdade... Ele
vos mostrará as coisas do porvir... Ele as receberá de mim e as mostrará a vós".
Estas são coisas espirituais, a serem discernidas somente pelos homens
espirituais, em quem está a mente de Cristo. 'E Eu, irmãos, não vos poderia
falar como falo aos espirituais, mas falo como aos carnais até mesmo para os
bebês em Cristo... Eles não eram capazes de o suportar, como vós não o
suportaríeis ainda. Pois sois ainda carnais'. Como um mestre-construtor [um
outro termo técnico nos Mistérios] Eu deixei as fundações' e 'vós sois o Templo
de Deus, e o Espírito de Deus habita em vós'. 'Que um homem nos considere assim,
como ministros de Cristo, e guardiães dos Mistérios de Deus' ".
Alguém pode ler
esta passagem e tudo o que foi dito no resumo é para enfatizar os pontos
importantes sem reconhecer o fato de que o Apóstolo possuía uma sabedoria divina
dada nos Mistérios, que seus seguidores coríntios ainda não eram capazes de
receber? E notem a recorrência de termos técnicos: a "sabedoria", a "sabedoria
de Deus em mistério", a "sabedoria oculta", conhecida somente pelos homens
"espirituais", falada somente entre os "perfeitos", sabedoria da qual eram
excluídos os não-"espirituais", os "bebês em Cristo", e só conhecida dos
"mestres construtores", os "guardiães dos Mistérios de Deus".
Repetidas vezes
ele se refere a estes Mistérios. Escrevendo aos Cristãos de Éfeso ele diz que
"pela revelação", pelo desvelamento, tinha sido feito "sabedor dos Mistérios", e
daí seu "conhecimento dos mistérios de Cristo"; todos podiam saber sobre a
"irmandade dos Mistérios" (Efésios, III, 3, 4, 9).
Sobre este Mistério, ele
repete aos colossenses que foi "feito ministro", "o Mistério que esteve ocultos
das idades e das gerações, mas que agora era tornado manifesto aos Seus santos";
não ao mundo, nem mesmo aos Cristãos, mas somente aos Santos.
Para eles era
revelada "a glória deste Mistério"; e o que era isso? "Cristo em vós" uma frase
significativa, que veremos, logo, pertencer à vida do Iniciado; assim finalmente
todo homem deve aprender a sabedoria, e se tornar "perfeito em Cristo Jesus"
(Colossenses, i, 23, 25-28. Mas Clemente, em seu Stromata, traduz "todo homem"
como "o homem todo".).
A estes Colossenses ele ordena
orar "para que Deus nos abra a porta da profecia, para falar o Mistério de
Cristo" (Colossenses, IV, 3), uma passagem à qual Clemente se refere como sendo
uma em que o Apóstolo "revela claramente que o conhecimento não pertence a
todos" (Clemente de Alexandria, Stromata, Livro V, cap. X; A.-N.C.L.
Alguns
ditos adicionais dos Apóstolos serão encontrados nas citações de Clemente,
mostrando qual significado tinham para as mentes daqueles que sucederam os
Apóstolos, e que viviam na mesma atmosfera de pensamento).
Da mesma forma também
escreve ao seu bem-amado Timóteo, ordenando-lhe selecionar seus diáconos dentre
aqueles que "mantinham o Mistério da fé em uma consciência pura", aquele "grande
Mistério da Piedade", que ele havia aprendido (I Timóteo, III, 9, 16), cujo
conhecimento era necessário para os instrutores da Igreja. Porém Timóteo está em
uma posição importante como representante da geração seguinte de instrutores
Cristãos.
Ele foi discípulo de Paulo, e foi indicado por ele para guiar e
dirigir uma porção da Igreja. Ele havia sido, sabemos, iniciado nos Mistérios
pelo próprio Paulo, e é feita referência a isto, e os termos técnicos mais uma
vez servem como chave. "Esta função te delego, meu filho Timóteo, de acordo com
as profecias que foram feitas sobre ti" (I Timóteo, I, 18), a bênção solene do
Iniciador, que admitia o candidato; mas o Iniciador não estava sozinho:
"Não
descureis o dom que está em vós, o qual vos foi dado pela profecia, abandonando
o Presbitério" (ibid., IV, 14) dos Irmãos Maiores. E ele lhe adverte preservar
aquela "vida eterna, à qual também fostes chamado, e professastes um bom voto
diante de muitas testemunhas" (ibid., VI, 13) o voto do novo Iniciado prestado
na presença dos Irmãos Maiores e da assembléia dos Iniciados.
O conhecimento
dado então era a incumbência sagrada sobre a qual Paulo fazia tanta ênfase: "Oh
Timóteo, preserva aquilo que te foi confiado" e não o conhecimento comumente
possuído pelos Cristãos, a respeito do qual não havia obrigação nenhuma sobre
Timóteo, mas o depósito sagrado confiado a ele como Iniciado, e essencial ao bem
da Igreja. Paulo mais tarde volta a isto, enfatizando a suprema importância do
assunto de um modo que teria sido exagerado se o conhecimento fosse a
propriedade comum dos homens Cristãos: "Guarda bem a forma das sérias palavras
que ouvistes de mim... Aquela boa coisa que te foi confiada, guarda-a pelo
Espírito Santo que reside em nós" (II Timóteo, I, 13,14) uma advertência tão
séria quanto seria possível por lábios humanos. Mais ainda, era seu dever prover
a devida transmissão deste depósito sagrado, para que pudesse transmitido ao
futuro, e a Igreja nunca fosse deixada sem Instrutores: "As coisas que ouvistes
de mim entre muitas testemunhas" os ensinamentos orais sagrados dados na
assembléia dos Iniciados, que testemunhava a precisão da transmissão, "confia o
mesmo a homens dignos, que sejam também capazes de ensinar aos outros" .
O
conhecimento ou, se preferirmos o termo, a suposição de que a Igreja possuía
estes ensinamentos ocultos lança uma torrente de luz sobre estas diversas
passagens de Paulo sobre si mesmo, e quando as reunimos, temos um perfil da
evolução do Iniciado.
Paulo diz que embora ele já estivesse entre os perfeitos,
os Iniciados, pois ele diz: "Que nós, portanto, que somos perfeitos, tenhamos
esta mentalidade" - ele ainda não tinha "atingido", ainda não era em verdade
inteiramente "perfeito", pois ainda não havia recebido Cristo, ele ainda não
havia atingido o "alto chamado de Deus em Cristo", "o poder de sua ressurreição,
e a companhia de seus sofrimentos, sendo tornado conforme à sua morte"; e ele
estava tentando, diz, "se por algum meio puder alcançar a ressurreição dos
mortos" (Filipenses, III, 8, 10-12, 14, 15).
Pois esta era a Iniciação que
libertava, que fazia do Iniciado um Mestre perfeito, o Cristo Ressurrecto,
libertando-o finalmente dos "mortos", da humanidade presa ao ciclo da geração,
dos laços que atavam a alma à matéria grosseira. Novamente aqui temos um número
de termos técnicos, e mesmo o leitor superficial deveria perceber que a
"ressurreição dos mortos" mencionada aqui não poderia ser a ressurreição comum
dos modernos Cristãos, suposta ser inevitável para todos os homens, e portanto
não requerendo obviamente nenhuma luta especial da parte de ninguém para
conseguí-la.
De fato a própria palavra "conseguir" estaria fora de lugar ao
referir-se a uma experiência humana universal e inevitável. Paulo não poderia
evitar esta ressurreição, de acordo com o ponto de vista dos Cristãos modernos.
Qual seria então a ressurreição a ser conseguida para a qual ele estava fazendo
tantos esforços? Uma vez mais a única resposta vem dos Mistérios. Neles o
Iniciado se aproximava da Iniciação que libertava do ciclo do renascimento, o
ciclo da geração, era chamado de "o Cristo sofredor", ele compartilhava dos
sofrimentos do Salvador do mundo, era crucificado misticamente, "tornado
conforme à Sua morte", e então conseguia a ressurreição, a companhia do Cristo
glorificado, e, depois, a morte já não tinha poder sobre ele Apocalipse,
"Eu sou Aquele que vive, esteve morto e ressurgiu, e vive eternamente. Amen").
Este era
o "prêmio" em direção ao qual o Apóstolo estava se esforçando, e ele urge "todos
os que são perfeitos", não o crente comum, para que também se esforcem deste
modo.
Que não se contentem com o que já obtiveram até então, mas que se esforcem
por mais. Esta semelhança com Cristo do Iniciado, de fato, é o próprio trabalho
dos Mistérios Maiores, como veremos em maior detalhe quando estudarmos "O Cristo
Místico".
O Iniciado já não devia ver o Cristo como fora de si mesmo. "Embora
tenhamos conhecido o Cristo na carne, deste modo já não o conhecemos" (II
Coríntios, V, 16).
O crente comum havia sido "revestido de Cristo, assim como
todos de vós que fostes batizados em Cristo se revestiram de Cristo" (Gálatas,
III, 27). Então eles se tornavam os "bebês em Cristo", a quem já se fez
referência, e Cristo era o Salvador de quem eles buscavam ajuda, conhecendo-o
"na carne".
Mas quando eles haviam vencido a natureza inferior e já não eram
"carnais", então eles entrariam em um caminho mais elevado, e se tornariam eles
mesmo Cristo.
Isto que ele mesmo já havia conseguido era o desejo do Apóstolo
para os seus seguidores. "Meus filhos, de quem sofro as dores do parto até que
Cristo seja formado em vós" (Gálatas, IV, 19). Ele já era seu pai espiritual,
"tendo-vos gerado através do evangelho" (I Coríntios, IV, 15).
Mas agora ele era
como aquele que gera "novamente", como se fosse sua mãe para levá-los ao segundo
nascimento. Então o Cristo Infante, a Santa Criança, nascia na alma, "o homem
oculto no coração" (I Pedro, III, 4), e o Iniciado se tornava assim "a
Criancinha"; daí por diante ele devia viver em sua pessoa a vida do Cristo, até
que se tornasse o "homem perfeito", crescendo "até a medida da plena estatura de
Cristo" (Efésios, IV, 13).
Então ele, como Paulo estava fazendo, repetia em sua
própria carne os sofrimentos de Cristo (Colossenses, I, 24) e sempre tinha
"junto a si a morte do Senhor Jesus", para que pudesse dizer com verdade "sou
crucificado com Cristo; não obstante eu vivo; embora não seja eu, mas é Cristo
que vive em mim" (Gálatas, II, 20).
Assim o Apóstolo estava ele mesmo sofrendo;
assim ele descrevia si próprio. E quando a luta termina, quão diferente é o tom
calmo de triunfo sobre árduos esforços dos primeiros anos: "Agora estou pronto
para ser oferecido, e o tempo de minha partida está próximo. Eu lutei a boa
luta, terminei minha carreira, guardei a fé; por isso me espera uma coroa de
justiça" (II Timóteo, IV, 6-8). Esta era a coroa dada " a ele que vencera", de
quem é dito pelo Cristo Ressurrecto: "Eu farei dele um pilar no Templo de meu
Deus; e dali não sairá mais" (Apocalipse, III, 12).
Pois após a "Ressurreição" o
Iniciado se tornava o Homem Perfeito, o Mestre, e já não sai do Templo, mas dali
serve e guia os mundos. Pode ser bom assinalar, que o próprio Paulo sanciona o
uso do ensinamento teórico místico na explicação dos eventos históricos
registrados nas escrituras.
A história escrita ali não é considerada por ele um
mero registro de fatos, que ocorreram no plano físico. Verdadeiro místico, ele
via nos eventos físicos as sombras das verdades universais sempre ocorrendo nos
mundos mais altos e internos, e sabia que os eventos escolhidos para serem
preservados nos escritos ocultos eram aqueles mais típicos, cuja explicação
serviria à instrução humana.
Assim ele toma a história de Abraão, Sarai, Hagar,
Ismael e Isaac, e dizendo que "aquelas coisas são alegorias", ele passa a dar a
interpretação mística (Gálatas, IV, 22-31).
Referindo-se à fuga dos israelitas
do Egito, ele fala do Mar Vermelho como um batismo, do maná e da água como
comida e bebida espirituais, da rocha de onde a água fluiu como sendo o Cristo
(I Coríntios, X, 1-4). Nesta visão dos escritos sagrados não é alegado que os
eventos registrados não tenham tido lugar, mas apenas que sua ocorrência física
era coisa de menor importância. Uma explicação como esta é o desvelar dos
Mistérios Menores, o ensinamento místico que é permitido dar ao mundo. Não é,
como muitos imaginam, um mero jogo de imaginação, mas é a atividade de uma
verdadeira intuição, vendo os protótipos nos céus, e não somente as sombras
lançadas por eles na tela do tempo terreno. Raul Branco
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial