terça-feira, 16 de março de 2010

Mestre Jesus, o Cristo seu caminho

A chave para o entendimento de nossa tradição esotérica ocorre somente quando o devoto consegue integrar o relato bíblico em sua realidade interior é que a mensagem do Mestre Jesus realmente começa a trabalhar em sua alma. Isso é feito quando despertamos para o fato de que os relatos evangélicos não são meramente acontecimentos históricos de um passado distante, mas sim, a história de nossa própria alma. A chave que abre esse entendimento é a compreensão do simbolismo e da alegoria implícitos na mensagem evangélica.


A comovente história da vida de Jesus, como relatada nos quatro evangelhos, mais do que um relato biográfico exato da vida do Mestre, retrata, segundo um método velado da tradição milenar dos Mistérios, ensinamentos esotéricos profundos sobre a vida de cada filho de Deus, de cada um de nós.

Não é nosso propósito questionar a historicidade do relato bíblico que por tantos séculos serviu de esteio à devoção de milhões de fieis. O Vaticano, porém, ciente de uma série de incongruências nos relatos bíblicos da vida de Jesus, vem estimulando estudos para elucidar diversas questões históricas, inclusive a verdadeira data do nascimento e da morte de Jesus, um problema insolúvel para os historiadores há séculos. No relato bíblico a data apresentada para o nascimento de Jesus é fixa, porém a de sua morte é variável, uma indicação de que o relato é mítico e não histórico. O recém-nascido Jesus teria sido perseguido por Herodes, porém, é sabido que esse personagem histórico reinou na Palestina no período de 37 a 4 antes de nossa era, tendo morrido, portanto, quatro anos antes do suposto nascimento daquele a quem ele teria mandado matar. Esse e outros problemas históricos relativos à vida de Jesus não são objeto de nosso estudo.

Tampouco examinaremos os paralelos da vida do Mestre Jesus, o Cristo com os relatos da vida de outros grandes personagens das mais diversas tradições, como Krishna, Odin, Baal, Indra, Zoar, Alcides, Mikado, Thor, Quexalcote, Fohi, Tien, Adônis, Quirinus, Prometeu, Maomé, Mitra, Hórus, Dionísio, Zaratustra e Buda, para citar alguns.[1] Ainda que alguns estudiosos tenham sugerido que a vida de Jesus é mais um exemplo do mesmo mito solar representado em outras tradições, especialmente na tradição egípcia, na qual Mestre Jesus era versado, essas considerações não são centrais para a nossa tese.[2]

Para o verdadeiro cristão convencido de que o Reino de Deus está em seu interior e que ele pode ser alcançado pela metanoia, o importante é saber que o relato dos evangelhos descreve de forma alegórica os cinco estágios, ou iniciações, pelos quais todo buscador terá que passar até atingir a meta suprema da perfeição.

Se o Reino está no interior de cada um, com mais razão ainda estará o Cristo.

A importância desse ensinamento foi reiterada por Paulo que, em inúmeras passagens de suas epístolas, orienta-nos para o Cristo em nós, a esperança de glória. O amadurecimento espiritual faz com que as barreiras da separatividade sejam progressivamente destruídas. Para o místico, o Cristo não é mais uma figura separada no tempo e no espaço, mas uma realidade permanente em seu coração, que deve ser vivenciada aqui e agora.

Procuraremos examinar, portanto, o relato evangélico como a descrição da verdade eterna dos grandes marcos iniciáticos da vida de todo filho de Deus na etapa final de retorno à casa do Pai. Esse enfoque não diminui em nada o respeito e veneração que devemos sentir por Jesus, o Mestre que demonstrou de forma pungente como é possível alcançar-se a medida da estatura da plenitude do Cristo.

O personagem central, Jesus, simboliza o Cristo interior, que procura de forma ingente trazer sua mensagem redentora a nossa natureza inferior. Os principais eventos da vida de Jesus serão interpretados a seguir como marcos referenciais das cinco grandes iniciações, por que passam todos grandes mestres.[3]


Primeira iniciação: o nascimento
O primeiro passo na senda da perfeição é o nascimento do Cristo. Ele é a luz do mundo, que permanece dormente em todos os seres até ser despertado em nossa consciência. Os relatos evangélicos apresentam uma riqueza de detalhes sobre o evento. A luz do Cristo nasce sempre quando as trevas são mais profundas no mundo, daí seu nascimento ser apresentado pela Igreja como ocorrendo em 25 de dezembro, data do equinócio do inverno, a noite mais longa do ano no hemisfério norte, onde ocorre o exemplo histórico. A luz do sol aparece nessa data sob o signo de virgem.


Mestre Jesus representa a centelha divina no homem, o Cristo. Sua mãe, Maria, simboliza a alma espiritual, situada no plano mental superior. José, seu pai, figura como a mente inferior. Por isso, não foi José quem gerou a criança, pois a luz da intuição não pode ser gerada pela mente concreta. No entanto, após o nascimento da criança divina ela passa a ser cuidada por esse pai adotivo. Maria e José, portanto, formam um casal, a mente superior e a inferior, sendo, nesse sentido, os pais do Cristo. O Cristo é concebido pelo Espírito de Deus, sendo a conceição imaculada anunciada a Maria pelo mensageiro divino, o arcanjo Gabriel, a expressão da vontade divina criativa.

A anunciação é uma experiência interior pela qual todo iniciado deve passar. Nessa ocasião, a consciência do homem começa a desabrochar expandindo sua capacidade intelectiva e percepção psíquica. Trata-se de um verdadeiro nascimento dentro da alma, aludido por Paulo alegoricamente: “meus filhos, por quem eu sofro de novo as dores do parto, até que Cristo seja formado em vós” (Gl 4:19).

No plano de Deus a harmonia está sempre presente. Toda vez que o pêndulo da vida estende-se para um extremo, deve inevitavelmente oscilar a seguir para o outro. Assim, depois do despontar da luz, da boa nova do nascimento divino, a força das trevas faz-se sentir, procurando trazer a morte.

Herodes, o governante exterior, personifica as forças das trevas que combatem a luz .[4]

No ser humano, Herodes representa a personalidade autocentrada, a força do passado, que teme o nascimento da luz no interior do ser, pois o Cristo, a esperança do futuro, necessariamente provocará uma revolução, ameaçando o controle das forças da materialidade e do egoísmo que mantêm o homem prisioneiro. Para que as forças trevosas do mal não matem o recém-nascido, a divina família deve fugir para o Egito, terra dos mistérios e santuário onde os iniciados eram e ainda são instruídos.


A cena do Natal, rememorada com profunda alegria por milhões de cristãos todos os anos, está repleta de símbolos. O estábulo, ou gruta, representa o corpo físico que abriga em seu interior todos os membros da família divina, que são os diferentes princípios do homem. A manjedoura, onde o Cristo menino está reclinado, utensílio usado na alimentação dos animais, representa o corpo vital ou etérico que preserva e distribui o prana, ou força vital do sol, pelo corpo físico. Os carneiros e as vacas representam as emoções. Para que o Cristo possa nascer pressupõe-se que esses animais tenham sido domesticados, ou seja, que as emoções do candidato à iniciação tenham sido disciplinadas e purificadas.


Os pastores representam os irmãos mais velhos e guias da humanidade, os Mestres que sempre comparecem às cerimônias de iniciação. Paulo refere-se a esses guias como “os justos que chegaram à perfeição” (Hb 12:23). Os três reis magos, que vieram do oriente (de onde vem a luz), simbolizam os três aspectos da divindade. Eles trazem presentes (ouro, incenso e mirra) ao jovem iniciado, expressando os aspectos espirituais do poder, do amor e da sabedoria. Com esses presentes a alma recém-iluminada, ou o Cristo-criança recém-nascido, está capacitado a empreender sua missão. Os reis magos são guiados pela estrela de Belém, o pentagrama que cintila acima da cabeça do hierofante sempre que um rito iniciático está em andamento.


Os evangelistas, como iniciados, conheciam claramente a linguagem sagrada e assim apresentaram um relato alegórico que preserva para todos os que têm olhos para ver a mensagem auspiciosa de que Cristo aguarda a oportunidade para nascer na consciência de todos os que aspiram alcançar o Reino dos Céus.

Quando esse nascimento virginal ocorrer, a luz crística na alma do iniciado passará a derramar suas bênçãos sobre toda a natureza inferior do homem, estimulando sua capacidade intelectual, percepção e sensibilidade. A expansão de consciência conseqüente faz com que a unidade de todos os seres deixe de ser meramente um conceito intelectual para tornar-se, ainda que momentaneamente, uma profunda experiência de vida.



Segunda iniciação: o batismo

O batismo de Jesus por João Batista representa a segunda grande iniciação. A imersão nas águas do Jordão tem um profundo significado místico. A água sempre foi usada como símbolo das emoções e paixões. Para que um iniciado possa capacitar-se a agir como um instrutor e salvador de almas, torna-se necessário que passe por essas experiências, que compartilhe a dor do mundo. Assim, o mergulho nas águas simboliza essa profunda experiência de sintonia com a dor de todos os que sofrem e anseiam por uma vida de felicidade, saúde e harmonia. Ao aceitar voluntariamente compartilhar a dor do próximo, o iniciado assinala ocultamente que está pronto para receber a Graça divina.


O Poder divino é conferido quando, simbolicamente, Jesus emergiu da água e “os céus se abriram e ele viu o Espírito de Deus descendo como uma pomba e vindo sobre ele” (Mt 3:16). O iniciado que se compromete a servir a Deus na labuta de salvação da humanidade demonstra ser um filho dileto do Pai, o que é confirmado por uma voz celestial que afirma: “Este é o meu filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3:17).
A segunda iniciação confere uma nova expansão de consciência e maiores poderes ao iniciado. O princípio intelectual, em particular, recebe um considerável estímulo. A capacidade analítica é consideravelmente aumentada, o que pode tornar o indivíduo demasiadamente crítico, orgulhoso e até mesmo materialista. Esse perigo é a contrapartida dos novos poderes concedidos. Assim como após a primeira iniciação os poderes da matéria se fizeram sentir na perseguição simbólica de Herodes, agora o iniciado enfrenta o mesmo processo numa volta mais alta da espiral. Jesus é, então, levado ao deserto para ser tentado pelo diabo (Mt 4:1).

O diabo simboliza o lado sombra do homem, os resquícios de orgulho, egoísmo e ambição pelo poder. O deserto simboliza o período de aridez espiritual que se segue a toda experiência de exaltação espiritual, como é testemunhado por todos os místicos. Durante esse estado interior de aridez, simbolizado pelos quarenta dias de jejum de Jesus, a personalidade é tentada a usar seus novos poderes para saciar sua fome, para obter posses e prestígio.

O mesmo Jesus que mais tarde alimentaria com seus poderes teúrgicos cinco mil homens (Lc 9:14-17), recusa-se a usar seus poderes para transformar pedra em pão para satisfazer suas necessidades pessoais. Ao contrário de Jesus, que responde com sabedoria e determinação a todas as tentações do diabo interior, muitos iniciados não resistem às tentações do mundo, especialmente ao orgulho e à ambição. Enquanto esses tentadores trevosos não forem definitivamente derrotados, o iniciado continuará marcando passo nessa etapa da senda. Por isso, é dito que o período entre a segunda e a terceira iniciação tende a ser um dos mais demorados a ser vencido pela maior parte dos iniciados.

Depois de receber seus novos poderes, o iniciado inicia sua missão no mundo, o que é simbolizado pela passagem em que: “Jesus percorria toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando toda e qualquer doença ou enfermidade do povo” (Mt 4:23).

Terceira iniciação: a transfiguração.
A terceira iniciação é geralmente representada na vida de Jesus pela transfiguração. É possível que esse acontecimento tenha sido inserido no lugar errado no relato bíblico, pois, no texto de Pistis Sophia, a transfiguração ocorre após a ressurreição de Jesus dos mortos como parte do processo de iluminação suprema do Mestre, simbolizado pela ascensão ao céu.[5]


Nas duas hipóteses, a transfiguração retrata o processo de iluminação, que na terceira iniciação é parcial, enquanto na quinta é total e definitiva. O relato menciona que a cena ocorre num monte (Mt 17:1-8), o que significa uma elevação do estado de consciência. Assim como na primeira iniciação os pastores de alma estavam presentes, também nessa ocasião os predecessores de Jesus no caminho da perfeição (Moisés e Elias) participam desse momento de glória.

Mas, se a transfiguração realmente tiver ocorrido como parte da quinta iniciação, qual seria, então, a passagem bíblica representativa da terceira iniciação? Certamente a eucaristia, o misterioso banquete divino. Mestre Jesus anuncia que desejava participar da páscoa com seus discípulos e que não a comeria até que ela se cumprisse no Reino de Deus (Lc 22:16). Ora, como foi dito anteriormente, o Reino de Deus é o estado de consciência da unidade, que é justamente alcançado quando a natureza superior do homem comunga com sua natureza inferior, o que é simbolizado pela eucaristia.

A terceira iniciação seria, então, simbolizada pela comunhão do pão e do vinho dos doze apóstolos. Toda a cena e seus personagens, no seu sentido esotérico, deve ser entendida como simbólica. Mestre Jesus e seus doze apóstolos simbolizam a totalidade do ser humano, sendo a casa onde ocorre a ceia a representação do corpo físico, o templo de Deus.


A ceia tem lugar no pavimento superior (Lc 22:11), ou seja, num estado de consciência elevado. Jesus representa a natureza divina do homem, o Cristo interior. Os doze apóstolos personificam as características do homem no mundo, com suas qualidades e fraquezas.[6] Pedro, por exemplo, representa a impulsividade e pusilanimidade do homem que ainda não aprendeu a controlar suas emoções. Judas, o traidor, com sua cobiça e ambição, simboliza o lado sombra que acompanha todo discípulo até as últimas etapas do caminho. João, o discípulo que Jesus amava, retrata a alma, a unidade de consciência, que busca a inspiração do Alto, simbolicamente reclinando sua cabeça (símbolo da mente) sobre o coração de Jesus (símbolo do Cristo interior), para aí permanecer no aguardo da Graça Divina.

A sagrada eucaristia representa a integração do ser humano. Os aspectos da natureza humana, com suas negatividades e qualidades, os doze discípulos, recebem do Mestre Jesus, o pão e o vinho, símbolos da carne e sangue do Cristo, com a admoestação: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6:53).

Obviamente Jesus estava falando em linguagem cifrada, indicando que a carne do Cristo significa o conhecimento espiritual, o sagrado alimento que confere iluminação ao intelecto humano. O sangue de Cristo simboliza a vida divina, o fluido essencial que constantemente se verte sobre todo o universo, sem a qual nenhum ser poderia viver. A consciência da divina presença no homem iluminado confere a certeza da imortalidade da natureza superior do homem, a vida eterna de que nos fala a Bíblia.[7]

Após a exaltação conferida pela terceira iniciação, a inexorável lei divina da harmonia leva o iniciado a experimentar o seu oposto. No relato bíblico isso é apresentado como a experiência no Getsêmani, que ocorre apropriadamente após a ceia pascal (Mt 26:36-45). Mestre Jesus convida três de seus discípulos mais próximos a acompanhá-lo, para juntos orarem.



Mas naquele momento de angústia, em que o iniciado descortina sua missão e os sacrifícios e sofrimentos que lhe sobrevirão, ele verifica que está só. Não conseguirá nenhum apoio externo ou interno nesse momento de solidão, o que é simbolizado nos evangelhos pelos discípulos dormindo durante a oração (Mt 26:40-45).

Numa atitude normal a qualquer ser humano, ao perceber o intenso sofrimento que lhe aguardava, Mestre Jesus invoca a Deus e diz: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice” (Lc 22:42). Porém, como iniciado comprometido com a missão de redenção da humanidade, aceita as conseqüências de uma vida altruísta de total desapego, ainda que ao preço de sua própria vida, e submete-se humildemente à vontade divina.


Quarta iniciação: morte e ressurreição
O portal da quarta iniciação abre-se para o servidor resoluto e dedicado que aceita beber o cálice amargo da vida de serviço. Os sofrimentos intensos pelos quais passa o iniciado que aceita carregar a cruz do mundo e assumir parte do pesado carma da humanidade são representados nos evangelhos pelos dolorosos relatos da paixão do Senhor.

A morte para o mundo e a ressurreição para a vida eterna, os dois aspectos complementares que simbolizam a quarta iniciação, têm lugar em Jerusalém, a cidade santa. O iniciado deve entrar nesse elevado estado de consciência em plena posse de suas faculdades humanas, ou seja, num corpo físico. Isso é simbolizado pela entrada de Jesus em Jerusalém montado num jumento, um quadrúpede domesticado, que representa os quatro corpos inferiores do homem (físico, etérico, astral e mental concreto) devidamente disciplinados.

O estágio do sofrimento parece ser o companheiro inseparável do iniciado. Na estória de Jesus, começa com o sofrimento psíquico antecipado no Getsêmani, onde ele se sente terrivelmente solitário e sem o apoio de seus discípulos. No desenrolar dos acontecimentos, segue-se a traição de um discípulo e a fuga dos outros quando se sentem ameaçados.

Cristo é escarnecido e insultado pela multidão enfurecida, representando as paixões dos homens que sempre zombam da natureza divina. Depois ele é açoitado e espancado pelos soldados, que são os condicionamentos da natureza inferior que seguem as ordens de nosso inconsciente, sempre preocupado com a manutenção do status quo de nossa vida mundana.

O julgamento é feito por Pilatos, o governante da ordem exterior, que simboliza a personalidade. Mestre Jesus é devidamente apresentado como aquele que procura subverter a nação e, quando interrogado por Pilatos, confirma que é o Cristo, rei da natureza humana.

A personalidade, ao lavar as mãos, procura, como sempre, justificar-se alegando não ter culpa por condenar um inocente, pois está atendendo ao clamor da plebe (as paixões) e à recomendação dos sacerdotes, os líderes da natureza inferior, que representam o egoísmo, a ignorância, o orgulho e a ambição.

Seguindo a tradição, Pilatos pergunta ao povo se prefere a libertação de Jesus ou do criminoso Barrabás. As paixões pedem a crucificação da natureza divina e a libertação do criminoso com o qual, em sua ignorância, identificam-se. Porém, Barrabás significa, em aramaico, o filho do pai. Portanto, a natureza inferior, mesmo com a conivência da personalidade, jamais conseguirá matar o Cristo. Ao exigir a libertação do usurpador Barrabás, estará simplesmente permitindo que o filho do Pai celestial, que é a alma ignorante de sua verdadeira natureza, continue a vagar pelo mundo até redimir-se de todos seus crimes contra a grande Lei para, então, retornar à casa paterna como o Cristo triunfante.

O relato da paixão de Jesus representa a via crucis de todos os que passam pela quarta iniciação: devem morrer para o mundo para alcançar a consciência permanente do Reino de Deus, a consciência da vida eterna. Paulo descreve essa experiência: “Fui crucificado junto com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2:19-20).

É interessante notar que a crucificação tem lugar no monte Gólgota, ou calvário, que significa a caveira. A culminação dessa importante iniciação ocorre mais uma vez num monte, uma clara indicação de um estado elevado de consciência. O Golgota representa o crânio humano, o lugar físico onde a consciência divina é crucificada. Jesus, expressando a consciência divina, é crucificado entre dois malfeitores, um dos quais seria o bom ladrão (Lc 23:39-43).

Os dois ladrões simbolizam os dois aspectos da mente, um dos quais se volta para o alto e segue o Salvador rumo ao Reino dos Céus. O túmulo na rocha no qual Jesus teria sido enterrado é também outra representação de que o Cristo espiritual é enterrado no plano mais denso da manifestação, o plano físico, de onde só é libertado após cumprir sua missão terrena.

É dito no Credo dos Apóstolos que, após a morte, Jesus “desceu ao inferno e ao terceiro dia ressuscitou dos mortos.” Na Bíblia é dito que: “Morto na carne, foi vivificado no espírito, no qual foi também pregar aos espíritos em prisão” (1 Pd 3:19).

Para os antigos o inferno não tinha a conotação de tormento eterno estabelecida mais tarde pela igreja. O inferno era tido como uma região ou lugar oculto, o Hades dos gregos, enfim, um submundo habitado pelas pessoas que deixavam o corpo físico para trás. Essa passagem pode ser interpretada de duas formas: uma psicológica e outra esotérica.

A conotação psicológica é que o iniciado só pode alcançar a libertação quando desce ao inferno de seu inconsciente e liberta seu lado sombra. Ele só pode ser livre quando não existirem mais condicionamentos inconscientes em sua natureza inferior. A interpretação esotérica é que todo iniciado deve descer ao mundo astral e levar a luz e a esperança para as almas atormentadas pelo remorso dos erros cometidos quando encarnadas no mundo.[8]

A morte e a ressurreição do Cristo representam alegoricamente a quarta iniciação. O que morre não é o corpo físico, mas o sentido pessoal de separatividade.

O que ressurge dos mortos é a alma agora consciente da unidade com o Todo e com todos os seres. A partir desse momento a alma pode deixar o sepulcro terreno, que é o corpo físico, sem nenhum lapso de consciência e entrar nas regiões superiores do mundo celestial.[9]

A vivência da unidade confere ao iniciado uma profunda compaixão. Ele agora, além de procurar aliviar a dor dos que sofrem injustiças e violências, busca ajudar os injustos e criminosos. Ele sabe que o injustiçado, caso tenha a atitude correta, estará terminando seu ciclo cármico, enquanto o criminoso está iniciando o seu, atraindo para si pesada carga de sofrimento, na justa medida do sofrimento que causou. O iniciado só estará pronto para a quarta iniciação quando puder perdoar aqueles que lhe ferem, bem como os que ferem a todos os fracos e oprimidos, como Mestre Jesus, que em meio à agonia da crucificação, disse: “Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem” (Lc 23:34).


Quinta iniciação: a ascensão ao céu
Para os budistas e hinduístas, aquele que recebeu a quarta iniciação é chamado de Arhat, sendo conhecido como o liberto que não mais precisa retornar ao mundo dos homens, tendo merecido o descanso paradisíaco no que chamam de Nirvana. A maior parte dos Arhats, no entanto, movidos pela suprema compaixão, comprometem-se a permanecer na esfera terrena para ajudar na libertação de todas as almas sofredoras, até o fim dos tempos.



A alma (Jesus) agora venceu a morte, porque morreu para o mundo. Simbolizando o término de seu ministério terreno, o iniciado diz, como Mestre Jesus na cruz: “Está terminado” (Jo 19:30) e “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23:46).

No relato bíblico Mestre Jesus retorna dos mortos e fica algum tempo instruindo seus discípulos, preparando-os para prosseguirem com o ministério de salvação das almas. Esse retorno ao mundo terreno, seja num corpo físico, seja num corpo sutil, dependendo dos textos consultados, comprova o compromisso do iniciado em permanecer em nossa esfera terrena instruindo e ajudando a humanidade. Chega finalmente o dia que, em grande glória, ele ascende ao céu.
No texto Pistis Sophia a ascensão é descrita de forma tocante, com a descida de anjos portando seus mantos de luz. Uma vez envolvido na luz, Mestre Jesus é transfigurado e seus discípulos não podem agüentar o brilho de sua luz até que Mestre Jesus desaparece no alto. Jesus, como todo o adepto que recebeu a quinta iniciação, pode agora dizer: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10:30).

A quinta iniciação indica o término do aprendizado humano. O Mestre de Compaixão e Sabedoria alcança a perfeição e passa a ser um salvador de almas. Todas as tentativas de descrever a natureza desses excelsos seres são infrutíferas, pois não existe termo de comparação em nosso mundo terreno, já que eles agora pertencem a uma outra categoria de seres, muitas vezes descritos como divinos. São verdadeiros mensageiros plenipotenciários de Deus, trazendo, como Mestre Jesus, a eterna mensagem de salvação para as almas sofredoras. E essa é a meta que o Pai celestial estabeleceu para todos nós.
Como vimos anteriormente, a harmonia do processo evolutivo requer que cada experiência de exaltação do iniciado seja contrabalançada por uma experiência em sentido contrário.

Assim, após as três primeiras iniciações, Jesus teria enfrentado as forças das trevas: a perseguição por Herodes, a tentação no deserto e a agonia no Getsâmane.

Na quarta iniciação a ordem é invertida, primeiro a noite escura da alma culminando com a crucificação, para depois alcançar a exaltação da ressurreição dos mortos. E a quinta iniciação?


Qual seria a possível contraparte penosa para quem alcançou a união com Deus? Para quem permanece constantemente na bem aventurança de perfeita unidade com Deus, o seu estado oposto é justamente deixar esse estado paradisíaco. Essa é justamente a provação do Mestre de Compaixão e Sabedoria! Encarnar-se de tempos em tempos, assumindo as limitações inerentes a um corpo humano, submetido ao bombardeio das vibrações extremamente pesadas de nosso mundo, sempre que o Plano Divino requer sua atuação na Terra para dar mais um impulso ao processo evolutivo.
Uma imagem que talvez possa transmitir uma vaga idéia do que deve ser essa provação para um Mestre seria o grau de sacrifício que um indivíduo de classe média faria ao decidir-se voluntariamente abandonar sua vida confortável para viver num barraco imundo num imenso aterro sanitário (o que comumente chamamos de lixão) para dedicar-se a ajudar as pobres almas que vivem catando lixo e morando naquela condição subumana.


A vida mística
Muitos cristãos sinceros, ao perceberem nos relatos da vida de Jesus uma representação alegórica dos cinco grandes marcos da vida do discípulo até atingir “a medida da estatura da plenitude do Cristo” (Ef 4:13), desejam também passar pela mesma experiência. Nesse caso, segue-se naturalmente a pergunta: como posso ser iniciado? O processo iniciático é um mistério que é mantido em segredo por aqueles que foram admitidos ao ádito sagrado. Sabemos que o primeiro passo é ser aceito como discípulo de um Mestre que assumirá o encargo de prepará-lo para as iniciações.[10] E o que devemos fazer para ser aceitos por um Mestre? Pensamos que a aspiração ardente pela união com Deus e o uso do instrumental transformador descrito nesse livro abre o caminho para isso. Ademais, existe na tradição esotérica um lema auspicioso para todo buscador: ‘Quando o discípulo está pronto o mestre aparece.’


Nos primeiros séculos, após a morte do Mestre Jesus, os cristãos dedicados que levavam uma vida pura podiam ser admitidos aos grupos internos criados pelos discípulos de Jesus. Nesses grupos, uma vez devidamente preparados, os devotos podiam receber progressivamente os sacramentos, ou mistérios, instituídos por Jesus.

Esses sacramentos eram: o batismo, a crisma, a eucaristia, a redenção e a câmara nupcial.[11]

Os sacramentos tinham um estreito paralelo com as iniciações como descritas anteriormente. O batismo eqüivalia ao nascimento do Cristo interior (“Todos vós, que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de Cristo” Gl 3:27); a crisma era o batismo do Espirito Santo, equivalente ao batismo de Jesus nas águas do Jordão; a eucaristia era equivalente à comunhão da natureza superior com a inferior do homem, que ocorria na terceira iniciação; a redenção tinha um paralelo com a quarta iniciação, representada pela morte e ressurreição do Senhor; finalmente, o sacramento supremo da câmara nupcial representava a união completa e permanente da consciência do homem com a de Deus, representada pela ascensão de Jesus ao céu para permanecer à direita do Pai.


Com as perseguições instituídas pela ortodoxia, principalmente a partir do século IV de nossa era, os grupos esotéricos cristãos que mantinham a tradição dos mistérios de Jesus tiveram que se esconder para sobreviver. A história do ocultismo indica que inúmeros grupos, ao longo dos séculos, parecem ter recuperado de alguma forma essa tradição. Assim como esses grupos existiram no passado, é lícito supor-se que ainda existam nos dias de hoje, ainda que totalmente velados da curiosidade pública. Assim sendo, em vez de lançar-se a uma busca desenfreada por grupos ocultos, que muito provavelmente poderá redundar na afiliação a grupos inidôneos, o devoto deve cuidar de sua preparação interior, lembrando-se da verdade milenar mencionada anteriormente de que ‘quando o discípulo está pronto o mestre aparece.’


Mas existe outra alternativa aos sacramentos exteriores, que são esses mesmos mistérios ministrados interiormente aos devotos sinceros. Esse é o caminho que vem sendo trilhado por milhares de místicos ao longo dos séculos. Esses incansáveis buscadores trilharam arduamente o caminho da perfeição, recebendo em seu coração, provavelmente de forma inconsciente, os sacramentos do Mestre Jesus, à medida que progrediam no caminho espiritual. Ao analisarmos a vida dos místicos torna-se óbvio a correlação dos estágios da via mística com as iniciações e os sacramentos do Mestre Jesus.


Ainda que nem todos os místicos sigam exatamente a mesma seqüência de experiências interiores, alguns pesquisadores sugerem que existem cinco etapas gerais pelas quais a maior parte desses ardentes buscadores passam a caminho da união final com o Bem-Amado. [12]


  • O despertar. A primeira etapa é caracterizada pelo despertar da consciência para a Realidade Divina. Ela é abrupta e bem marcante em muitos casos, mas também pode ser gradual. Geralmente, é acompanhada de sentimentos intensos de contentamento e até mesmo de arrebatamento espiritual, que proporcionam incentivo ao indivíduo a se dedicar integralmente a “seguir a Deus.”
  • Purgação. Na segunda etapa, o místico torna-se consciente da disparidade entre a beleza e a pureza divina que foram experimentadas em seu interior frente à realidade do seu estado exterior, caracterizado por imperfeições, apegos, ilusões e impurezas. Inicia-se, então, a penosa etapa de purificação em que ele procura eliminar, pela disciplina e mortificação, tudo aquilo que julga ser uma barreira ou elemento impeditivo para seu progresso rumo ao ideal de união com Deus. São geralmente longos anos de esforço e sofrimento, na luta ingente contra a natureza inferior.

  • Iluminação. Depois do sofrimento da purgação vem a intensa felicidade da iluminação, ou comunhão com Deus. Tendo se libertado em grau considerável das ‘coisas do mundo,’ a custo de muito suor e lágrimas, o místico pode agora colher os frutos da realidade espiritual que em nada se parecem com a gratificação dos sentidos. Ocorrem visões da Unidade, da Luz Divina, percepções intuitivas da natureza humana e da realidade das coisas, vozes angélicas e celestiais que o instruem, arrebatamentos e viagens fora do corpo. O místico entra numa nova dimensão e passa a contribuir de forma mais capaz e dedicada às necessidades dos que o cercam.
  • A noite escura da alma. Prossegue a alternância entre luz e sombra das três primeiras etapas. Depois de ter metaforicamente visto o Sol, o místico agora penetra nas profundezas das trevas. Tendo se deleitado com a experiência da presença de Deus, agora ele sofre com a ausência divina. Ele enfrenta a mais terrível de todas as experiências do caminho místico, descrita por João da Cruz como a noite escura da alma e, por outros, como a ‘dor mística,’ a ‘morte mística,’ a ‘purificação do Espírito.’ É uma verdadeira ‘crucificação espiritual’ a que o buscador deve submeter-se para alcançar a glorificação subseqüente da ascensão às alturas da união com Deus. Enquanto estava na etapa da purgação, o místico buscava extirpar o interesse pelas coisas do mundo e pela gratificação dos sentidos, agora ele deve estender o processo de purificação ao âmago de sua natureza inferior, eliminar o sentido de ser um ‘eu separado.’ Somente quando a personalidade entrega-se inteiramente a Deus, com fé inquebrantável, apesar de sofrer com o que lhe parece ser o abandono da Divina Presença, quando não mais espera nada para o eu pessoal, cortam-se os últimos laços com a consciência egoísta, capacitando a alma a unir-se com o Supremo Bem.
  • A União. A bem-aventurança experimentada nesse estágio é inteiramente diferente de qualquer experiência de felicidade até então, pois agora o místico não experimenta algo fora de si como um observador ou mesmo como participante, como acontece na etapa da Iluminação. Nessa etapa ele une-se a Deus e tem a experiência absolutamente indescritível de ser divino. Essa é a meta final do caminho místico e da vida espiritual. É geralmente alcançada em estado de profunda contemplação, quando cessam todas as imagens do mundo das formas e dos conceitos, e o místico identifica-se com o Vazio, o estado contemplativo sem formas e conceitos, que é simultaneamente a plenitude da Vida e do Ser.
A rica tradição esotérica cristã sempre esteve voltada para a transformação do homem velho num homem novo. O objetivo dessa tradição não é formar meros devotos, ou cristãos tradicionais, mas sim verdadeiros Cristos, nascidos na gruta do coração, sendo batizados, transfigurados, mortos e sepultados, ressurgindo dos mortos e, finalmente, ascendendo em glória aos céus, para permanecerem à direita do Pai. Essa é a via mística, trilhada por tantos milhares de buscadores sinceros ao longo dos séculos. Nela todos os ensinamentos e passagens da vida do Cristo retratam a vida de sua própria alma. Se for bem sucedido nesse propósito, o místico perceberá que as palavras do Cristo eram dirigidas a ele: “Eu vos digo, verdadeiramente, que alguns que aqui estão presentes não provarão a morte até que vejam o Reino dos Céus” (Lc 9:27). Será excelsa a glória daqueles que alcançarem a perfeição, conforme se pode aquilatar nas palavras do Cristo registradas no Livro do Apocalipse: “Ao vencedor concederei sentar-se comigo no meu trono, assim como eu também venci e estou sentado com meu Pai em seu trono” (Ap 3:21).

Raul Branco

[1] Um exaustivo trabalho de Kersey Graves, intitulado The World’s Sixteen Crucified Saviors, or Christianity before Christ (reprint, Montana, Kessinger Publishing Co) indica que varias características são comuns a quase todos esses salvadores da humanidade. Dentre elas vale mencionar: nascimento milagroso, de mães virgens, em 25 de dezembro; suas vindas teriam sido profetizadas anteriormente; uma estrela brilhante indicaria o local do nascimento; anjos, pastores e magos estariam presentes; eram de descendência real; foram ameaçados de morte na infância pelo governante do país onde nasceram; deram provas de sua divindade; afastaram-se do mundo por algum tempo para jejuar; disseram que o seu reino não era desse mundo; foram ungidos; foram crucificados pelos pecados do mundo; depois de três dias enterrados ressurgiram dos mortos; ao final de sua missão ascenderam ao céu. [2] O leitor poderá obter mais informações sobre essas questões no exaustivo estudo de Gerald Massey, The Historical Jesus and the Mythical Christ (republicado em N.Y. por A&A Books Publishers, 1992). [3] As interpretações apresentadas foram baseadas nos livros listados a seguir: Geoffrey Hodson, The Hidden Wisdom in the Holy Bible, vol. I, op.cit., e A Vida do Cristo do Nascimento a Ascensão, (Brasília: Editora Teosófica, 1999); Annie Besant, O Cristianismo Esotérico, op.cit.; C.W. Leadbeater, A Gnose Cristã, op.cit.; Alice A. Bailey, From Bethehem to Calvary, The Initiations of Jesus (N.Y.: Lucis, 1981); Rudolf Steiner, From Jesus to Christ (Sussex, Inglaterra: Rudolf Steiner Press, 1991). [4] É interessante notar que, em hebraico, herodes quer dizer ‘um terror’, talvez derivado da palavra egípcia “heru”, aterrorizar. [5] Pistis Sophia, op.cit., pg. 93-95. [6] Alguns autores sugerem que os doze apóstolos representam os doze signos do zodíaco. Gaskell, um estudioso da simbologia esotérica propõe a seguinte correspondência: Pedro – a mente analítica inferior; André – fé e investigação; Tiago – esperança e progresso; João – amor e filosofia; Felipe – coragem e determinação; Bartolomeu – perseverança; Tomé – busca intelectual da verdade; Tiago Alfeu – modéstia e receptividade; Simão Zelote – gentileza e atenção; Judas, irmão de Tiago; mente aberta; Mateus – deliberação crítica; Judas – prudência. (vide G.A. Gaskell, Dictionary of the Sacred Language of all Scriptures and Myths (Londres: G. Allan & Unwin). [7] Vide G. Hodson, The Hidden Wisdom in the Holy Bible, op.cit., vol. I, pg. 41. [8]Vide A Gnose Cristã, op.cit., pg. 125-131. [9] Vide The Hidden Wisdom in the Holy Bible, op.cit., vol. I, pg. 263-64. [10] Vide, para mais informações, C.W. Leadbeater, Os Mestres e a Senda (S.P.: Pensamento) [11]Vide Evangelho de Felipe, em The Nag Hammadi Library, op.cit., pg. 150. [12] As cinco etapas apresentadas a seguir foram resumidas do livro de Evelyn Underhill, Mysticism, op.cit., pg. 169-70.