Diálogo de uma Alma iluminada com outra em busca da Iluminação.
Jacob Boehme
COMO UMA PESSOA ILUMINADA DEVE BUSCAR OUTRA E
CONSOLÁ-LA, LEVANDO-A ÁS SENDAS DA PEREGRINAÇÃO DE CRISTO E MOSTRANDO O
ESPINHOSO CAMINHO DO MUNDO, NO QUAL CAMINHA A ALMA CAÍDA, QUE CONDUZ AO ABISMO.
1. Era uma pobre alma que
viajou para fora do Paraíso, ao reino deste mundo, onde o diabo a encontrou e
lhe perguntou:
“Aonde
vais, ó alma meio cega?”
2. A alma respondeu: “Quero ver
as criaturas do mundo, feitas pelo Criador e conhecê-las.”
3. O diabo disse: “Como desejas
vê-las e conhecê-las se não podes compreender sua essência e peculiaridade
(propriedade)?. Contemplarás apenas seu exterior, como a uma pintura, não
podendo conhecê-las inteiramente”.
4. A ALMA: “Como posso conhecer
sua essência e peculiaridade ? ”
5. O DIABO: “Se comeres do
fruto pelo qual as próprias criaturas vieram a ser boas e más, teus olhos se
abrirão para vê-las plenamente. Então serás como o próprio Deus e saberás o que
é a criatura”.
6. A ALMA: “Sou uma criatura
nobre e santa, mas o Criador advertiu-me que se fizer o que me sugeres
morrerei”.
7. O DIABO: Não, absolutamente!
Mas teus olhos se abrirão, e serás, como Deus, conhecedora do bem e do mal.
Serás também poderosa e grandiosa como eu, e todas as sutilezas das criaturas
te serão conhecidas”.
8. A ALMA: “Se eu tivesse o
conhecimento da natureza e das criaturas, poderia governar o mundo”.
9. O DIABO: “Todo o fundamento
desse conhecimento reside em ti mesma. Simplesmente faz com que tua vontade e teu desejo desviem-se
de Deus e da bondade, e voltem-se para a natureza e as criaturas; então,
surgirá em ti o desejo de provar tais coisas. Assim, poderás comer da árvore da
Ciência do bem e do mal, e com isso chegarás a conhecer todas as coisas”.
10. A ALMA: “Bem, então comerei
da árvore da ciência do bem e do mal, para poder governar todas as coisas por
meu próprio poder, sendo meu próprio senhor na Terra e, como Deus, fazer o que
quiser”.
11. O DIABO: “Sou o príncipe
deste mundo. Se desejas governar a Terra, deves dirigir teus desejos á minha
imagem, desejar ser como eu, para que possas obter a astúcia, a engenhosidade,
a razão e a sutileza de minha imagem”.
O diabo, então, apresentou á
alma o Vulcano (Vulcanus) do
Mercúrio: o poder que se encontra na raiz ígnea da criatura, a roda ígnea da essência,
ou substância, na forma de uma serpente.
12. Ante essa visão, disse:
“Este é o poder de todas as coisas. O que devo fazer para obtê-lo?”
13. O DIABO: “Tu mesma és esse
Mercúrio (Mercurius) ígneo.
Se separas tua vontade de
Deus e a introduz nesse poder, teu próprio fundamento oculto se manifestará em
ti, e poderás obter o que desejas. Porém, deves comer desse fruto, no qual cada
um dos quatro elementos governa sobre o outro estando em contínua luta, como o
frio contra o calor e o calor contra o frio. Então, instantaneamente, serás
como a roda ígnea, conduzindo todas as coisas sob teu próprio poder e
possuindo-as como próprias”.
Assim fez a alma, e eis o
que sucedeu:
14. Quando a alma separou sua
vontade de Deus e a introduziu no Vulcano do Mercúrio - a vontade ígnea, a raiz
da vida e do poder -, surgiu nela um desejo de comer frutos da árvore da
ciência do bem e do mal. Ela tomou o fruto e o comeu.
15. Assim que o fez, Vulcano (O
artificie do Fogo) acendeu a roda ígnea de sua essência, e então as
propriedades da Natureza despertaram na alma, e cada uma exerceu sua própria
concupiscência e desejo.
Primeiro surgiu a cobiça do orgulho: um desejo de ser grande e
poderoso, de ter todas as pessoas submetidas a si, de ser senhor absoluto,
desprezando toda humildade e igualdade, estimando-se o único prudente, astuto e
engenhoso, e tomando por estúpido todos que não estivessem de acordo com seu próprio humor e predisposição.
16. Em segundo lugar, surgiu a
cobiça da avareza: um desejo de
obter todas as coisas, de atrai-las para si, para sua posse. Pois, quando a
cobiça do orgulho separou de Deus a vontade da alma, a vida desta não mais
confiou em Deus e quis cuidar de si mesma, e, portanto, dirigiu seu desejo para
as criaturas, para a Terra, os metais, as árvore e outras criaturas.
17. Foi assim que, depois de
separar-se da unidade, do amor e da doçura divinas, a vida ígnea da alma
tornou-se faminta e avarenta, e atraiu para si os quatro elementos e sua
essência, chegando á condição das bestas. Foi assim que a vida tornou-se
escura, vazia e colérica, e as virtudes e cores celestes desapareceram, como
uma vela que se extinguiu.
18. Em terceiro lugar, na vida
ígnea da alma, surgiu a espinhosa e hostil cobiça da inveja: um veneno infernal. Uma propriedade que
todos os diabos têm, e um tormento que faz da vida uma mera inimizade para com
Deus e para com todas as criaturas. Esta inveja manifestou-se furiosamente na
concupiscência da avareza, como uma picada venenosa, pois a inveja não pode
suportar que a avareza não atraia o que deseja para si, e possa a odiá-lo e
busca destruí-lo. E por causa dessa paixão infernal o nobre amor da alma se
asfixia.
19. Em quarto lugar, na vida
ígnea da alma, surgiu um tormento semelhante ao fogo: a ira, o desejo de matar e afastar do caminho todos os que não se
submetem a seu orgulho.
20. Deste modo, nessa alma,
manifestou-se plenamente o inferno e seu fundamento, a Cólera de Deus. Assim a
alma perdeu o belo Paraíso de Deus e o reino dos Céus, e converteu-se num
verme, semelhante á serpente ígnea que o diabo lhe havia apresentado,
tornando-se sua imagem e semelhança. Com isso, a alma começou a governar o
mundo de um modo bestial, fazendo todas as coisas conforme a vontade do diabo,
vivendo meramente no orgulho, na avareza, na inveja e na ira. Já não há nenhum
amor verdadeiro por Deus tendo surgido em seu lugar um amor bestial, malvado e
sujo pela libertinagem, pela lascívia e pela vaidade, não restando pureza
alguma em seu coração, pois a alma abandona o Paraíso e toma a Terra em sua
posse. Sua mente estava inclinada apenas ás aparências, á astúcia, á sutileza,
e a uma multidão de coisas mundanas. Nela já não restava retidão ou virtude
alguma. Qualquer mal ou erro cometido, era encoberto com muita astúcia e
sutileza sob o manto de seu poder e de sua autoridade, por meio da lei, em nome
do direito e da justiça, sendo tomados por bons.
O DIABO APROXIMA-SE DA ALMA
21. Depois disso, o diabo aproximou-se da alma e
conduziu-a de um vício a outro. Ele a aprisionou em sua essência. Colocando
ante ela gozo e prazer, disse-lhe: “Vê, agora és poderosa e nobre. Trata de ser
maior, mais rica e mais poderosa ainda. Emprega teu conhecimento, astúcia e
sutileza para que todos te temam e respeitem, e que possas adquirir um grande
nome neste mundo”.
22. A alma fez o que o diabo lhe havia aconselhado,
mas sem saber que seu conselheiro era O DIABO: acreditou que era guiada por seu
próprio conhecimento, astúcia e compreensão, e que fazia tudo bem e
corretamente.
JESUS, O CRISTO
ENCONTRA-SE COM A ALMA
23. Seguia a alma por tal curso de vida, quando
nosso querido e amado Jesus Cristo a encontrou. Ele, que veio a este mundo com
o Amor e a Cólera de Deus para destruir as obras do diabo e executar o
julgamento de todos os atos perversos, falou dentro dela por meio de um forte
poder e sua paixão e morte e destruiu as obras do diabo, desvelando-lhe o
caminho de sua graça, brilhando sobre ela com sua misericórdia. Chamou-a ao
arrependimento e ao retorno, e prometeu libertá-la da imagem monstruosa e
disforme na qual tinha se convertido e reconduzi-la ao Paraíso.
COMO CRISTO AGIU NA ALMA
24. Quando a centelha do amor de Deus, a luz divina,
manifestou-se na alma, ela viu num instante que, por sua vontade e sua obras,
estava no inferno e que se havia convertido num monstro feio e disforme ante a
presença divina e o reino dos céus. Ficou tão aterrorizada que sofreu a maior
das angústias, pois o juízo de Deus manifestava-se nela.
25. O Senhor Jesus Cristo falou á alma com luz de
sua graça: “Arrepende-te e abandona a vaidade!, e alcançarás minha graça”.
26. Então em sua disforme e feia imagem e sob o sujo
manto da vaidade, a alma aproximou-se de Deus e pediu a graça e o perdão de
seus pecados. Acreditou que a satisfação em nosso Senhor Jesus Cristo e sua
redenção através dele lhe correspondiam.
27. Contudo, as más propriedades da serpente, o
orgulho, a avareza, a inveja e a ira, formadas no espírito astral fizeram com
que a razão do homem exterior não se aproximasse de Deus e de suas inclinações.
Pois essas más propriedades não queriam morrer para seus próprios desejos, nem
abandonar o mundo, pois eram provenientes do mundo e, consequentemente, temiam
sua reprovação caso abandonassem a honra e a glória mundanas. Com tudo isso, a
pobre alma voltou sua face para Deus e desejou sua graça e seu amor.
O DIABO APROXIMA-SE
NOVAMENTE DA ALMA.
28. Porém, quando o diabo viu que a alma orava a
Deus e queria entregar-se ao arrependimento, aproximou-se e reacendeu as más
inclinações e propriedades terrenas dentro de suas orações, perturbando seus
bons pensamentos e os bons desejos dirigidos a Deus, desviando-os novamente
para as coisas terrenas, de modo que suas orações não puderam chegar a Deus.
A ALMA ANSIAVA POR DEUS
29. A vontade central certamente ansiava por Deus,
mas os bons pensamentos que haviam surgido em sua mente foram desviados,
dispersados e destruídos, de modo a não poderem alcançar o poder de Deus.
Diante disso, a pobre alma aterrorizou-se ainda mais e começou a orar com mais
veemência ainda. Porém, o diabo apossou- se da alma - a roda ígnea da vida, a roda
mercurial, incandescida pelo desejo - e nela despertou as propriedades do mal,
de modo que as falsas e más inclinações ressurgiram na alma e dirigiram-se ás
coisas nas quais ela tivera mais prazer e deleite.
30. A pobre alma queria sinceramente dirigir-se a
Deus com sua vontade e, para isso, empregou todos os meios; mas seus
pensamentos desviavam-se continuamente de Deus em direção às coisas terrenas e
não conseguiam voltar-se para Ele. A alma suspirou e se lamentou perante Deus;
mas era como se Ele a houvesse abandonado completamente, expulsando-a de sua
presença. Ela não podia obter sequer um vislumbre de sua graça. Em
contrapartida, encontrava-se em angústia, medo e terror ante a possibilidade da
cólera e do severo juízo de Deus, e temia que o diabo viesse a apoderar-se
dela. Caiu, assim, em tal abatimento e miséria, que se fartou de toda as coisas
temporais que antes haviam sido seu principal gozo e felicidade.
31. A vontade terrena e natural certamente ainda
desejava essas coisas, mas a alma alegremente abandonaria a todas elas,
desejando morrer para todo desejo e gozo temporais, ansiando apenas pelo lugar
do qual proviera originalmente. Viu que estava longe de sua terra natal;
sentiu-se transtornada e necessitada, e não soube o que fazer; contudo, decidiu
entrar em si própria e orar mais diligentemente ainda.
A OPOSIÇÃO DO DIABO
32. Porém, o diabo opôs-se a isso e a impediu, de
modo que ela não pôde alcançar maior fervor de arrependimento. As
concupiscências terrenas, com sua natureza maligna e falsa retidão, despertaram
e permaneceram em seu coração, resistindo à vontade e ao desejo recém-nascidos
da alma, pois não queriam morrer para sua própria vontade e luz, queriam
conservar seus prazeres temporais, e para isso mantinham a alma imóvel e presa
a seus desejos malignos, embora ela suspirasse e ansiasse mais que nunca pela
Graça de Deus.
33. Sempre que a alma orava e se dirigia a Deus, as
concupiscências da carne tragavam os raios que nela surgiram, afastando-os de
Deus e dirigindo-os aos pensamentos terrenos, de modo que ela não pôde
participar da fortaleza divina. A alma considerou-se abandonada por Deus, sem
saber que, não obstante, Ele estava muito perto e atraindo-a para Si.
34. Então o diabo aproximou-se, penetrou o mercúrio
ígneo da alma - a roda ígnea de sua vida - e, mesclando seus desejos às
concupiscência terrenas da carne, tentou a pobre alma, sussurrando-lhe em seus
pensamentos terrenos: “Por que oras? Porventura acreditas que Deus te conhece
ou te considera? Observa teus pensamentos quando estás diante d’Ele. Acaso não
são totalmente perversos? Não tens fé em Deus, nem crês n’Ele! Por que haveria
de escutar-te? Ele não te escuta, desengana-te! Por que atormentas e maltratas
a ti mesma, sem necessidade? Tens tempo de sobra para arrepender-te quando
quiseres.
35.
“Estás louca? Olha um pouco para o mundo, vê como vive em júbilo e regozijo. E
não obstante será salvo, pois Cristo pagou o resgate e redimiu a todos os
homens. Só precisas crer que o fez também para ti. Consola-te e estarás salva. O
mais provável é que neste mundo não chegues a sentir e conhecer a Deus. Por
isso desengana-te; cuida de teu corpo e da glória temporal.
36. “O que pensas que ocorrerá contigo se te tornas
tão estúpida e melancólica? Serás motivo de escárnio e todos se rirão de tua
loucura. Passarás teus dias apenas em lamentações e abatimento, o que não
agrada a Deus nem à natureza. Olha a beleza do mundo, pois Deus te criou e te
colocou nele para que sejas como todas as criaturas e as governe. Aceita e
apanha agora as coisas do mundo, para que, no futuro, não precises mais dele, e
para não seres motivo de escândalo. Tens tempo. Espera a velhice e a
aproximação do fim, e então prepara-te para o arrependimento. Deus te salvará
nas mansões celestiais. Não há necessidade alguma de tais tormentos,
aborrecimentos e desgosto, como te impões”.
A CONDIÇÃO DA ALMA
37. A alma foi enlaçada pelo diabo com pensamentos
como este e similares, como que atada com fortes cadeias, e como mais uma vez
foi levada aos caprichos da carne e aos desejos terrenos, e já não sabia o que
fazer, tornou a olhar um pouco para o mundo e seus prazeres, mas ainda sentia
fome da graça divina e desejava entrar no arrependimento e chegar ao favor de
Deus. Havia sido tocada e acariciada pela mão de Deus e portanto, não podia
encontrar repouso em parte alguma senão n’Ele. Não cessava de suspirar,
lamentando os pecados que havia cometido
e, se pudesse, de bom grado se desfaria deles. Não podia, contudo, alcançar um
verdadeiro arrependimento, menos ainda o conhecimento do pecado, embora tivesse
uma fome poderosa e um ardente desejo de tal penitência.
38. Estando abatida e triste e não encontrando
remédio ou repouso, a alma começou a buscar um lugar adequado para
empreender um verdadeiro arrependimento, um lugar em que pudesse estar livre
dos assuntos, preocupações e tormentos do mundo. Por isso, buscou um lugar ermo
e solitário e abandonou todos os assuntos mundanos e todas as coisas temporais.
Procurando também um modo de obter o favor de Deus, acreditando que, sendo
bondosa e compassiva para com os pobres, obteria a misericórdia de Deus.
Concebeu, assim, todo tipo de maneiras para alcançar o repouso e o amor, o
favor e a graça de Deus.
39. Porém, nada do que fazia surtia efeito, pois
seus assuntos mundanos ainda a acompanhavam na concupiscência da carne; estava
agora, tanto quanto antes, aprisionada na rede do diabo, e não podia alcançar o
repouso. Assim, no momento seguinte estava novamente triste e abatida, pois
sentia a cólera de Deus despertar dentro de si, mas não sabia por quê. Muitas
vezes, uma grande angústia e tentação caíram sobre ela, tornando-a
desassossegada, doente e desfalecida de terror.
40. Tudo isso ocorreu devido á grande intensidade
com que a alma foi tocada pelo raio da primeira influência da graça. Ela não
sabia que Cristo estava na cólera e na severa justiça de Deus, lutando em seu
corpo e sua alma contra Satanás, o espírito do erro, que se incorporara a eles.
Não compreendia que a fome e o desejo de arrependimento provinham do próprio
Cristo, por quem era atraída. Tampouco sabia o que a impedia de alcançar e
sentir a presença de Deus. Não entendia que ela mesma era um monstro que
carregava a imagem da serpente, a quem o diabo tinha acesso e sobre a qual
tinha poder, a quem tinha confundido e minado em todos seus bons desejos,
pensamentos e movimentos, afastando-os de Deus e da bondade. Sobre isto, Cristo
disse: “O diabo arrebata a palavra de seus corações, para que não creiam e não
sejam salvos” (Luc. 8:12).
UMA ALMA ILUMINADA E
REGENERADA ENCONTRA-SE COM A ALMA ATORMENTADA
41. Pela providência divina, uma alma iluminada e
regenerada encontrou-se com essa pobre alma aflita e atormentada, e disse-lhe:
“O que te aflige? Por que estás tão intranqüila e preocupada?”
42. A alma atormentada respondeu: “O Criador ocultou
de mim a Sua Face, e não repouso. Por isso estou aflita e não sei o que fazer.
Algo interpõe-se entre mim e sua graça, de modo que não posso alcançá-lo. Por
mais que eu suspire por Ele e por mais que O deseje, não posso participar de
seu poder, virtude e fortaleza”.
43. A alma iluminada disse: “Sabe que carregas a
monstruosa imagem do diabo e estás dela revestida. Uma vez que essa imagem
participa da mesma propriedade ou princípio que o diabo, ele tem acesso a ti e
impede que tua vontade se volte para Deus. Pois, se tua vontade estivesse em
Deus, seria ungida com seu mais alto poder e fortaleza, na ressurreição de
nosso Senhor Jesus Cristo. Essa unção despedaçaria o monstro que levas contigo,
e tua primeira imagem paradisíaca reviveria em ti. Serias de novo um anjo. O
diabo não deseja que chegues a isto, e mantém-te presa em tuas próprias
concupiscências carnais. Se não te libertares, estarás separada de Deus e
nunca poderás entrar em nossa sociedade”.
44. Ante essas revelações, a pobre alma
aterrorizou-se e não pôde dizer nem mais uma palavra. Soube que adquirira a
forma da serpente, que a separava de Deus, e que nessa condição o diabo estava
muito perto e tinha grande poder sobre ela, e que confundia sua vontade com
pensamentos falsos. Entendeu que estava perto da condenação e fortemente presa
ao abismo sem fundo do inferno, aprisionada na cólera de Deus, e teria
desesperado da misericórdia divina.
45. Porém, o poder, a virtude e a fortaleza do
primeiro movimento da graça de Deus que a acariciara, sustentaram-na e
impediram-na de cair no desespero total. Todavia, lutava dentro de si mesma
entre a esperança e a dúvida. Qualquer esperança que se erguia, a dúvida
tornava a derrubar. A alma caíra numa intranqüilidade tão contínua que, por
fim, o mundo e toda sua glória tornaram-se repulsivos para ela. Não mais
desejava gozar os prazeres mundanos. No entanto, apesar de tudo, não conseguia
chegar ao repouso.
46. Algum tempo depois, a alma iluminada
aproximou-se novamente desta alma e, encontrado-a tão angustiada e preocupada
como antes, disse-lhe: “O que fazes? Porventura desejas destruir-te com tua
angústia e tua lamentação? Por que te atormentas com o teu próprio poder e
vontade? Não és senão um verme, e com o que estás fazendo só podes aumentar teu
tormento. Ainda que submergisses até o fundo do mar, ou pudesses voar aos mais
distantes fulgores da aurora, ou elevar-te acima das estrelas, não poderias
libertar-te. Quando mais te afligires, atormentares e preocupares, mais
dolorosa será a tua natureza, e não serás capaz de chegar ao repouso. Perdeste
teu poder! Como um pau seco que ardeu até converter-se em carvão não pode, por
seu próprio poder, tomar-se verde, nem ter seiva para florescer como as outras
árvores e as outras plantas, assim também não podes, por teu próprio poder e
fortaleza, alcançar a morada de Deus, nem converter-te na forma angélica que
tiveste no início. Estás murcha e seca para Deus, como uma planta morta que
perdeu sua seiva e sua vitalidade. Tuas propriedades são como o calor e o frio,
que lutam continuamente sem jamais poderem unir-se”.
47. A alma angustiada disse: “O que, então, deverei
fazer para tornar a brotar e receber minha vida primordial, na qual estava em
repouso antes de converter-me nessa imagem nefasta?”
48. A alma iluminada disse: “Nada tens de fazer
salvo abandonar tua vontade própria, isto é, aquilo que chamas “eu”. Desse
modo, todas as tuas propriedades malignas se enfraquecerão e começarão a
morrer; então mergulharás tua vontade própria na Unidade da qual provieste.
Estás cativa das criaturas (propriedades malignas) que habitam em ti e no
mundo, mas se tua vontade as abandona, as criaturas que com suas más
inclinações te impedem de chegar a Deus morrerão em ti.
49. “Se seguires o caminho que te indico, teu Deus
te enviará seu infinito amor, por Ele revelado para a humanidade em Jesus
Cristo. Ele te dará seiva, vida e vigor, de modo que poderás brotar e florescer
novamente, e regozijar-te no Deus vivente como um ramo que cresce em sua
verdadeira natureza. Assim recobrarás a imagem de Deus, e te libertarás da
imagem e condição da serpente. Então serás meu irmão e companheiro dos anjos”.
50. A pobre alma disse: “Como poderia abandonar
minha vontade, para que as criaturas que nela habitam venham a morrer, considerando
que tenho de estar no mundo e dele necessito enquanto viver?”
51. A alma iluminada disse: “Agora tens poderes e
riquezas mundanas, que possuis como próprias, fazendo com elas o que bem
queres, não levando em conta o modo pelo qual as obtiveste, nem como as
utiliza, empregando-as apenas para a satisfação de teus desejos vãos e carnais.
Embora vejas a miséria dos pobres e desgraçados, que requerem tua ajuda e são
teus irmãos, não apenas lhes nega ajuda, mas impõe-lhes pesadas cargas,
exigindo deles mais do que suas capacidades, fazendo que despendam seu labor e
seu suor para ti e para a gratificação de tua vontade voluptuosa. Além disso,
és orgulhoso e os insultas, e te comportas rude e insolentemente para com eles,
exaltando-te acima deles e considerando-os insignificantes diante de ti.
52. “Então, esses teus irmãos pobres e oprimidos
lamentam-se a Deus, pois não podem colher o benefício de seu próprio labor e
fadigas, sendo forçados por ti a viver na miséria. E, com tais suspiros e
lamentos atiçam em ti a cólera de Deus, aumentando as chamas de teu tormento e
de tua intranqüilidade.
53. “Estas são as criaturas (propriedades) de que
estás enamorado, tendo-te separado de Deus por elas e dirigido teu amor apenas
a elas. Assim essas criaturas vivem no teu amor; tu as alimenta com teu desejo
e as acolhe em tua mente, pela concupiscência de tua vida. Elas são uma
progênie suja, asquerosa e malvada, nascida da natureza bestial, que ao serem
recebidas em tua mente e teu desejo, ganham forma e imagem em ti.
54. “Essa imagem é uma besta de quatro cabeças: a
primeira é o orgulho; a segunda, a avareza; a terceira, a inveja; a quarta, a
ira. Estas quatro propriedades constituem os pilares do inferno. Carrega-as
contigo, estão impressas e gravadas em ti e a teu redor, estás totalmente
cativa delas. Essas propriedades vivem em tua vida natural e, por isso,
separada de Deus; não poderás aproximar-te d’Ele enquanto não abandonares estas
criaturas (propriedades) más, para que morram em ti.
55. “Desejas que eu te diga como abandonar a vontade
próxima e perversa, de modo que tais criaturas venham a morrer, ainda que sigas
vivendo no mundo. Posso assegurar-te que só há um caminho para isso, um caminho
estreito e reto. No início, será muito difícil e irritante trilhá-lo; porém,
mais tarde, caminharás por ele jubilosamente.
56. “Deves considerar seriamente que, no curso desta
vida mundana, caminhas na cólera de Deus e nos fundamentos do inferno, e que
esta não é tua verdadeira terra natal. Um cristão deve viver em Cristo, seguindo-o
em seu caminhar, e não pode ser um cristão a não ser que o espírito de Cristo
viva nele e que esteja plenamente submetido a ele.
57. “O reino de Cristo não é deste mundo, mas do
Céu, embora teu corpo necessite viver e habitar entre as criaturas.
58. “O caminho estreito da perpétua ascensão aos
céus e da imitação de Cristo é este: deves perder toda a esperança em teu
próprio poder e fortaleza, pois através deles não podes alcançar os portais de
Deus. Deves decidir firmemente a entregar-te por completo á misericórdia de
Deus. Deves submergir-te com toda tua mente e razão na paixão e morte de nosso
Senhor Jesus Cristo, desejando sempre preservar nele e morrer para todas as
criaturas.
59. “Deves também vigiar tua mente, teus
pensamentos e inclinações, para não permitir que a honra ou o proveito
temporal te seduzam. Deves ter a intenção de afastar de ti toda falta de
retidão e tudo o que possa obstruir a liberdade de teu movimento e progresso.
Tua vontade deve ser inteiramente pura e fixar-se na firme resolução de nunca
retornar aos velhos ídolos, mas abandoná-los e separar tua mente deles e da
justiça, seguindo a doutrina de Cristo.
60. “Assim como te propões a abandonar os inimigos
em tua própria natureza interior, deves também perdoar a todos os teus inimigos
exteriores, dispondo-te a encontrá-los com o teu amor, para que assim não possa
restar criatura, pessoa ou coisa capaz de capturar tua vontade, e para que ela
seja purificada de todas as criaturas.
61. “Digo mais, se preciso for, deverias estar
satisfeita e pronta a abandonar, por Cristo, todas as honras e bens materiais.
Não dês importância a nada que seja terreno, para que teu coração e teus afetos
não se estabeleçam ali. Qualquer que seja teu estado, grau ou condição quanto a
classe mundana das riquezas, considera-te como um servo de Deus e de teus
companheiros, os cristãos, ou como um serviçal de Deus no ofício em que Ele te
estabeleceu. Toda arrogância e auto-exaltação deve ser humilhada, diminuída e
aniquilada, de tal modo que nada de teu, ou de qualquer outra criatura, possa
estabelecer-se em tua vontade, para que teus pensamentos e tua imaginação não
se estabeleçam ali.
62. “Além disso, deves gravar em tua mente que, pelo
mérito de Jesus Cristo, alcançarás a graça prometida e participarás de seu
transbordante amor. Em verdade, Cristo já vive em ti, iluminando tua vontade e
inflamando-a com a chama de seu amor. Ele te libertará de tuas criaturas e te
dará a vitória sobre o diabo.
63. “Nada podes fazer por teu próprio poder. Podes
apenas entrar no sofrimento e na ressurreição de Cristo, Tomando-os para ti.
Com isso, o reino do diabo, estabelecido em ti, sofrerá violentos ataques e
será feito em pedaços, e suas criaturas (propriedades) morrerão. Deves
decidir-te entrar neste caminho, neste mesmo instante, e nunca mais afastar-te
dele, submetendo-te à bondade de Deus em todos os teus projetos e atos, para
que Ele possa fazer contigo o que quiser.
64. “Quando esta for tua vontade e tiveres tomando
tais resoluções, terás atravessado a barreira de tuas próprias criaturas e
estarás apenas na presença de Deus, revestido dos méritos de Jesus Cristo.
Poderás, então, como o filho pródigo, ir livremente ao Pai e prosternar-te ante
Sua face em arrependimento. Emprega toda tua força nesta obra, confessando teus
pecados e tua desobediência, e não com palavras vazias, mas arrependendo-te com
todo teu ser. Entretanto, tudo isto não será mais que um propósito e a uma
resolução, ainda que firmes, pois a alma não tem como fazer nenhuma boa obra
por si mesma.
65. “Quando estiveres nessa disposição, teu Pai
celeste, vendo-te retornar com arrependimento e humildade, falará contigo
internamente, dizendo: “Este é meu filho que Eu havia perdido. Estava morto e
reviveu” ( Luc. 15:24). E irá
encontrar-te em tua mente e, por meio da graça e do amor de Jesus Cristo, te
abraçará com os raios de seu amor e te beijarás com Seu Espírito e poder. Então
receberás a graça de verter tua confissão diante d’Ele e de orar poderosamente.
66. “Esse é, em verdade, o momento e o lugar
corretos do combate, isto é, diante da Luz de Sua Face. Se te manténs firme, se
não te desvias, verás e sentirás grandes maravilhas. Descobrirás Cristo
combatendo o inferno dentro de ti, fazendo em pedaços as tuas bestas, e fazendo
surgir em ti um grande tumulto e uma grande miséria. Teus pecados secretos
serão os primeiros a despertar, e tentarão separar-te de Deus. Verás e
sentirás, então, como a morte e a vida lutam uma com a outra, e pelo que se
passa em ti, entenderás o que são o céu e o inferno.
67. “Mas não te movas por isso; mantém-te firme e
não te desvies. Por fim, todas as criaturas (más inclinações) se tornarão
fracas e começarão a morrer, e tua vontade se tornará cada vez mais forte e
capaz de submetê-las. Então, gradualmente, tua vontade e tua mente nova
ascenderão ao céu, e tuas criaturas perecerão. Obterás uma mente nova e,
despojando-te da deformidade bestial e recobrando a imagem divina, começarás a
ser uma nova criatura. Assim te liberarás de tua presente angústia e chegarás
novamente ao repouso”.
A PRATICA DA POBRE ALMA
68.Então, tendo a pobre alma começado a participar
deste caminho com diligência, acreditou que obteria a vitória rapidamente. Mas
encontrou as portas do céu fechadas para sua habilidade e poder. Foi como se
tivesse sido rechaçada e abandonada por Deus, sem nenhum vislumbre da Graça.
Então, a alma disse a si mesma: “De certo não te entregaste por completo a
Deus. Nada deves desejar d’Ele, apenas submeter-te a seu juízo, para que Ele
possa matar tuas más inclinações. Lança-te n’Ele para além dos limites da
natureza e da criatura, e submete-te a ele de tal modo que Ele possa fazer
contigo o que bem quiser, pois não és digna de falar com Ele”. Assim, a alma
tomou a resolução de lançar-se n’Ele e abandonar por completo sua vontade própria.
69. Tendo feito isso, caiu sobre ela o maior
arrependimento possível pelos pecados que cometera, e deplorou amargamente a
fealdade de sua forma. Lamentou-se verdadeira e profundamente que as más
criaturas a habitassem. Em seu pesar, não pôde falar uma só palavra na
presença de Deus; em seu arrependimento, recordou apenas a amarga paixão e
morte de Jesus Cristo: quão grande angústia e tormento havia sofrido por sua
causa, para livrá-la de sua angústia e convertê-la novamente na imagem de Deus.
Lançou-se inteiramente nessa recordação, não fazendo outra coisa senão lastimar
sua ignorância e negligência, por ter sido ingrata para com seu Redentor,
jamais tendo considerado o grande amor que ele mostrou por ela, tendo passado o
tempo ociosamente, sem jamais pensar como poderia participar de sua Graça. Com
as vãs concupiscências e prazeres do mundo, havia formado em si imagens e
figuras das coisas terrenas; havia obtido inclinações tão bestiais que agora
deveria viver presa numa grande miséria, sem atrever-se, por vergonha, a erguer
os olhos a Deus, enquanto Ele ocultava-lhe a luz de Sua Face, não querendo
olhá-la.
70. Encontrando-se imersa em tais gemidos e
lágrimas, foi atraída para o abismo do horror, como se estivesse perante as
portas do inferno para perecer. A pobre alma, extenuada e completamente
desorientada, esqueceu-se de todos seus atos e queria entregar-se à morte e
deixar de ser uma criatura. Com isso, entregou-se à morte, desejando apenas
morrer na morte do seu Redentor, Jesus Cristo, que sofrera tão grandes
tormentos por ela. Contudo, nessa agonia, começou a suspirar interiormente e a
clamar pela bondade divina e a lançar-se na mais pura misericórdia de Deus.
71. Quando isso ocorreu, à amável face do amor de
Deus subitamente apareceu e penetrou-a com uma grande luz, lançou então a orar
de maneira correta e a agradecer pela graça do altíssimo, regozijando-se
imensamente por ter sido libertada da morte e da angústia do inferno.
72. Provou a doçura de Deus e a Sua Verdade
prometida; com isso, todos os espíritos maus que antes a haviam fustigado,
apartando-a da graça do amor e da Presença Inferior de Deus, foram obrigados a
dela separar-se. Então, solenemente, o “matrimônio do Cordeiro” teve lugar: a
nobre SOFIA desposou a alma e o selo do anel da vitória de Cristo imprimiu-se
em sua essência, e ela foi recebida novamente como filho e herdeiro de Deus.
73. Quando isto ocorreu, a alma tornou-se muito
feliz e começou a operar nesse novo poder, celebrando com louvores as
maravilhas de Deus, pensando que, dali em diante, caminharia continuamente sob
a mesma Luz, poder e gozo. Porém, foi logo assaltada - exteriormente, pelo escárnio e reprovação
do mundo e, interiormente, por uma grande tentação -, de modo que começou ter a
dúvidas quanto ao fato de seu fundamento estar realmente em Deus e se havia
participado de Sua Graça.
74. Assim, Satanás, o Acusador, aproximou-se e quis
desviar a alma de seu caminho, levando-a a duvidar do caminho verdadeiro,
sussurrando-lhe interiormente: “Essa feliz mudança em teu espírito não provém
de Deus, mas apenas de tua própria imaginação”.
75. Além disso, a Luz divina retirou-se, brilhando
apenas no plano interior da alma - como numa fogueira, quando a lenha em chamas
é retirada, restando apenas o fogo interior das brasas -, de modo que razão
sentia-se perplexa e abandonada. A alma não sabia porque isso estava ocorrendo,
nem se de fato havia experimentado a divina luz da Graça. Contudo, não podia
deixar de lutar.
76. Pois o ardente Fogo do Amor fora semeado nela,
gerando uma fome veemente e contínua da doçura divina. Por fim, começou a orar
de maneira correta, humilhando-se perante Deus, examinando e testando suas más
inclinações e pensamentos, e lançando-os fora de si.
77. Desse modo, a vontade da razão foi quebrada e as
más inclinações inerentes a elas foram gradativamente aniquiladas e extirpadas.
Esse processo foi muito severo e doloroso para a natureza do corpo, tornando-o
débil e enfermo. Contudo, não era uma enfermidade natural, mas a melancolia de
sua natureza terrena sentindo e lamentando a destruição de suas
concupiscências.
78. Pois bem, quando a razão terrena encontrou-se em
tal abandono e a pobre alma viu que, exteriormente, era desprezada e
ridicularizada pelo mundo, pois já não podia trilhar o caminho da perversão e
da vaidade, e também que, interiormente, era assaltada pelo Acusador, Satanás,
que a escarnecia, oferecendo-lhe a todo momento as belezas, as riquezas e a
glória do mundo, e chamando-a de estúpida por não correr para abraça-las, a
alma começou a pensar e dizer: “Ó Deus eterno! O que farei agora para chegar ao
repouso?
A ALMA ILUMINADA ENCONTRA-SE
NOVAMENTE
COM A ALMA ATORMENTADA
79. Em meio a tais pensamentos, a alma iluminada
encontrou-se mais uma vez com a alma atormentada, e disse-lhe: “O que te afliges,
meu irmão, e te põe em tal abatimento e tristeza?”
80. A pobre alma respondeu: “Segui teu conselho e
obtive um raio da doçura divina; mas novamente, ela afastou-se de mim e agora
encontro-me abandonada e sob grandes provações e aflições no mundo, pois todos
meus bons amigos abandonaram-me e escarnecem de mim. Interiormente, sou
acometida pela angústia e pela dúvida, e não sei o que fazer”.
81. A alma iluminada disse: “O que dizes traz-me
muita alegria, pois nosso amado Senhor Jesus Cristo está percorrendo contigo e
em ti o caminho que Ele mesmo trilhou neste mundo. Também Ele foi desprezado e
alvo de maledicências, e nada possuiu que lhe fosse próprio. Agora carregas sua
marca. Não te assombres com isso, nem o estranhes, pois assim deve ser para que
possas ser provada, refinada e purificada.
82. “Em tal angústia e inquietude, terás muitas
vezes motivo para ter fome da redenção e para clamar por ela; por meio de tal
fome e tal clamor, atrairás a graça para ti, inferior e exteriormente.
83. “Pois, para recuperar a imagem de Deus, deves
crescer tanto a partir de baixo como a partir do alto, como uma jovem planta
que, agitada pelo vento, suportando o frio e o calor, deve manter-se atraindo
força e virtude tanto do alto como de baixo, e resistir a mais de uma
tempestade, antes de converter-se numa árvore e dar frutos. Pois, através de
tal agitação, a virtude do Sol move-se na planta, as suas propriedades
selvagens são penetradas e tingidas pela virtude solar, e com isso, a árvore
cresce.
84. “Neste momento, deves agir como um valente
soldado do Espírito de Cristo e cooperar com ele. Pois o Pai eterno, por Seu
poder ígneo, engendra em ti o Seu Filho, e este Filho transmuta o Fogo do Pai
(o Primeiro Princípio, a propriedade colérica da alma) em Chama de Amor (o Segundo
Princípio, a doce Luz divina), de modo que do fogo e da Luz (da Ira e do Amor)
advém uma substância una, que é o verdadeiro templo de Deus.
85. “Agora, tu brotarás na videira de Cristo, e
darás frutos em tua vida, ajudando e instruindo os outros e, como uma boa
árvore, mostrando teu amor em abundância. Pois o Paraíso deve, através da
cólera de Deus, brotar novamente em ti e converter o inferno em céu”.
86. “Portanto, não acovardes antes as tentações do
diabo, pois ele luta pelo reino que um dia teve em ti; mas, tendo-o perdido,
foi humilhado e está obrigado a afastar-se de ti. E se ele te cobre
exteriormente com a humilhação e a reprovação do mundo, é para encobrir a
própria vergonha e para que tu permaneças oculto para o mundo.
87. “Pois, com teu novo nascimento ou natureza
regenerada, estás no céu e na harmonia divina. Por isso, sê paciente e espera
no senhor. O que quer que te ocorra, recebe-o como proveniente de Suas mãos
para o teu mais alto bem”.
Dizendo isto, a alma iluminada se afastou.
O CAMINHO DA ALMA
88. Agora, essa alma começou a caminhar sob o
paciente sofrimento de Cristo e, dependendo apenas do poder de Deus, entrou na
esperança. Desde então, tornou-se mais forte a cada dia, e suas más inclinações
pereceram gradualmente; por fim, chegou a um elevado grau da Graça, as
portas da revelação divina foram-lhe abertas e o reino dos céus manifestou-se
nela.
89. Assim, através do arrependimento, da fé e da
oração, a alma retornou a seu verdadeiro repouso original e converteu-se num
reto e amado filho de Deus. Que Sua infinita misericórdia nos ajude a todos a
conseguir o mesmo. Amém.
1 Comentários:
Belo artigo do Boehme , parabéns.
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