quinta-feira, 5 de abril de 2012

Sufi - O encontro do homem com o Espírito


O encontro do homem com o Espírito. Quando o homem sintoniza sua vida com o divino novamente desperto dentro dele, após um período de preparação se desenvolve uma nova consciência, ligada ao Espírito divino.
Essa bem-aventurada experiência é a da personagem chamada Chidr nos ensinamentos islâmicos/sufis.
Na narrativa de Sohravardi, quando a alma buscadora indaga ao sábio como se desfazer da “cota de malha da matéria”, como se desembaraçar dos laços da natureza terrestre, ele lhe responde: “Torna-te semelhante a Chidr”.
“Torna-te semelhante a Chidr”.
A alma percebe que a libertação dessa armadura de ferro é algo doloroso.
Consternada, ela faz a seguinte pergunta:
Mestre, o que é preciso fazer para aliviar essa miséria?
E o mestre responde: Vai à fonte da Vida, verte essa água sobre tua cabeça até que a cota de malha possa facilmente cair, protegendo-te ainda dos golpes de espada, pois essa água afina as malhas de modo que os golpes se tornam menos duros de suportar.
Mestre, onde se encontra a fonte da Vida?
Nos lugares escuros. Se tu queres ali chegar, calça os sapatos corretos e toma o caminho da esperança, até que chegues aos lugares escuros.
De que lado começa o caminho?
Não importa onde. Se o segues verdadeiramente, alcançarás teu objetivo.
O que é que caracteriza esses lugares escuros?
Tu te encontras neles sem o saberes. Quem quer que encete o caminho vê-se na escuridão, na qual já se encontrava, e percebe que jamais viu a luz. Esse é o primeiro passo do peregrino. A partir daí é possível avançar. Uma vez alcançado esse ponto, ele pode prosseguir.
Nosso destino é começar por aí?
Quem deseja encontrar a fonte da Vida vagueia desesperadamente na escuridão. Mas, no momento em que se torna digno, vê a luz. Quem descobre a fonte da Vida e nela se lava torna-se semelhante a Chidr.
Sohravardi menciona muito concisamente esse personagem misterioso associado à fonte da Vida tanto na tradição popular ortodoxa do Islã como no sufismo.
A ele é atribuída toda uma gama de qualificações que vão desde curador miraculoso até Ser espiritual supremo, e os muçulmanos o veneram em numerosos santuários onde ele é reputado como portador de felicidade.
Numerosos textos sufis descrevem o encontro com Chidr. Essa é uma experiência marcante que transforma completamente a vida e que freqüentemente gera um grande desgosto pelas coisas deste mundo.
Contudo, no que diz respeito a certos sufis, essa experiência essencial não parece modificar muito sua vida exterior. Há os que fazem de Chidr seu irmão, outros o consideram seu pai espiritual, e há os que o vêem na forma de um homem que os guia no caminho. Seria possível igualmente considerá-lo um ser espiritual microcósmico que acende a chama da nova consciência. No plano cósmico, ele é o guia espiritual da humanidade.
Nesse papel de guia interior, a tradição islâmica o apresenta como o servidor anônimo de Deus que guia Moisés. Segundo o Corão, Moisés deve passar por três tentações, e esse servidor que possui a sabedoria divina o adverte: “Tu não poderás ficar comigo até o fim. Como poderias suportar certas coisas se não as compreendes?” (Surata 18:65-82)
Ele leva Moisés consigo com a condição de que ele não faça nenhuma pergunta a respeito de suas ações. Como é evidente, ocorrem três coisas que levam Moisés a achar a maneira de agir de seu guia tão falsa e repreensível que ele não consegue manter sua palavra e acaba interrogando-o. Moisés, o homem da lei, não consegue explicar esses incidentes, falta-lhe ainda a percepção interior, pois ele os interpreta segundo a lógica, a moral e os critérios comuns.
Em seguimento a essa passagem do Corão, o sufismo faz uma distinção entre o “conhecimento chídrico” e o “conhecimento mosaico”.
Moisés representaria, neste caso, o “imame dos homens exteriores” e Chidr seria o possuidor do verdadeiro conhecimento, a gnosis (Ma´rifa em árabe).
Chidr é “o senhor dos mistérios”: “Sabe que Chidr é o reflexo do nome secreto de Deus e que seu lugar é o do Espírito”, declara o sufi persa Abd ar-Razzaq.
Para o sufismo, o conhecimento especial encarnado por Chidr, o conhecimento divino, é o saber “proveniente de Deus” ou “na presença de Deus”, descrito na 18ª surata.
O grande mestre Ibn al-Arabi afirma numa carta:
“Sabe, ó irmão, que, para nós, o conhecimento somente é perfeito quando vem diretamente de Deus, sem passar pela mediação da tradição ou de um xeique. Quem se ocupa apenas do que diz a ortodoxia em todos os seus detalhes deixará escapar a felicidade de seu Senhor. A pessoa que passa sua vida a perscrutar as tradições de maneira científica não encontrará a verdade. E se, ó irmão, tu segues o caminho acompanhado dos guias divinos, chegarás à contemplação de Deus e de Deus receberás o conhecimento de todas as coisas mediante justa inspiração, como o ensina Chidr, e isso sem nenhum esforço, nem dor, nem insônia.”
Chidr e Alexandre, o Grande. Nem sempre Chidr representa o guia espiritual, mas com freqüência ele também representa o próprio buscador.
No decorrer dos tempos, os autores muçulmanos ligaram-no às várias tradições antigas com o fito de mostrar a evolução que o faz tornar-se o “servidor imortal de Deus”.
Um mito bastante divulgado nas culturas grega e siríaca, conta que Alexandre, o Grande, buscava a fonte da Vida.
No século X, por exemplo, o teólogo Ibn Baboye relata o seguinte:
“Escreveu-se que ele era a fonte da Vida, e que os que bebessem dessa fonte não morreriam até que ouvissem o chamado para despertar, no dia da ressurreição. Quando, então, Alexandre partiu para sua busca, chegou a um local onde havia trezentas e sessenta fontes. Chidr era responsável pelo comando e Alexandre era, entre todos, o mais amado. Ele deu a Chidr e também a cada um de seus companheiros um peixe salgado, dizendo: ‘Mergulhai vosso peixe numa fonte, não importa em qual delas’. Chidr dirigiu-se para uma das fontes e mergulhou seu peixe, e eis que este reviveu e fugiu”.
Ao ver isso, Chidr soube que havia encontrado a fonte da água da Vida. Para os últimos autores sufis, a fonte da Vida é, sobretudo, a fonte da compreensão, e “esta se encontra oculta em vossa casa”, dizem eles.
Ali al Qari, indiretamente, liga o conhecimento à luz: “É dito: a água da Vida evoca o conhecimento, e a escuridão, a ignorância”.
Para ele, assim como para Sohravardi, a fonte da Vida guardada por “Chidr, o tempo” encontra-se nas trevas, e quem nela se banha ou dela bebe se eleva na luz eterna. Chidr, o Verde.
A íntima relação entre Chidr e a fonte da Vida explica igualmente o seu nome, que significa “verde”, em árabe.
Dizem que toda vez que Chidr toca a terra, os campos e as flores, tudo desabrocha.
Esta é uma idéia bastante profunda, pois a cor verde representa um papel importante no islamismo e no sufismo.
Em certos textos, os diferentes estágios do desenvolvimento da consciência e da alquimia são comparados às cores.
Aqui, os ensinamentos do sufismo ligados à alquimia comparam-se aos ensinamentos do persa Nadjm ad-Din al Kubra, do século XII. Nadjm afirma claramente, no início de sua obra: “Nosso método é alquímico. Odores deliciosos da amizade e da manifestação da sublimidade”.
Para ele, a cor verde é a cor da “força vital do coração”. Essa cor é a última que subsiste; dela emanam as irradiações cintilantes banhadas de um clarão radiante. Embora às vezes turva, essa cor pode ser perfeitamente límpida. Sua turvação indica um retorno à escuridão da natureza, enquanto sua pureza traduz a soberania da Luz divina.
No século XI, o persa Simnani levantou a hipótese de que o homem possui sete órgãos sutis (os sete centros energéticos ou chacras), e a cada um deles ele deu o nome de um profeta. Assim ele explica o Corão de forma penetrante: não se trata de personagens históricos, mas sim de símbolos que mostram o crescimento da alma.
O sétimo órgão sutil (latifa) é “Maomé em teu ser”. Esses sete centros de força interior dão nascimento a um novo organismo, e as luzes de cores diferentes que circundam os órgãos sutis nos dão a conhecer os estágios de desenvolvimento. O verde é a cor do sétimo órgão.
Esse simbolismo sugere que Chidr, o Verde, está associado ao crescimento do novo corpo alma.
E é somente em um corpo-alma suficientemente sutil que o Espírito pode manifestar- se e unir-se à alma.
Todos esses exemplos mostram que o caminho que conduz ao reino de Chidr começa na escuridão do mundo da matéria, na fonte de Vida onde a natureza e o Espírito se encontram.
A água da Vida confere compreensão e conhecimento divinos.
O homem se eleva nesse conhecimento e com a nova consciência ele se “torna semelhante a Chidr”.
A partir desse momento, ele permanece no mundo da Luz, embora ainda viva na escuridão, a fim de indicar o caminho a todos os que buscam Chidr, até que também eles o encontrem interiormente.