sábado, 6 de abril de 2013

Coração Puro

 
 
Em uma carta de Valentino, lemos o seguinte:

“Há um Bem único, que se manifesta livremente mediante o Filho. Apenas por meio dele o coração pode se purificar, e isso apenas quando a essência do mal é dali extirpada.

Agora, sua pureza está obstruída por várias essências que fizeram morada no coração, pois cada uma delas executa sua própria ação, oprimindo-o de diversas maneiras, mediante desejos impróprios.

Assim, a impureza do coração foi negligenciada durante tanto tempo, que agora ele é a morada de numerosos demônios. Mas, quando o Pai Todo Bem observa o coração, ele o santifica e o ilumina. E quem possui tal coração é tão abençoado que ‘verá Deus’”.

Possuir um coração tão puro que possa ver Deus continua sendo uma realidade para os cristãos gnósticos valentinianos. Valentino não se refere ao coração como órgão físico, mas como centro espiritual de sabedoria que se situa no mesmo nível que o coração físico.

Num outro texto, ele declara: “Muito do que está escrito nos livros de hoje encontrava-se na igreja de Deus. Porque esses ensinamentos fragmentários são as palavras procedentes do coração, a lei escrita no coração. Trata-se aqui do grupo dos ‘bem-amados’, que são por ele amados e que o amam”.

Quem é o bem-amado? O “ser” no coração, a centelha-de-luz espiritual, o eterno peregrino que reencarna na matéria.

Os que trazem em si esse princípio vivente e consciente são homens espirituais (pneumáticos).

“Pois os gnósticos sabem que existem seres espirituais originais que vêm habitar as almas e os homens de luz.  Antes da queda no mundo dos sentidos e do pecado, eles se encontravam no mundo espiritual superior.

Agora, graças ao autoconhecimento, eles se apressam a regressar, redimidos e libertos do mundo inferior.

Todos nascemos, mas nesse momento renascemos no mundo do Espírito”.

É-se um gnóstico quando se sabe, por revelação, qual é o seu ser autêntico e sua verdadeira essência.

As outras religiões são orientadas para Deus de diferentes maneiras.

Os gnósticos se orientam para o interior de si próprios.

Interessam-se pelas particularidades mitológicas referentes à origem do universo e da humanidade unicamente como expressões de si mesmos e fonte de autocompreensão.

“Abandona a busca de Deus, da criação e de outras coisas similares. Busca-o examinando a ti mesmo. Aprende quem é aquele que torna suas todas as coisas e diz: Meu Deus, meu pensamento, minha alma, meu corpo.

Descobre a origem de tuas preocupações, de tua alegria, do teu amor do teu ódio.

Pondera de que maneira olhas-te, zangas-te, ressentes amor e paz sem que o queiras.

Quando tiveres observado cuidadosamente essas coisas, encontrá-lo-ás, em ti mesmo,” declara Monoimus, autor gnóstico do século II.

E o Pai da Igreja, Irineu de Lyon*, escreve a respeito de Valentino e dos gnósticos: “Acreditam de fato que o conhecimento da inexprimível grandeza constitui a perfeita remissão. Pois, segundo eles, as imperfeições e as paixões provêm da ignorância; a Gnose desagrega a substância que as constitui; e é por isso que a Gnose liberta o homem interior.

Este não é, por conseguinte, de natureza material, com efeito, o corpo é mortal, e muito menos de natureza animal. Por essa razão a libertação deve ser de natureza espiritual, pois a alma animal é o resultado das imperfeições, mas é a morada do Espírito.

A libertação deve, portanto, ser de natureza espiritual, pois confirma que o homem interior e espiritual foi expiado pela graça da Gnose e que os que alcançaram a Gnose de todas as coisas já nada desejam. Aí está a verdadeira libertação”.

Atualmente começa-se a reconhecer as origens gnósticas do cristianismo. Conseqüentemente, Valentino deve retomar o lugar que merece como um dos mais importantes representantes da Gnose do início da era cristã. A idéia gnóstica da libertação interior e autônoma do ser humano continua ativa dentro da vasta perspectiva da espiritualização de sua consciência na força de Cristo.

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