A MENSAGEM DO NATAL, por Raul Branco
O Natal é uma das comemorações mais populares da cultura ocidental. Dependendo
do nível em que essa comemoração é feita a mensagem do Natal assume diferentes
matizes. Em sua origem ela era eminentemente religiosa. Com o tempo, especialmente
no último século, aspectos comerciais passaram a ter uma crescente primazia
sobre a fundamentação histórico/religiosa da comemoração do nascimento do
Cristo.
Mesmo quando as comemorações natalinas assumem o caráter de uma mera
festa de ‘aniversário’, com ênfase nos aspectos comerciais e sociais, a
mensagem do Natal apresenta um sentido mais profundo. A natureza divina,
escondida no âmago de todos os seres e de todas as coisas, aproveita todas as
ocasiões para se manifestar, ainda que timidamente, como ocorre nas
festividades natalinas tradicionais. Em meio a todas as festas e comilanças
costumeiras da ‘ceia de Natal’, algumas qualidades divinas se fazem sentir: (1)
a generosidade na troca de presentes; (2) o acolhimento de parentes e amigos, mesmo
aqueles um tanto distanciados; e (3) a alegria generalizada dos participantes.
Assim, para a grande maioria da
população, a mensagem do Natal é de que a comemoração do nascimento do Filho de
Deus é motivo de regozijo para todos, ainda que a razão para a alegria nem
sempre seja entendida profundamente pelos participantes.
Antes de examinarmos a comemoração natalina em mais profundidade, convém
lembrar que a historicidade da data do nascimento de Jesus está sujeita a
grandes controvérsias.
Até meados do século IV, grande parte dos cristãos,
especialmente em Roma, comemorava o Natal em vinte e cinco de março. O Papa
Júlio II, numa manobra eminentemente política, decretou, no ano 354, que o
nascimento do Cristo seria comemorado em vinte e cinco de dezembro, para
coincidir com a data em que era comemorado o nascimento de Mitra e de Baco.
Como
as comemorações de Mitra e Baco eram muito populares naquela época, as
festividades natalinas dos cristãos entraram em sintonia com o sentimento
popular daquele período do ano e passaram a refletir a alegria do povo romano com
os tradicionais eventos pagãos.
Com isso, na prática, Jesus foi equiparado pela Igreja aos outros
grandes representantes do Deus Sol na Terra, pois o dia vinte e cinco de
dezembro coincide com o solstício de inverno no hemisfério norte, quando ocorre
a noite mais longa do ano e, portanto, a escuridão é mais profunda. Nessa data,
com o nascimento do sol, os dias passam a aumentar sua luminosidade
gradativamente. Por isso, muitos dos grandes seres reconhecidos como portadores
da Luz, independentemente da cultura e período histórico, são geralmente
apresentados como tendo nascido naquela data simbólica.
Mas a questão histórica do nascimento do Cristo é bem mais complexa. Existem
mais de 136 datas sugeridas por diferentes historiadores e grupos cristãos como
sendo a verdadeira data do nascimento do Cristo. A simbologia passa a ser mais relevante.sim, a historicidade do
evento deixa de ser o fator principal da comem
O segundo nível da mensagem do Natal é o entendimento do significado
mais profundo da simbologia em que o nascimento do Deus criança é apresentado
no relato evangélico e na iconografia cristã. Esse nível é especialmente
importante para o número crescente de indivíduos que estão despertando para a
busca espiritual e sentem em seus corações que existe mais na simbologia
natalina do que as Igrejas ensinam aos seus fiéis e crentes.
Vejamos o significado dos principais símbolos natalinos. O nascimento do
Filho de Deus é anunciado à Maria, pelo Arcanjo Gabriel. O Arcanjo da
Anunciação representa o espírito recôndito no homem. Maria representa a
inteligência divina, a alma espiritual em cada ser humano. Somente ela é capaz
de ouvir a voz do espírito supremo que vive no interior dos interiores.
O
nascimento do Cristo infante representa o despertar do amor divino e da
intuição.
Como esse nascimento é inteiramente espiritual e transcende os planos
materiais, ele é realmente imaculado. Por outro lado, no sentido astrológico, por
ocasião do solstício de inverno, o sol nasce no horizonte no Signo de Virgem. Esse
é outro significado do nascimento virginal de Cristo e de outros salvadores do
mundo que são apresentados como nascendo nesta data.
José, o esposo de Maria, representa a mente formal, lógica do ser
humano. Assim, os dois formam um par que abrange os dois aspectos da mente,
concreta e abstrata. A mente formal, ainda que valiosa e imprescindível para
nossa vida terrena, é incapaz de gerar a intuição. Portanto, José não é apresentado
como sendo o ‘pai’ de Cristo, mas sim o seu padrasto. A mente concreta de um
iniciado avançado é extremamente útil para sua ação no mundo. Portanto, José
passa a cuidar amorosamente do infante com todo desvelo. Nesse sentido, os
insights intuitivos (Cristo) nascem na mente abstrata (Maria), mas devem ser
apresentados ao mundo pela mente formal (José), que reveste com palavras e
conceitos a experiência iluminada interior.
Uma série de circunstâncias especiais, de natureza simbólica, cerca o
relato bíblico do nascimento de Cristo. Belém, onde Cristo teria nascido, pode
ser considerada como representando a humanidade, tanto em seu sentido
espiritual como no material. A estalagem, onde o casal busca abrigo
inicialmente, representa o lugar onde os interesses materiais pessoais são
expressos (kama-manas).
Conseqüentemente, é dito no relato evangélico que ela estava ‘cheia’. Assim,
não era possível acomodar a divina família. Num paralelo apropriado, a mente
‘cheia’ de pensamentos e apegos materiais não oferece as condições necessárias
para que a luz interior possa surgir. O maravilhoso nascimento da consciência
crística não pode ocorrer no âmbito da mente mundana, dominada pela busca dos
prazeres pessoais e pelo atributo da possessividade.
Portanto, o casal é encaminhado para o estábulo, simbolizando a mais
completa humildade e distanciamento dos interesses do mundo. A manjedoura representa
o corpo etérico, a fonte de vida e nutrição para o corpo do divino Ser que ali
será colocado. Num outro sentido oculto, a manjedoura do estábulo representa um
santuário secreto, desprezado pelas pessoas mundanas como um lugar de alojamento,
mas usado para promover o nascimento místico em meio das augustas presenças dos
pastores e dos magos.
Os pastores na iconografia não cuidam de animais, mas sim de almas. São
os Irmãos mais Velhos da Humanidade que guiam aqueles que estão prontos para a
grande transformação, descrita como o nascimento do Cristo. Os magos dirigem-se
ao local do evento guiados por uma estrela, que simboliza a Luz do Iniciador
Uno de nosso planeta, responsável pela aceitação e capacitação dos novos
Iniciados. Esses magos representam a tríplice natureza superior, divina em
verdade, do discípulo que está sendo iniciado, referida como atma, buddhi e manas, em sânscrito. Os presentes que conferem ao divino infante:
ouro, incenso e mirra, representam a vontade espiritual, o amor/sabedoria e a
inteligência superior. Com esses “presentes” o Iniciado, agora Cristificado,
pode atuar no mundo tornando-se um auxiliar dos Grandes Seres no grande plano
de salvação da humanidade.
Até mesmo os animais que se encontram no estábulo têm um significado
simbólico. As vacas e ovelhas representam a natureza animal do homem, com seus
desejos e paixões. Porém, na alegoria bíblica, esses animais são inteiramente
domesticados, ou seja, superaram seu estado selvagem e agora servem docilmente
seu divino Senhor. Mais tarde na vida do Cristo, outro animal, no caso um
jumentinho totalmente domesticado, servirá como o veículo necessário para levar
o Cristo até a Cidade Santa, que simboliza o Reino dos Céus. Ou seja, para que
o ser humano possa entrar na consciência da União com Deus, o Reino do Céu, ele
necessita que seu quaternário inferior, seus quatro corpos para atuação no
mundo terreno, seja inteiramente domesticado para seguir com eficiência as
ordens de seu Senhor.
A mensagem do Natal para todo aquele que procura entender o significado
mais profundo por trás do relato bíblico do nascimento do Cristo é de que esse
evento não foi restrito no tempo e no espaço ao Cristo histórico. Muito pelo
contrário, o propósito desse relato é estender um convite permanente a todo
aquele que for tocado por seu simbolismo, para se preparar para o nascimento do
Cristo em seu próprio coração.
Nesse segundo nível a mensagem do
Natal é um convite para que venhamos nos juntar ao Cristo histórico, para nos
tornarmos também ‘pescadores de homens’.
O nível mais sutil e profundo da mensagem do Natal é dirigido àqueles
poucos homens e mulheres que experimentam a divina insatisfação e se determinam
a ‘nascer de novo’, como o Mestre exortou a Nicodemos, que simboliza todo aspirante
que anseia dar o próximo passo na Senda. Pode parecer estranho que a
insatisfação tenha um papel relevante na vida de um aspirante.
Porém, enquanto
o indivíduo não estiver insatisfeito com a vida deste mundo, com seus prazeres
sensuais, consumismo, apego aos bens materiais, ambição e status, ele não terá
o incentivo para proceder à mudança radical de vida implícita na Senda
espiritual.
Esse estágio já foi aludido de forma enfática por um profundo místico
alemão, que escreveu, sob o pseudônimo de Angelus Sillesius, uma mensagem que
até hoje ecoa nos corações das almas maduras: “Ainda que Cristo venha a nascer mil vezes em Belém, mas não em teu
coração, continuarás triste e miserável. A cruz do Gólgota contemplas em vão, a
menos que ela seja erguida em teu coração.”
O conhecimento teórico do significado simbólico da iconografia bíblica
do nascimento de Cristo tem como propósito nos incentivar a trazer esse
conhecimento para a nossa experiência prática. Assim como nossa fome física é
estimulada pela visão de um lauto banquete e reforçada pelo aroma dos diferentes
pratos, a fome só será saciada se tivermos a determinação de ‘pagar o preço’
para nos sentarmos à mesa do banquete. Nesse caso, o preço simbólico é a
renúncia do mundo terreno, expressa por Jesus como “Não a minha, mas a Tua vontade seja feita Senhor”.
O amor e a
entrega a Deus são as duas pernas simbólicas com que o místico caminha
resolutamente rumo a sua meta de união com Deus.
Portanto, o terceiro nível da
mensagem do Natal implica em nossa transformação de pessoas que meramente
‘assistem’ às comemorações de mais um aniversário do nascimento do Cristo
histórico, em discípulos determinados em se tornarem participantes ativos do
eterno drama encenado.
O nascimento do Cristo não mais será visto como algo
ocorrendo no exterior, mas como a coroação de nosso propósito de vida, o
nascimento de Cristo em nosso coração. Com isso ‘entraremos na corrente’, como
dizem nossos irmãos do oriente, e teremos a garantia de ‘alcançarmos a outra
margem’, quando então nos tornaremos ‘homens justos, alçados à medida da
estatura da Plenitude de Cristo’.
A mensagem do Natal é atemporal. Ressoa eternamente em nossos corações.
Cabe a cada um de nós decidir com que nível de mensagem queremos nos
sintonizar. Que a Luz de Cristo ilumine nossos corações, que a Energia do Pai
nos dê força e determinação para trilharmos a Senda até sua gloriosa meta final
e que a inteligência da Divina Mãe nos guie para que possamos superar todos os
obstáculos que continuarão a surgir ao longo do caminho.
Um abraço fraterno
Natal de 2011
Raul Branco
Raul Branco é membro da Sociedade Teosófica, economista, mora em Brasília Seu despertar espiritual ocorreu aos 49 anos, quando começou a buscar no yoga, no budismo, no vedanta e na teosofia respostas para as incessantes perguntas de seu coração. Descobriu, finalmente, que não precisava buscar longe o que estava perto, ou seja, o cristianismo primitivo pouco conhecido em nossa tradição cristã, dedica-se ao estudo da tradição cristã e do gnosticismo. É autor e ou tradutor dos seguintes Livros: Despertando a Luz Interior, Mensagens dos Mestres? Pistis Sophia, O Hino da Pérola, O Poder Transformador do Cristianismo Primitivo.
Raul Branco é membro da Sociedade Teosófica, economista, mora em Brasília Seu despertar espiritual ocorreu aos 49 anos, quando começou a buscar no yoga, no budismo, no vedanta e na teosofia respostas para as incessantes perguntas de seu coração. Descobriu, finalmente, que não precisava buscar longe o que estava perto, ou seja, o cristianismo primitivo pouco conhecido em nossa tradição cristã, dedica-se ao estudo da tradição cristã e do gnosticismo. É autor e ou tradutor dos seguintes Livros: Despertando a Luz Interior, Mensagens dos Mestres? Pistis Sophia, O Hino da Pérola, O Poder Transformador do Cristianismo Primitivo.
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