segunda-feira, 25 de abril de 2016

Além do Materialismo Espiritual

“O ego é capaz de converter tudo para seu uso próprio, inclusive a espiritualidade, mesmo a meditação pode ser usada em favor do ego e contra o autêntico crescimento. Drogas, ioga, orações, meditação, transes, várias psicoterapias, tudo pode ser usado com essa finalidade”.
"Mesmo se não estamos procurando por ganhos materiais, podemos ainda estarmos procurando por algum tipo de ganho mental. Ambos são considerados ganhos mundanos. O Buda não ensinou o Dharma para ganhos mundanos."
A diferença entre materialismo espiritual e transcender o materialismo espiritual é que, no materialismo espiritual, promessas são usadas como uma cenoura na frente do burro, nos atraindo para todo tipo de jornada.
De acordo com a tradição budista, o caminho espiritual é o processo de atravessar e superar a nossa confusão, de descobrir o estado desperto da mente.
Quando este estado se encontra entulhado pelo ego e pela paranóia que o acompanha, assume o caráter de um instinto subliminar.
Dessa forma, não se trata de construir o estado desperto da mente, mas sim de queimar as confusões que o obstruem.
Tudo o que é criado, mais cedo ou mais tarde, tem de morrer.
Se a iluminação fosse criada dessa maneira, haveria sempre a possibilidade de o ego reafirmar-se, provocando um retomo ao estado de confusão.
A iluminação é permanente porque não a produzimos; apenas a descobrimos.
Na tradição budista, a analogia do Sol que surge por trás das nuvens é freqüentemente empregada para explicar o descobrimento da iluminação.
Na prática da meditação, removemos a confusão do ego a fim de vislumbrar o estado desperto.
A ausência da ignorância, da sensação de opressão, da paranóia, descerra uma visão fantástica da vida.
Descobrimos um modo diferente de ser.
Como tomamos por real a nossa visão confusa, lutamos para manter e incrementar esse eu sólido.
Tentamos alimentá-lo com prazeres e escudá-lo contra a dor.
“Mas”, poderíamos perguntar, “se a nossa verdadeira condição é um estado desperto, por que nos ocupamos tanto em evitar que tomemos consciência disso?”
Porque estamos tão imersos em nossa confusa visão do mundo que consideramos real o único mundo possível.
Essa luta por manter o senso de um eu sólido e contínuo é obra do ego.
O ego, contudo, consegue apenas sucesso parcial em sua tentativa de defender-nos do sofrimento.
É a insatisfação que vem junto com a luta do ego que nos inspira a examinar o que estamos fazendo.
E, uma vez que sempre existem hiatos na consciência que temos de nós mesmos, torna-se possível algum discernimento.
Uma interessante metáfora empregada no Budismo tibetano para descrever o funcionamento do ego é a dos ‘Três Senhores do Materialismo”: o “Senhor da Forma”, o “Senhor da Fala”, e o “Senhor da Mente”.
Na discussão que se segue sobre os Três Senhores, as palavras “materialismo” e “neurótico” dizem respeito à ação do ego.
O Senhor da Forma refere-se à perseguição neurótica do conforto físico, da segurança e do prazer.
Nossa sociedade altamente organizada e tecnológica reflete nossa preocupação em manipular o ambiente físico de modo a nos salvaguardar das irritações provenientes dos aspectos crus, rudes e imprevisíveis da vida, tudo são tentativas de criar um mundo controlável, seguro, previsível e prazeroso.
O Senhor da Fala tem a ver com o emprego do intelecto no relacionamento com o mundo.
Adotamos grupos de categorias que servem como alavancas, como meios para manipular fenômenos. Nacionalismo, comunismo, existencialismo, Cristianismo, Budismo, todos nos proporcionam identidades, regras de ação e interpretações de como e por que as coisas acontecem como acontecem.
O Senhor da Mente refere-se ao esforço da consciência em conservar a percepção de si mesma.
O Senhor da Mente impera quando usamos disciplinas espirituais e psicológicas como meios de conservar a consciência que temos de nós mesmos, de nos agarrar ao senso de eu. Drogas, ioga, orações, meditação, transes, várias psicoterapias, tudo pode ser usado com essa finalidade.
Se prendemos, por exemplo, uma técnica de meditação dentro de uma prática espiritual particularmente benéfica, o ego se põe, primeiro, a tratá-la co mo um objeto de fascinação e, depois, a examiná-la.
Nossos hábitos mentais se tomam tão fortes que fica difícil penetrá-los.
Podemos até chegar ao desenvolvimento totalmente demoníaco da completa “Egoidade”.
Se examinarmos nossos atos, quase todos concordaremos, provavelmente, em que somos governados por um ou mais dos Três Senhores.
“Mas”, poderíamos perguntar, “e daí?
Isto é simplesmente uma descrição da condição humana.
Sim, sabemos que a tecnologia não consegue pôr-nos a salvo de guerras, crimes, doenças, insegurança econômica, trabalho laborioso, velhice e morte; tampouco nossas ideologias nos resguardam da dúvida, incerteza, confusão e desorientação; nem podem as nossas terapias proteger-nos da dissolução dos altos estados de consciência que viermos temporariamente a alcançar ou da desilusão e angústia daí decorrentes.
Buda examinou o processo pelo qual os Três Senhores governam.
Descobriu que os Três Senhores nos seduzem criando um mito fundamental: o de que somos seres concretos.
Todavia, o mito, em última análise, é falso, uma imensa burla, uma fraude gigantesca, a raiz do nosso sofrimento.
Para fazer essa descoberta, ele precisou romper as defesas muito complexas erguidas pelos Três Senhores, com o fim de impedir que seus súditos descobrissem o engano fundamental que é a origem do poder deles.
O método descoberto pelo Buda foi a meditação.
Ele verificou que lutar para encontrar respostas não surtia efeito.
Só quando havia brechas na sua luta é que lhe acudiam discernimentos.
Começou a dar-se conta de que existia dentro de si uma qualidade sadia e desperta que só se manifestava na ausência de luta.
Por isso, a prática da meditação implica “deixar ser”.
Dessa forma, aprendemos como lidar com esses fatores, como relacionar-nos com eles, não no sentido de fazê-los amadurecer como gostaríamos, mas no sentido de conhecê-los como são e de trabalhar com o seu padrão.”
Além do Materialismo Espiritual
Chögyam Trungpa Rinpoche (1939-1987)
Tashi delek བཀྲ་ ཤིས་ བདེ་ ལེགས Que absolutamente todos os Seres Sencientes possam se beneficiar destes ensinamentos.

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