sábado, 21 de março de 2015

Caminhos Místicos e Esotéricos.



Conhecemos menos sobre os verdadeiros grupos esotéricos do que sobre os místicos, porque aqueles não são cerceados por juramentos secretos que os impedem de divulgar suas experiências interiores. Sigilo absoluto sobre tudo o que é dito e feito atrás dos portais da Câmara Sagrada sempre foi um dos requisitos exigidos dos candidatos à iniciação nos Mistérios. 

A natureza sigilosa das atividades desses grupos é tida como necessária para salvaguardar a humanidade da má utilização de seus segredos por indivíduos egoístas e sem a devida capacitação moral. Essa obrigação foi tão estritamente observada ao longo dos milênios que nenhuma narrativa dos verdadeiros segredos dos Mistérios jamais chegou ao conhecimento dos curiosos ou dos historiadores.

O voto não se estendia a todos os elementos de um Mistério, mas sim aos detalhes cerimoniais, às revelações feitas no templo, à interpretação esotérica do mito representado de forma dramática, às palavras de passe da fraternidade e seu significado, às fórmulas de iluminação e sabe-se lá que outros fatos de interesse oculto.

Os místicos, ao contrário, sempre sentiram a obrigação de compartilhar suas experiências com seus irmãos buscadores, de forma a confirmar que é possível a união com Deus para aqueles que seguem o árduo, mas gratificante, caminho da entrega total ao Pai Supremo até alcançarem o merecimento de receber a graça da Luz Divina.

Os membros dos grupos esotéricos podem, num certo sentido, ser considerados como místicos, porém, com uma característica toda especial, eles também se valem de uma série de rituais e outros procedimentos para facilitar e acelerar o processo de transformação interior que, com o tempo, leva à iluminação.

Esses grupos, geralmente estabelecidos por iniciados com elevados dons espirituais, utilizam a teurgia, ou seja, a energia divina direcionada por aqueles devidamente capacitados, para promover condições facilitadoras para as progressivas expansões de consciência que caracterizam o caminho espiritual.

Esses procedimentos não devem causar nenhuma surpresa ao estudioso, pois Jesus demonstrou ser um grande teurgo, usando a energia divina tanto para curar o corpo como, principalmente, a alma. Jesus era familiarizado com os grupos ocultos de sua época, pois acredita-se que ele era um essênio e recebeu instrução de seu tio o Rabbi Jehoshuah e, mais tarde, do Rabino Elhanan, renomado cabalista em sua época, sobre os mistérios da Cabala. 




Os essênios eram grandes ocultistas e buscavam, principalmente em seu centro de treinamento em Qumrã, o ideal místico de todos os séculos, a união com Deus. O mesmo deve ser dito dos grupos cabalistas, que mantiveram acesa a chama do conhecimento divino entre os judeus.

Não seria de estranhar, portanto, que Jesus ministrasse ensinamentos reservados a um grupo de discípulos mais avançados, como é mencionado na Bíblia: "Porque a vós foi dado conhecer os mistérios do Reino dos Céus" (Mt 13:11). Esse grupo de discípulos foi o núcleo do primeiro grupo esotérico da tradição cristã. Dele derivou-se, ao longo dos séculos, toda uma série de outros grupos sempre com o objetivo de perseguir a gnosis divina que levava ao prometido "Reino dos Céus."

É lógico supor-se que após a morte de Jesus esse grupo interno continuou seus trabalhos e procurou manter, com todo o zelo característico dos discípulos mais próximos do Mestre, a Tradição oculta que lhe havia sido transmitida.

Assim, as instruções secretas, rituais, sacramentos e todo o instrumental transformador ensinado por Jesus foram mantidos por seus discípulos. Como só ia acontecer, na prática de todos os grupos verdadeiramente esotéricos, seus membros comprometem-se solenemente a manter acesa a chama divina da gnosis para o benefício de todos os verdadeiros buscadores que puderem ser admitidos ao ádito sagrado.

Seria lícito perguntar, portanto, por que a Igreja nunca reconheceu oficialmente a existência de grupos que seriam os mantenedores da tradição esotérica cristã

A resposta é óbvia. O grupo que mais tarde tornou-se a Igreja Católica, consolidada no século IV, sob a égide de Constantino, não era o ramo esotérico da tradição, mas sim aquele que manteve a tradição aberta, a tradição das parábolas de Jesus ministradas aos muitos (ao público).



Entende-se, portanto, porque as autoridades eclesiásticas sempre relutaram em reconhecer a existência de uma tradição interna e, com o tempo, cada vez mais preocupadas com sua autopreservação, tornaram-se inimigas coléricas e perseguidoras dos grupos ocultistas, usando de todos os meios para neutralizá-los, desacreditá-los e destruí-los.

Os primeiros grupos internos de nossa tradição foram conhecidos como gnósticos, podendo-se destacar dentre eles os ofitas.


Esses termos, gnósticos e ofitas, tão injustamente vilipendiados pela ortodoxia merecem um esclarecimento.

Gnóstico é o buscador da gnosis, que em grego significa conhecimento, não um conhecimento meramente intelectivo, mas sim a percepção direta, intuitiva da verdade, sobre a qual Paulo fez tantas alusões em suas epístolas.

Esse conhecimento só é adquirido por aqueles que conseguem silenciar a mente e ouvir a voz silenciosa do Cristo interior, que tudo revela aos seus bem amados.

É importante lembrar que os grupos gnósticos já eram conhecidos antes do ministério de Jesus.

Ofita vem do termo grego ofis, serpente. Esses grupos não eram adoradores da serpente, como maldosamente lhes é atribuído.

A serpente sempre foi o símbolo da sabedoria em todas as grandes tradições, daí a instrução de Jesus a seus discípulos: "Sede prudente como as serpentes e sem malícia como as pombas" (Mt 10:16). A serpente sempre foi um símbolo usado para representar a sabedoria nas tradições da antigüidade. Entre os judeus, a serpente, (Gênesis 3) aparece como a primeira reveladora do conhecimento divino.

Os antigos cabalistas judeus usavam a serpente nechushtan, com sua cauda segura entre os dentes, como símbolo da sabedoria e da iniciação.

Tanto na tradição hinduísta como na budista, os grandes nagas (serpentes,em sânscrito) são representados como os instrutores primordiais. É possível que isso reflita o fato de que certos buscadores passam pela experiência interior de visualização de uma ou várias serpentes, na verdade um teste de sua coragem e determinação. Caso o buscador não se retraia com medo, é dito que a experiência prossegue com a serpente se aproximando do devoto, abrindo sua boca e, finalmente, fundindo-se com o fiel indômito. Essa visão parece ser uma espécie de iniciação que possibilita a abertura de um processo de revelação progressiva da verdadeira sabedoria ao buscador da verdade. É dito na tradição budista que, no momento da iluminação do Senhor Buda, estando em profunda meditação, uma enorme serpente aproximou-se e postou-se por trás e acima dele como que o protegendo e inspirando durante toda a experiência interior.


Portanto, os gnósticos e os ofitas cristãos, formavam os grupos de buscadores da verdade, ou sabedoria divina, fundados pelos discípulos mais chegados de Jesus.

Mais tarde esses grupos passaram a ser conhecidos por diferentes nomes dependendo de características regionais e ênfase da doutrina externa exposta.

Dentre os grupos mais ativos nos dois primeiros séculos de nossa era destacam-se os naasenos, perates, sethianos, docéticos, carpocráticos, basilidianos e valentinianos. Vale a pena mencionar que ainda hoje existem dois grupos remanescentes do movimento original no primeiro século de nossa era, conhecidos como mandeanos e drusos.




Os mandeanos, também conhecidos como discípulos de São João, praticam seus rituais de batismo por imersão em água corrente, como fazia seu fundador, João o Batista.

Atualmente, encontram-se pequenas comunidades de mandeanos na região sul do Iraque, principalmente em Basra, Amarah e Nasiriya, bem como no Irã, na província de Khuzistan, especialmente em Ahwaz e Shushtar.

A denominação dessa seita deriva-se da antiga palavra "mandeana" que significava "percepção ou conhecimento"; portanto, o termo refere-se "àquele que conhece, ou gnóstico."

A literatura existente sobre essa tradição é considerável, dado o número relativamente pequeno de seus membros. Dentre seu acervo literário destacam-se: "o Tesouro" (Ginza) e o "Grande Livro" (Sidra Rabba). Sua cosmologia é muito semelhante à dos antigos gnósticos, incluindo uma deidade suprema (Ferho) e um deus criador inferior (Ptahil). Os números sete e doze ocorrem com freqüência em sua hierarquia espiritual. O ponto alto da cosmogonia é a redenção, que ocorre com os "Mistérios" que proporcionam a "Gnosis da Vida."

A referência mais confiável que temos sobre os drusos foi escrita há pouco mais de um século por Blavatsky. Essa autoridade informa que os misteriosos drusos do Monte Líbano são descendentes dos grupos originais de gnósticos, ou ofitas.

Os drusos eram de origem copta, e caracterizavam-se por serem estudiosos e diligentes, podendo ser encontrados em pequenas comunidades em vários países do oriente médio.

Não fazem proselitismo, fogem da notoriedade, mantêm a fraternidade, na medida do possível, seja com os cristãos, seja com os muçulmanos, respeitam a religião de qualquer outra seita ou povo, mas jamais revelam seus segredos. Quanto aos não não iniciados, jamais se lhes permitiu ver os escritos sagrados, e nenhum deles tem a mais remota idéia do local onde estão escondidos.

O grupo de maior repercussão no cenário ocidental e no oriente médio foi provavelmente o dos chamados maniqueus. Isso se deve ao impacto das idéias e do trabalho de seu fundador Mani, que no século III revolucionou a vida de muitas centenas de milhares de buscadores com suas revelações.



Como não poderia deixar de ser, esse grupo foi imediatamente alvo de críticas por parte da então nascente Igreja Católica, sendo seu fundador perseguido e finalmente morto sob intensa tortura por parte das autoridades civis e religiosas, em circunstâncias que lembram o martírio do próprio Jesus.

Mani deixou uma extensa obra literária e, apesar da constante perseguição a seus seguidores ao longo dos séculos, inúmeros grupos locais foram estabelecidos em diferentes países, geralmente com nomes diferentes para tentar escapar da perseguição sistemática a que eram submetidos.

"A vitalidade dos maniqueístas permaneceu poderosa, não obstante as severas perseguições que suportaram durante o Império Romano, ateu e cristão; mas sobreviveram no Oriente e no Ocidente, tendo reaparecido com freqüência na Idade Média, em diferentes partes da Europa. O maniqueísmo ousou aquilo que os gnósticos jamais se aventuraram: entrar abertamente em conflito com a Igreja, no século V. Ademais, a autoridade civil auxiliou a religiosa na sua repressão. Os maniqueístas, onde quer que aparecessem, eram imediatamente atacados; foram condenados na Espanha no ano 380 e em Treves, em 385, por intermédio de seus representantes, os priscilianistas."

Para entender o chocante genocídio dos albigenses, devemos lembrar que a insatisfação e as críticas generalizadas sobre o estado de podridão moral da Igreja na Idade Média fez com que o papado agisse com crescente rigor, não para promover uma renovação interior, mas para perseguir todos os dissidentes e potenciais inimigos, valendo-se de sua supremacia.

O exemplo de virtude e religiosidade dos cátaros não podia ser deixado livre para florescer, pois iria certamente estimular movimentos semelhantes em outras regiões, solapando o poder da Igreja.


Portanto, o Papa Inocêncio III e seus prelados atacaram os albigenses com toda a fúria dos fanáticos que vêem seus interesses ameaçados.

A campanha contra os albigenses prenunciou um período de quinhentos anos de repressão brutal pela "Santa Inquisição" em todas as áreas de influência da Igreja, que se estendeu, mais tarde, às colônias européias nas Américas e na Ásia.

Enquanto existir uma luz na individualidade mais recôndita da natureza humana, enquanto existirem homens e mulheres que se sintam semelhantes a essa luz, sempre haverá Gnósticos no mundo.

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