quarta-feira, 3 de abril de 2013

O Quinto Evangelho Tomé

 
Cristianismo interior e exterior


No século iv d.C. aconteceu um drama de grandes consequências para o cristianismo primitivo.

Desde a época do imperador Constantino (280-337 d.C.), desenrolou-se um jogo político para separar o cristianismo interior verdadeiro que cada ser humano pode vivenciar do cristianismo do Estado romano, utilizado, sobretudo, como instrumento de poder. Um capítulo importante desse drama foi a consolidação das assim chamadas primeiras escrituras legítimas da Igreja, inicialmente denominadas “os novos testamentos romanos”, que logo passaram a ser chamados de “O Novo Testamento”. Contudo, em 1945, foi encontrado o Evangelho de Tomé.

Assim começa o Evangelho de Tomé: “Quem descobrir o sentido destas palavras não provará a morte”. Ora, em vez de suscitar uma séria investigação, essas palavras foram simplesmente taxadas de heréticas e não foram consideradas verdadeiras.

Como se chegou a isso? Será que o verdadeiro sentido dessas palavras foi descoberto?

No início do cristianismo, os diversos agrupamentos apresentavam diferenças nos conceitos,e isso não constituía um problema.

Até o dia em que Irineu, um padre da Igreja do século ii, se inquietou. Segundo ele, não poderia existir senão uma única Igreja. E somente os membros dessa Igreja eram, no seu ponto de vista, os cristãos ortodoxos, os que possuíam a fé verdadeira.

Entre os que ele não considerava como ortodoxos estavam os gnósticos Valentino, Basilides, Montano e Marcion.

Pouco a pouco, as idéias de Irineu prevaleceram, de modo que, no final do século iv d.C., a Igreja tornara-se uma instituição sólida.

Foi possível então estabelecer um regimento severo com medidas de grande alcance:

• Foram definidos em um cânone quais livros eram sagrados e quais não eram, quais os escritos que, de maneira definitiva, deviam fazer parte da Bíblia.
• Foi colocado apenas um bispo no comando da Igreja.
• Tudo em que se devia crer foi incluído na doutrina da Igreja.

Essa doutrina foi cada vez mais elaborada e definida com detalhes em sucessivos concílios.

As consequências dessas medidas são evidentes, visto que mesmo a descoberta de aproximadamente trinta e cinco antigos evangelhos, em 1945, não modificou um velho cânone de quase dois milênios, e mesmo que a imagem de Jesus de Nazaré apresentada pela doutrina da Igreja não corresponda de modo algum à dos evangelhos descobertos no último século.

Alguns desses documentos, bem anteriores à época de Irineu, apresentam ensinamentos de como os primeiros cristãos viviam e trabalhavam.

É preciso dizer que, à primeira vista, a imagem de Jesus de Nazaré que a Igreja apresenta não é muito clara.

Em realidade, não foi senão em 451 d.C., no concílio de Calcedônia, que tiveram fim os debates sobre a seguinte questão:

De que modo se concilia em Jesus a natureza divina e a natureza
humana?

Atanásio, em seu credo, formula essa questão de forma concisa: “Ainda que ele seja ao mesmo tempo Deus e homem, contudo não são dois, mas um só Cristo”.

Ao lado disto se faz necessário citar esse fragmento do Credo dos Apóstolos um artigo de fé da Igreja católica: “Creio em Deus e em Jesus Cristo, seu Filho unigênito”.

Observe-se a clássica concepção: Deus não tem senão um filho, nascido na terra, tanto homem quanto Deus.

Nas manifestações gnósticas, como aquelas dos mistérios, o homem-Deus, o homem divino, é uma figura bem conhecida.

Essa concepção refere-se a um nascimento divino que pode acontecer no ser humano.

Essa idéia pode ser reconhecida no cristianismo primitivo.

No batismo de Jesus, o Evangelho de Lucas menciona: “E ouviu-se uma voz do céu, que dizia: Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo” (Lc 3:22).

Ora, alguns padres da Igreja incluem ainda essas palavras que encontramos em Salmos: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Sl 2:7).

Neste caso, em ambas as situações, isso significa que o nascimento divino acontece durante a vida de Jesus e não por ocasião do seu nascimento.

Da passagem mencionada em Salmos 2:7 se pode depreender que
o nascimento divino pode ter lugar no curso da vida de um ser humano, e pode ser interpretado como concernente unicamente a Jesus.

O mesmo ocorre no Evangelho de João com o epíteto “Filho unigênito”, querendo significar que Deus não tem senão um único filho.

No entanto, o que consta literalmente é nascido de “um”, que significa: procedendo da energia única, invisível, incognoscível, e manifestando-se como luz, como revelação. “Nascido de Deus.”

Estes versículos foram, sem duvida, incluídos mais tarde, pois em dois versículos anteriores (Jo 1:11-13) há referências à questão do nascimento divino no ser humano: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, […] os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”.

À primeira vista, os Evangelhos de Lucas e de Mateus enfatizam o nascimento físico de Jesus. Particularmente o Evangelho de Lucas.

Sua narrativa da natividade está de tal forma voltada para o aspecto material que, geralmente, apenas é interpretada segundo o teor histórico. Mateus começa pela genealogia de Jesus, acentuando seu lado humano: “Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão.” (Mt 1:1). Lucas fala de um “sendo (como se cuidava) filho de José” (Lc 3:23), e ele termina sua genealogia dizendo: “[…] de Adão, e Adão, de Deus” (Lc 3:38).

Isso tudo faz saltar aos olhos que não é somente uma questão da divindade de Jesus, mas, acima de tudo, da origem divina do homem. Ao longo de toda a história da Igreja, a isso se deu pouca
atenção.

Os estudiosos discutem ainda com respeito à datação deste evangelho. Não obstante, existem sólidos argumentos para situar a data mais antiga em torno do ano 50 d.C., enquanto que o Evangelho de Marcos é o primeiro que vem a seguir, por volta do ano 60 d.C.

Diferentemente dos quatro evangelhos da Bíblia, o de Tomé não nos relata uma história.

Trata-se de um conjunto de dizeres de Jesus (os assim chamados “logia”, plural de “logion”), sem menção nenhuma a sua vida.

Também não há referências ao sofrimento ou à ressurreição.

Desse modo, o Evangelho de Tomé, mais livre, foi, por isso, menos sujeito a toda sorte de interpretações.

Mestre Jesus, neste evangelho, não se denomina filho de Deus.

Ao contrário, ele menciona a origem divina de seus discípulos, como no logion 50:

“Se vos disserem: De onde viestes? Respondei-lhes: Viemos da Luz, do lugar de onde a Luz veio a ser por si mesma. Ela estabeleceu-se e manifestou-se mediante a imagem deles. Se vos disserdes: Quem sois vós? Dizei: Somos seus filhos e somos os eleitos do Pai vivo”.

Com base nisso os discípulos se tornam conscientes de serem, eles mesmos, filhos do Pai vivo. No logion 108, Jesus afirma:

“Quem beber de minha boca tornar-se-á como eu”.

E quando Jesus fala de si mesmo no logion 77, ele o faz da seguinte maneira:

“Eu sou a luz que está acima de todos eles. Eu sou o universo. O universo provém de mim, e o universo voltou a mim. Fende um pedaço de madeira, e lá estarei. Levanta uma pedra, e lá me encontrarás”.

Essas palavras põem em evidência o caráter universal do Evangelho de Tomé, caráter esse que não está presente de forma tão pronunciada nos outros evangelhos.

Aqui encontramos um paralelo com o taoísmo. Quando Chuang Tsé explica a um discípulo que o Tao é onipresente, este lhe pergunta: “O senhor pode ser um pouco mais claro?” Chuang Tsé mostra-lhe uma formiga; o discípulo não compreende; em seguida, ele mostra-lhe uma erva daninha, mas o discípulo ainda não compreende. Por fim, ele mostra-lhe um grão de areia.

Esta noção também está presente na Gnosis egípcia quando Hermes diz a Asclépio:

Quem conhece a si mesmo conhece o universo”.

O importante aqui é que no Evangelho de Tomé temos a oportunidade de ir além das interpretações históricas, de poder reconhecer a origem divina do ser humano e de passar a viver do que é eterno em nós mesmos:

“Dizei-nos, como será nosso fim?”. Disse Jesus: “Já descobristes o início para já estardes procurando o fim? Porque ali onde está o início, ali também está o fim. Bem-aventurado o que se encontra no início, porque ele conhecerá o fim e não provará a morte”
Enquanto existir uma luz na individualidade mais recôndita da natureza humana, enquanto existirem homens e mulheres que se sintam semelhantes a essa luz, sempre haverá Gnósticos no mundo.

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