Páscoa - O que celebramos?
Páscoa - Simbolismo Gnóstico
Simbolizada pela comunhão do pão e do vinho dos doze apóstolos.
O portal da iniciação abre-se para o servidor resoluto e dedicado que aceita beber o cálice amargo da vida de serviço.
"Pois qual é maior: quem está à mesa, ou quem serve? Porventura não é quem está à mesa? Eu, porém, entre vós sou como aquele que serve." Mestre Jesus, o Cristo (Lucas 22:27)
Os sofrimentos intensos pelos quais passa o iniciado que aceita carregar a cruz do mundo e assumir parte do pesado carma da humanidade são representados nos evangelhos pelos dolorosos relatos da paixão do Senhor.
A morte para o mundo e a ressurreição para a vida eterna, os dois aspectos complementares que simbolizam a iniciação, têm lugar em Jerusalém, a cidade santa.
Toda a cena e seus personagens, no seu sentido esotérico, deve ser entendida como simbólica. Mestre Jesus e seus doze apóstolos simbolizam a totalidade do ser humano, sendo a casa onde ocorre a ceia a representação do corpo físico, o templo de Deus.
A ceia tem lugar no pavimento superior (Lc 22:11), ou seja, num estado de consciência elevado.
Mestre Jesus representa a natureza divina do homem, o Cristo interior.
Os doze apóstolos personificam as características do homem no mundo, com suas qualidades e fraquezas.
Pedro, por exemplo, representa a impulsividade e pusilanimidade do homem que ainda não aprendeu a controlar suas emoções. Judas, a ambição, simboliza o lado sombra que acompanha todo discípulo até as últimas etapas do caminho. João, o discípulo que Jesus amava, retrata a alma, a unidade de consciência, que busca a inspiração do Alto, simbolicamente reclinando sua cabeça (símbolo da mente) sobre o coração de Jesus (símbolo do Cristo interior), para aí permanecer no aguardo da Graça Divina.
A sagrada eucaristia representa a integração do ser humano. Os aspectos da natureza humana, com suas negatividades e qualidades, os doze discípulos, recebem do Mestre Jesus, o pão e o vinho, símbolos da carne e sangue do Cristo, com a admoestação: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6:53).
Obviamente Jesus estava falando em linguagem cifrada, indicando que a carne do Cristo significa o conhecimento espiritual, o sagrado alimento que confere iluminação ao intelecto humano.
O sangue de Cristo simboliza a vida divina, o fluido essencial que constantemente se verte sobre todo o universo, sem a qual nenhum ser poderia viver.
A consciência da divina presença no homem iluminado confere a certeza da imortalidade da natureza superior do homem, a vida eterna de que nos fala a Bíblia.
Após a exaltação conferida pela terceira iniciação, a inexorável lei divina da harmonia leva o iniciado a experimentar o seu oposto.
No relato bíblico isso é apresentado como a experiência no Getsêmani, que ocorre apropriadamente após a ceia pascal (Mt 26:36-45).
Mestre Jesus convida três de seus discípulos mais próximos a acompanhá-lo, para juntos orarem.
Mas naquele momento de angústia, em que o iniciado descortina sua missão e os sacrifícios e sofrimentos que lhe sobrevirão, ele verifica que está só.
Não conseguirá nenhum apoio externo ou interno nesse momento de solidão, o que é simbolizado nos evangelhos pelos discípulos dormindo durante a oração (Mt 26:40-45).
Numa atitude normal a qualquer ser humano, ao perceber o intenso sofrimento que lhe aguardava, Mestre Jesus invoca a Deus e diz: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice” (Lc 22:42).
Porém, como iniciado comprometido com a missão de redenção da humanidade, aceita as conseqüências de uma vida altruísta de total desapego, ainda que ao preço de sua própria vida, e submete-se humildemente à vontade divina.
O iniciado deve entrar nesse elevado estado de consciência em plena posse de suas faculdades humanas, ou seja, num corpo físico.
Isso é simbolizado pela entrada de Jesus em Jerusalém montado num jumento, um quadrúpede domesticado, que representa os quatro corpos inferiores do homem (físico, etérico, astral e mental concreto) devidamente disciplinados.
O estágio do sofrimento parece ser o companheiro inseparável do iniciado.
Na estória de Jesus, começa com o sofrimento psíquico antecipado no Getsêmani, onde ele se sente terrivelmente solitário e sem o apoio de seus discípulos.
No desenrolar dos acontecimentos, segue-se a traição de um discípulo e a fuga dos outros quando se sentem ameaçados.
Cristo é escarnecido e insultado pela multidão enfurecida, representando as paixões dos homens que sempre zombam da natureza divina.
Depois ele é açoitado e espancado pelos soldados, que são os condicionamentos da natureza inferior que seguem as ordens de nosso inconsciente, sempre preocupado com a manutenção do status quo de nossa vida mundana.
O julgamento é feito por Pilatos, o governante da ordem exterior, que simboliza a personalidade.
Mestre Jesus, o Cristo, responde a famosa pergunta de Pilatos com um anagrama (utilizando todas as letras originais da pergunta na resposta) :
"Quid Est Veritas ?" O que é a verdade?
"Est Vir Qui Adest ! É o homem que está diante de você!
A personalidade, ao lavar as mãos, procura, como sempre, justificar-se alegando não ter culpa por condenar um inocente, pois está atendendo ao clamor da plebe (as paixões) e à recomendação dos sacerdotes, os líderes da natureza inferior, que representam o egoísmo, a ignorância, o orgulho e a ambição.
Seguindo a tradição, Pilatos pergunta ao povo se prefere a libertação de Jesus ou do criminoso Barrabás.
As paixões pedem a crucificação da natureza divina e a libertação do criminoso com o qual, em sua ignorância, identificam-se.
Porém, Barrabás significa, em aramaico, o filho do pai. Portanto, a natureza inferior, mesmo com a conivência da personalidade, jamais conseguirá matar o Cristo.
Ao exigir a libertação do usurpador Barrabás, estará simplesmente permitindo que o filho do Pai celestial, que é a alma ignorante de sua verdadeira natureza, continue a vagar pelo mundo até redimir-se de todos seus crimes contra a grande Lei para, então, retornar à casa paterna como o Cristo triunfante.
O relato da paixão de Jesus representa a via crucis de todos os que passam pela quarta iniciação: devem morrer para o mundo para alcançar a consciência permanente do Reino de Deus, a consciência da vida eterna.
Paulo descreve essa experiência: “Fui crucificado junto com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2:19-20).
É interessante notar que a crucificação tem lugar no monte Gólgota, ou calvário, que significa a caveira.
A culminação dessa importante iniciação ocorre mais uma vez num monte, uma clara indicação de um estado elevado de consciência.
O Golgota representa o crânio humano, o lugar físico onde a consciência divina é crucificada.
Mestre Jesus, expressando a consciência divina, é crucificado entre dois malfeitores, um dos quais seria o bom ladrão (Lc 23:39-43).
Os dois ladrões simbolizam os dois aspectos da mente, um dos quais se volta para o alto e segue o Salvador rumo ao Reino dos Céus.
O túmulo na rocha no qual Jesus teria sido enterrado é também outra representação de que o Cristo espiritual é enterrado no plano mais denso da manifestação, o plano físico, de onde só é libertado após cumprir sua missão terrena.
É dito no Credo dos Apóstolos que, após a morte, Jesus “desceu ao inferno e ao terceiro dia ressuscitou dos mortos.”
Na Bíblia é dito que: “Morto na carne, foi vivificado no espírito, no qual foi também pregar aos espíritos em prisão” (1 Pd 3:19).Para os antigos o inferno não tinha a conotação de tormento eterno estabelecida mais tarde pela igreja.
O inferno era tido como uma região ou lugar oculto, o Hades dos gregos, enfim, um submundo habitado pelas pessoas que deixavam o corpo físico para trás.
Essa passagem pode ser interpretada de duas formas: uma psicológica e outra esotérica.
A conotação psicológica é que o iniciado só pode alcançar a libertação quando desce ao inferno de seu inconsciente e liberta seu lado sombra.
Ele só pode ser livre quando não existirem mais condicionamentos inconscientes em sua natureza inferior.
A interpretação esotérica é que todo iniciado deve descer ao mundo astral e levar a luz e a esperança para as almas atormentadas pelo remorso dos erros cometidos quando encarnadas no mundo.
A morte e a ressurreição do Cristo representam alegoricamente a quarta iniciação. O que morre não é o corpo físico, mas o sentido pessoal de separatividade.
O que ressurge dos mortos é a alma agora consciente da unidade com o Todo e com todos os seres.
A partir desse momento a alma pode deixar o sepulcro terreno, que é o corpo físico, sem nenhum lapso de consciência e entrar nas regiões superiores do mundo celestial.
A vivência da unidade confere ao iniciado uma profunda compaixão.
Para os budistas e hinduístas, aquele que recebeu a quarta iniciação é chamado de Arhat, sendo conhecido como o liberto que não mais precisa retornar ao mundo dos homens, tendo merecido o descanso paradisíaco no que chamam de Nirvana.
A maior parte dos Arhats, no entanto, movidos pela suprema compaixão, comprometem-se a permanecer na esfera terrena para ajudar na libertação de todas as almas sofredoras, até o fim dos tempos.
A alma (Jesus) agora venceu a morte, porque morreu para o mundo.
Simbolizando o término de seu ministério terreno, o iniciado diz, como Mestre Jesus na cruz: “Está terminado” (Jo 19:30) e “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23:46).
No relato bíblico Mestre Jesus retorna dos mortos e fica algum tempo instruindo seus discípulos, preparando-os para prosseguirem com o ministério de salvação das almas.
Esse retorno ao mundo terreno, seja num corpo físico, seja num corpo sutil, dependendo dos textos consultados, comprova o compromisso do iniciado em permanecer em nossa esfera terrena instruindo e ajudando a humanidade.
Chega finalmente o dia que, em grande glória, ele ascende ao céu.
No texto Pistis Sophia a ascensão é descrita de forma tocante, com a descida de anjos portando seus mantos de luz.
Uma vez envolvido na luz, Mestre Jesus é transfigurado e seus discípulos não podem agüentar o brilho de sua luz até que Mestre Jesus desaparece no alto.
Mestre Jesus, como todo o adepto que recebeu a quinta iniciação, pode agora dizer: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10:30).
O objetivo dessa Tradição não é formar meros devotos, ou cristãos tradicionais, mas sim verdadeiros Cristos, nascidos na gruta do coração, sendo batizados, transfigurados, mortos e sepultados, ressurgindo dos mortos e, finalmente, ascendendo em glória aos céus, para permanecerem à direita do Pai.
Essa é a via mística, trilhada por tantos milhares de buscadores sinceros ao longo dos séculos.
Nela todos os ensinamentos e passagens da vida do Cristo retratam a vida de sua própria alma.
Se for bem sucedido nesse propósito, o místico perceberá que as palavras do Cristo eram dirigidas a ele: “Eu vos digo, verdadeiramente, que alguns que aqui estão presentes não provarão a morte até que vejam o Reino dos Céus” (Lc 9:27).
Será excelsa a glória daqueles que alcançarem a perfeição, conforme se pode aquilatar nas palavras do Cristo registradas no Livro do Apocalipse:
“Ao vencedor concederei sentar-se comigo no meu trono, assim como eu também venci e estou sentado com meu Pai em seu trono” (Ap 3:21).
Raul Branco
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