quarta-feira, 3 de julho de 2013

Deus Inefável


Extrato do Evangelho Gnóstico de João, um dos textos que compõem a Biblioteca de Nag Hammadi:
 
A Monada é uma unidade sobre a qual nada rege. [...] é o Invisível e aquele que está acima do Todo, é imperecível e existe na pura luz para a qual olho algum é capaz olhar.

É o Espírito invisível. Não se deve pensar que seja um deus ou como um deus, pois é mais que um deus.
É um Começo que nada precede, pois nada existiu antes dele e não há nada que Ele necessite.

Não existe em qualquer coisa que seja inferior a si, pois tudo existe nele.

Não necessita de vida, pois é eterno; não necessita de nada.

É Pleno, não possui nenhuma deficiência que possa ser aperfeiçoada, está além de toda perfeição.
É luz.
É ilimitável, já que não há nada anterior a ele para limitá-lo.
É insondável, já que não há nada anterior a ele para sondá-lo.
É imensurável, pois não há nada anterior a ele para medi-lo.
É invisível, pois ninguém nunca o viu.
É eterno e existe eternamente.
É inefável, já que nada pode compreendê-lo para dizê-lo.
É inominável, pois não há nada anterior a ele para dar-lhe um nome.
É Luz imensurável, pura, sagrada e imaculada.
É indescritível, sendo perfeito em sua incorruptibilidade.

Não que seja perfeição, bem-aventurança, ou divindade: é muito maior.

É ilimitável.

Não é corpóreo nem incorpóreo; nem grande nem pequeno.

“É impossível dizer ‘Qual é sua medida?’ ou ‘Qual é seu tipo?’, pois ninguém pode conhecê-lo.

Não é uma dentre as muitas coisas que há na existência: é muito superior. [..] É em si mesmo.

Não é uma parte dos eons ou do tempo, pois o que quer que seja parte de um eon foi produzido por algo mais.

O tempo não foi designado a Ele, pois Ele não recebe nada de ninguém. Aquele que existe desde o princípio não necessita de nada daqueles que vieram depois.

Em resumo, nada há antes dele.

Contempla somente a si mesmo na perfeição da Luz e abrange a pura Luz “Aquele-que-é-perfeito é majestoso; é puro, mente imensurável.

É o eterno que provê eternidade.
É o Eon que gera eon.
Luz que confere luz.
Vida que dá vida.
O Abençoado que provê bem-aventurança.
Conhecimento (gnosis) doador de conhecimento.
O Bem que provê bondade.
Misericórdia que provê misericórdia e redenção.
Graça que dá graça.
Não que seja realmente assim.

Mais exatamente, provê incomensurável e incompreensível luz.
O eon dele é imperecível.
É tranqüilo e repousa no silêncio.
É anterior ao Todo.
É a cabeça de todos os eons e sustenta-os por meio de sua bondade. Aquele-que-é-perfeito contempla a si mesmo na luz que o circunda...


A DOUTRINA GNÓSTICA DE VALENTINO

 
Valentino, Valentim ou Valentinius c.100 - c.160, surge como o mais importante dos gnósticos cristãos do início de nossa era. Ele nasceu em Alexandria, fez seus estudos primeiro no Egito, depois em Roma, on...de trabalhou de 135 a 160.

A ele é atribuída a autoria do Evangelho da Verdade e também do Evangelho de Felipe, encontrados em Nag Hammadi, e onde tirou sua doutrina?

Ele próprio disse que, em uma visão havia contemplado um recém-nascido que lhe mostrava o Logos. Estimulado por esta experiência, ele partiu em busca da Verdade.

Ele desenvolveu sua doutrina e criou uma escola que cresceu rapidamente, atraindo muitos alunos.

A essência do pensamento Valentiniano é: A salvação está no autoconhecimento, Sabedoria (a gnose). Com influências, nitidamente, neoplatônicas, desenvolveu uma complexa cosmogonia onde Deus, neste caso, Pai Inefável, está acima do Deus inferior, chamado de Demiurgo.

Este Inefável, segundo os Gnósticos, é apresentado como um ente amórfico sendo a combinação andrógina de Nous e Ennoia ou Epinoia.

A Mente é o princípio masculino e o pensamento é o princípio feminino. Na versão Valentiana, o princípio masculino é chamado de Demiurgo e o feminino de Sophia.

Sophia tem a Gnosis, que o Demiurgo não possui. Em resumo, Demiurgo criou a matéria e Sophia o espírito.

O Pleroma seria o grande palco desse jogo cósmico. Na esperança de salvar os seus filhos (os espíritos) do julgo da matéria, o Pai Inefável envia o Aéon da Salvação, chamado Cristo.

O Cristo, na visão gnóstica, é um Aéon que guia os seres para o abrigo do Pleroma, o Reino da Luz, fugindo da escravidão da matéria.

Ele ensinou que existem três tipos de pessoas: No nível mais elevado estão aqueles que eram chamados eleitos, ainda que sem um sentido elitista de exclusão. Entre os gnósticos, eles eram conhecidos como pneumáticos, que significa espirituais. O grupo seguinte, os intermediários, são os psíquicos ou religiosos. E, finalmente, os homens comuns, os muitos, na linguagem de Jesus, eram chamados pelos gnósticos, de ílicos ou materiais, pois aqueles que só estão voltados para os prazeres da vida material imediata, sem nenhum interesse pelo objetivo último da vida.

Assim, o ensinamento do Mestre Jesus, o Cristo foi estruturado para atender as necessidades desses três grupos de pessoas. O texto Tratado tripartite é um dos textos atribuídos aos seguidores de Valentim e que expõe essa divisão da humanidade.

Não se sabe se o Evangelho de Felipe é realmente de sua autoria, mas é certo que Valentino passou por uma evolução interior semelhante à de qualquer pessoa que percorre a senda libertadora; e é este caminho que é  descrito no Evangelho de Felipe.

 O Evangelho de Felipe comporta 127 versículos que explicam de modo detalhado o restabelecimento da ligação com Deus.

Os momentos mais importantes deste caminho são “o batismo pela água, a santa ceia, o batismo de fogo, ou unção do Espírito, e o grande mistério do esposo e da esposa na câmara nupcial”.

O batismo pela água religa o ser que aspira à Verdade, à força da Gnosis.

Ele reage a este batismo pela convicção interior de que agora o caminho de libertação está-se abrindo para ele e que ele pode percorrê-lo com a força da Gnosis.

Esta convicção também lhe dá, entretanto, a sofrida sensação de que o homem terrestre está fundamentalmente separado de Deus, o que faz crescer seu desejo de unir-se a ele.

Sobre esta base, durante a Santa Ceia, ele recebe as forças da nova esperança e torna-se capaz de seguir a lei interior e de conformar sua vida ao apelo da Gnosis.

Pelo fato de ser assim ungido pela força do Espírito Santo, ele tem a capacidade de religar a outros homens com o Espírito de Deus.

Todos os que são receptivos a ela adquirem esta convicção; eles devolvem à humanidade tudo o que receberam de Deus e recebem um conhecimento crescente do mistério do Espírito.

Na “câmara nupcial”, a sala das núpcias, a esposa, a alma purificada, espera por seu esposo, o Espírito. Ela é tocada e penetrada pelo Conhecimento divino.

Ela é conhecida como ela conhece a si mesma.

A Luz divina a faz sair das trevas e lhe revela sua atividade.

A parte do cérebro que permite a visão espiritual é, para os gnósticos atuais, os “thalami optici”. “Thalamos”, em grego, significa “câmara nupcial”.
Segundo Valentino, é neste local que acontece o grande mistério da união com Deus.

Por este fato, sua doutrina vai ao encontro dos mais antigos mistérios egípcios, que utilizavam os templos como representações do santuário da cabeça.

Todo o gnóstico deve realizar interiormente esta ressurreição.

Um dos rituais de Valentino descreve esta fase importante da seguinte forma:

“Devemo-nos encontrar no Único. Que a graça venha sobre vós, primeiro de mim e por mim. Trajai-vos como a esposa que aguarda seu esposo, a fim de que vos torneis eu e eu me torne vós. Que a semente de Luz penetre na câmara nupcial. Recebei o esposo: fazei-o entrar e deixai que ele vos tome!“

Tais rituais representavam um auxílio poderoso, pois, quando bem utilizados, liberavam forças e estimulavam os que buscavam a verdade na senda.

No Evangelho de Felipe, as forças e os processos essenciais do caminho libertador da alma são descritos da seguinte maneira:

“A colaboração de quatro forças é necessária para recolher os frutos deste mundo. É somente pela colaboração da água, da terra, do ar e da luz que a colheita pode ser guardada no celeiro. Assim, o fruto divino consiste
em quatro forças: a fé, a esperança, o amor e o conhecimento. A terra é a fé onde nos enraizamos; a água é a esperança que nos alimenta; o ar é o amor pelo qual nós crescemos; e a luz é o conhecimento, que permite o amadurecimento”.

Em sua visão, Valentino percebeu o Logos, que é o começo e o fim, como uma unidade.

Ele considerou como sua missão revestir estas experiências e estas forças com palavras e imagens compreensíveis para as outras pessoas.

A força que emana destes escritos são testemunho da realidade e da claridade destas experiências.

Existe um princípio gnóstico segundo o qual aquele que foi tocado uma vez pelo Espírito dele deve testemunhar.

Desta visão nasceu uma ligação indissolúvel que lhe permitiu conduzir seus alunos do batismo de água até o mistério da câmara nupcial.

A vida e as obras de Valentino mostram que ele seguiu este caminho de auto-iniciação.

Imaginamos que sua época, em que proliferavam os sistemas filosóficos e crenças muito diversos, não lhe facilitou muito as coisas.

Mas suas palavras deixaram um rastro luminoso através dos séculos, e ainda hoje transmitem uma imagem fiel da verdade ao buscador que está a caminho.

Elas estão sempre prontas a conduzir, a guiar e a sustentar este buscador, para que ele aprenda a compreender suas próprias experiências, a fim de que o homem atual também consiga, realmente, conquistar a libertação da alma.

Sobre a ressurreição da alma, Valentino diz:

“Aqueles que dizem que, antes de tudo, é preciso morrer para em seguida ressuscitar, estão enganados. Se não conseguirmos ressuscitar durante a vida, não conseguiremos fazê-lo depois da morte”.