quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A Escola Neoplatônica de Alexandria

"cognoscetis veritatem et veritas liberabit vos;
veritas praeponderare semper."
Esta famosa escola, que floresceu em Alexandria, não surgiu repentinamente, tendo sido precedida por um longo desenvolvimento. Amônio declarou que o movimento "datava dos tempos de Hermes, que trouxe sua sabedoria da Índia".



A filosofia neoplatônica tomou os ensinos de Pitágoras e Platão e recebeu muita inspiração das Escolas de Mistério estabelecidas na Grécia e Egito. O principal objetivo dos neoplatônicos era "reconciliar todas as religiões, seitas e nações sob um sistema comum de ética fundamentada em verdades eternas".


Os eminentes filósofos professavam que as várias fés derivavam-se da mesma fonte, a arcaica Religião Sabedoria revelada à humanidade primitiva por instrutores divinos, mas que no curso do tempo as crenças modificaram e velaram a mensagem original.


A tendência unificante dos neoplatônicos fora antecipada pelo filósofo judeu Filon, que viveu em Alexandria entre 30 a.C. e 40 d.C. Ele tentou estabelecer paralelos entre a bíblia mosaica e a filosofia platônica por meio de uma interpretação alegórica das escrituras, declarando que as narrativas do livro sagrado foram redigidas numa linguagem simbólica ocultando um significado mais profundo, que tinha que ser descoberto. Sob o fundamento de tais buscas Filon foi chamado o "Pai do Neoplatonismo".


O sistema de Alexandria foi a última efulgência da antiga sabedoria grega; sete séculos após Platão houve o florescimento da sublime filosofia. Amônio Saccas, o fundador do sistema eclético, que viveu entre 175 e 240 d.C., nasceu de pais cristãos; mas renunciou à sua religião nativa e voltou-se à filosofia pagã. Pelo fato de ter encontrado a sabedoria divina em seu próprio interior, foi chamado "Theodidaktos" ou "ensinado por Deus"; mas ele preferia o termo "Phi´alethes", ou "amante da verdade". Seus discípulos eram também conhecidos como "Filaleteus". Não deixou escritos, ensinando oralmente, e seus pupilos foram submetidos ao voto de segredo, como de costume na Escolas de Mistério. Não obstante, ele fez uma "distinta tentativa de beneficiar o mundo através do ensinamento daquelas partes da Ciência Secreta que lhe eram permitidas ser reveladas por seus guardiães diretos daqueles tempos".

E lemos também que:


"Nenhum cristão ortodoxo jamais igualou, muito menos ultrapassou, na prática das virtudes e ética cristãs, ou na beleza de sua natureza moral, a Amônio, o “pervertido” da cristandade".


Somente algumas palavras podem ser ditas aqui sobre os mais eminentes neoplatônicos.



O maior entre eles foi Plotino (205-270 d.C.), o discípulo direto de Amônio Saccas, com o qual ele permaneceu onze anos. Naqueles dias participou em uma expedição à Ásia na esperança de alcançar a Índia, mas não foi bem sucedido. Seguiu para Roma, onde despendeu o resto de sua vida ensinando e escrevendo. Seu principal trabalho, as Eneadas, incorporam suas idéias teosóficas.



Plotino combinou uma das maiores capacidades intelectuais com a profunda iluminação mística; e sua vida foi baseada na autodisciplina e purificação. Sua intensa aspiração espiritual resultou no êxtase, uma sublime condição de existência absorta na Vida Divina, o Samadhi da filosofia hindu. Seu discípulo Porfírio relata que Plotino gozou tal experiência em seis ocasiões durante sua vida. Seus ensinamentos tiveram uma duradoura e profunda influência não somente no pensamento filosófico dos séculos posteriores, mas também na teologia cristã.


Plotino desenvolveu a concepção de uma Fonte transcendente, chamada por ele de o Uno ou o Bem, e apontou o caminho para o espírito humano retornar ao Uno, o mais elevado Ser.



O discípulo mais bem conhecido de Plotino foi Porfírio (233-304 d.C.), nascido na Síria. Ele foi para Roma, atraído pela reputação de Plotino, que o introduziu ao estudo da filosofia neoplatônica. Porfírio escreveu uma biografia de Plotino, bem como uma "Vida de Pitágoras", sendo renomado por seu trabalho sobre a abstinência do alimento animal. Ele foi um forte oponente do cristianismo e um defensor do pensamento independente. Do seu trabalho Contra os Cristãos, em 15 livros, restam apenas fragmentos.

Porfírio também experimentou o "sublime êxtase, em cujo estado coisas divinas e os mistérios da natureza nos são revelados"; e ele declara que "somente através da mais alta pureza e castidade nos aproximaremos de Deus". Ele descreveu um esquema dos Planetas Divinos, chamado "A Árvore de Porfírio", análoga à árvore sefirotal da Cabala.



Seu maior pupilo foi Jâmblico (250-330 d.C.), que posteriormente estabeleceu sua própria escola na Síria. Seus escritos metafísicos estão perdidos, mas suas idéias são conhecidas devido ao seu tratado "Sobre os Mistérios Egípcios". Ele é especialmente famoso por ter praticado a Teurgia (trabalho divino) ou a Magia Sagrada. Jâmblico ensinou que existe uma faculdade da mente humana, por meio da qual

"somos capacitados a alcançar a união com inteligências superiores, sermos transportados além das cenas deste mundo, e partilhar a vida superior e poderes peculiares dos seres celestiais".


Quando a encarnação é temporária, durante misteriosos transes ou êxtases, o qual Plotino definiu como a libertação da mente de sua consciência finita, tornando-se una e identificada com o Infinito, tal sublime condição é deveras fugaz... Em casos excepcionais, contudo, o mistério torna-se completo... O indivíduo torna-se divino na plena acepção do termo, pois que seu Deus pessoal transformou-o em seu tabernáculo permanente por toda a vida, “o templo de Deus”, como afirma Paulo".


Os eruditos crêem que Jâmblico foi um espírita, um médium no sentido popular, o que é claramente falso. Ele opunha-se definidamente a tal prática, sendo os fenômenos físicos produzidos, como afirmara, por demônios perversos que enganavam os homens. Mas para exercitar a Divina Teurgia, são necessárias uma "alta moralidade e uma Alma Casta".


A "Magia", diz Jâmblico, "é uma ciência nobre e sublime, Divina e exaltada entre todas as outras". Para os filósofos antigos, a magia integrava cada ciência, física e metafísica; ela é sinônima de ocultismo, Religião-Sabedoria. Mas "A Verdadeira Magia, a teurgia de Jâmblico, é por sua vez idêntica à Gnosis de Pitágoras e com o êxtase divino dos Filaleteus". 



Alguns padres cristãos foram estudantes da escola de Amônio Saccas; os mais famosos são Clemente de Alexandria, Orígenes e Sinésio, que foram instruídos também nos Mistérios Egípcios. Eles consideravam a Bíblia e a Cabala como livros secretos e velados, travestidos com roupagens alegóricas, que deveriam ser interpretadas com o objetivo de encontrar-se os significados ocultos que jazem sob os textos abertos. Aplicando este método às escrituras, eles procuraram seguir seu precursor, Filon, "o Judeu".


Clemente de Alexandria (aproximadamente 150-215 d.C.), nasceu em Atenas de pais pagãos, mas abraçou a nova fé e tornou-se "um dos mais inteligentes e ilustrados dos padres primitivos". Ele declarou que os livros mosaicos bem como os evangelhos tinham que ser lidos com a chave da simbologia e do esoterismo.


Ele salientou a necessidade do segredo para tais ensinamentos; em seu trabalho Stromata (miscelânea) ele declarou: "Os Mistérios da Fé não se destinam a serem divulgados para todos... requisita-se que se oculte em um mistério a sabedoria propalada". Embora ele tenha sido instruído profundamente na filosofia neoplatônica, decidiu voltar-se ao cristianismo.












"Clemente de Alexandria, um convertido na aparência, um ardente neoplatônico e o mesmo pagão em espírito filosoficamente, tornou-se o instrutor dos ignotos Bispos cristãos. Por assim dizer, o convertido juntou as duas mitologias externas, a velha e a nova, e enquanto dava a mistura às massas, manteve as verdades sagradas para si mesmo."




Orígenes
(185-254 d.C.), um dos mais distintos pupilos de Amônio, nasceu numa família cristã, mas logo sentiu-se atraído para a elevada filosofia de Alexandria. Ele trabalhou por vinte e oito anos na cidade da família, estudando, escrevendo e ensinando. Posteriormente surgiram dificuldades com relação às autoridades da Igreja em Alexandria, o que o forçou a seguir para o Egito. Partiu para a Cesarea (Palestina), onde reuniu ao seu redor muitos discípulos. Dos muitos trabalhos que redigiu, somente alguns poucos fragmentos foram preservados; o fragmento mais bem conhecido é o panfleto Contra Celsum.

Como um "padre" do cristianismo primitivo, ele teve que contraditar o escrito de Kelsos (Celso), um neoplatônico, que atacara a fé cristã, declarando-a errônea e adaptada somente às pessoas ignorantes.


Orígenes replicou respondendo que o Cristianismo possuía dois aspectos: um ensinamento exotérico e outro esotérico, e que, devido à incapacidade das massas para compreender o sentido mais profundo das escrituras, eles poderiam ser alimentados apenas com as cascas do fruto espiritual.


As interpretações de Orígenes dos dogmas cristãos baseavam-se na mais pura Teosofia; ele compreendeu as histórias bíblicas como sendo alegorias ingênuas em sua maioria. Suas explanações filosóficas dos evangelhos, que ele considerou como transcrições das Iniciações espirituais, e sua aberta aderência ao grande princípio da reencarnação, foram julgadas "heréticas" pela igreja ortodoxa que tinha perdido o aspecto esotérico da religião. Desta forma, trezentos anos após a morte de Orígenes, seus ensinos foram condenados pelo Concílio Eclesiástico de Constantinopla, em 553, sob o reino do imperador Justiniano, quando este decreto foi promulgado:


"Aquele que mantiver a crença na doutrina mítica da preexistência da alma e a conseqüente e maravilhosa opinião de seu retorno, que seja anátema".


Dentre os discípulos de Orígenes, os mais destacados foram Longino, um homem renomado por sua vasta instrução, e Sinésio, o bispo de Ptolemïs. Este último tinha uma grande admiração por sua instrutora, Hipátia; fragmentos de suas cartas entusiásticas a esta maravilhosa sacerdotisa da filosofia foram preservados. A despeito da sua função cristã, ele foi um fervoroso neoplatônico.

Sinésio tinha Hipátia como sua tutora, e esta é causa por que o achamos a confessar com toda sinceridade suas opiniões e profissões de fé:


“O público nada mais quer do que ser enganado... E com relação a minha pessoa, portanto, serei um filósofo em meu âmago, mas devo ser um sacerdote com o povo”.











Hipátia

foi instrutora na Academia de Alexandria, onde ela expôs as doutrinas de Platão e Plotino. Graças a sua erudição, sabedoria e virtude ela atraiu uma grande audiência de estudantes sensíveis, o que desagradava as autoridades cristãs.

Hipátia havia sido instruída em todos os segredos da teurgia e podia, portanto, explicar os "milagres" cristãos. Assim, foi considerada como um perigo para a expansão da igreja, e por instigação de Cirilo, bispo de Alexandria, a jovem e inocente iniciada foi cruelmente assassinada por uma turba de linchadores cristãos. (Cirilo foi posteriormente canonizado como um dos primitivos "santos" cristãos!).Com a morte de Hipátia (em 415 d.C.) chegou ao fim a escola neoplatônica de Alexandria.

"A escola neoplatônica foi bem sucedida, poderosa e próspera por um longo tempo... O sistema floresceu por alguns séculos e atraiu seguidores para as fileiras entre os mais hábeis e mais cultos dentre os homens daquele período; Hipátia, a instrutora do bispo de Sinésio, foi o ornamento da escola, até o dia quando foi assassinada..."

Após o triste evento, a filosofia alexandrina tomou seu assento em Atenas; por volta do início do quinto século, a Academia de Platão transformou-se em neoplatônica. Sua mais importante figura foi Proclo (410-485 d.C.), chamado "Diadochos" (que significa "sucessor", no caso, de Platão na liderança da Academia). Ele escreveu um grande número de trabalhos filosóficos além de tratados sobre matemática, astronomia, gramática e outros temas."Ele elaborou toda a teosofia e teurgia de seus predecessores em um sistema completo."


Ele ensinou que todas as coisas são penetradas por um princípio espiritual e que um conhecimento profundo da lei natural é a base da magia. Em seu livro Teologia de Platão, ele descreve a gradação dos Mistérios e alude à Iniciação Final, chamada Epopteia, evocada por Platão no Fedon.


A filosofia teosófica de Proclo foi a principal fonte de inspiração para Dionísio, o Areopagita, ao qual freqüentemente se refere como Pseudo-Dionísio, um neoplatônico cristão que viveu por volta do ano 500 d.C., cujos escritos tornaram-se de decisiva importância para a teologia, bem como para o pensamento e cultura européia.


O último representante do neoplatonismo e chefe da Academia ateniana foi Damascius, que escreveu muitos livros. Seu principal trabalho remanescente é intitulado Problemas e Soluções sobre o Primeiro Princípio, onde ele trata da união mística da alma humana com a Vida Divina. Damascius ainda estava em seu cargo quando o imperador Justiniano fechou a Academia em 529 d.C.

Este foi, no mundo externo, o fim da gloriosa Escola Neoplatônica; contudo, sua esplêndida mensagem sobreviveu por intermédio de canais secretos, chegando às vezes à ribalta com os defensores do livre pensamento...



"Conhecereis a Verdade, e a Verdade os libertará."




"A Verdade prevalece sempre"



sábado, 4 de janeiro de 2014

Gnósticos - Cristianismo Primitivo Original




Os gnósticos sempre diferiam da maior parte da humanidade, e continuam diferir não apenas em detalhes de crença ou de preceitos éticos, porém em sua visão mais essencial e fundamental da existência e de seu propósito.

Independentemente de suas crenças filosóficas e religiosas, a maioria das pessoas acalenta certas suposições inconscientes, pertencentes à condição humana, que não originam das atividades convergentes de formulação da consciência, mas que irradiam de um profundo e inconsciente substrato da mente.

A mais importante dessas suposições, a qual poder-se-ia dizer que sintetiza todas as outras, consiste na crença de que o mundo é bom e que o nosso envolvimento nele é de alguma forma desejável e fundamentalmente benéfico.

Essa premissa conduz a inúmeras outras, todas mais ou menos caracterizadas pela submissão às condições externas e às leis que parecem governá-las.

A despeito dos incontáveis acontecimentos incoerentes e maléficos em nossas vidas, dos incríveis fatos que se sucedem, dos desvios das reiteradas insanidades da história humana, tanto coletiva como individualmente, acreditaremos ser nossa incumbência prosseguir com o mundo, pois ele é, afinal, o mundo de Deus, devendo, portanto, haver significado e bondade ocultos em seus processos, mesmo que seja difícil discerni-los.

Assim, devemos continuar no cumprimento de nosso papel dentro do sistema, da melhor maneira possível, sendo filhos obedientes, maridos zelosos, esposas respeitosas, bem-comportados açougueiros, padeiros, fabricantes de velas, esperando contra toda a esperança, que uma revelação do significado resulte, de algum modo, dessa vida de resignação sem sentido.



Não é assim, disseram os gnósticos!

Dinheiro, poder, governo, constituição de famílias, pagamento de impostos, a infinita série de armadilhas das circunstâncias e obrigações, nada disso foi jamais rejeitado tão total e inequivocamente na história humana como pelos gnósticos.

Estes nunca esperaram que alguma revolução política ou econômica pudesse ou devesse eliminar todos os elementos iníquos do sistema em que a alma humana encontra-se aprisionada.

Sua rejeição não se referia a um governo ou sistema de propriedade em favor de outro; ao contrário, dizia respeito à total e predominante sistematização da vida e da experiência.




Portanto, os gnósticos eram, na verdade, conhecedores de um segredo tão fatal e terrível que os governantes deste mundo, os poderes secular e religioso, que sempre lucraram com os sistemas estabelecidos da sociedade, não podiam permitir ver esse segredo conhecido, e muito menos tê-lo publicamente proclamado em seus domínios.

De fato, os gnósticos sabiam algo: a vida humana não alcança a sua realização dentro das estruturas e instituições da sociedade, porque estas representam, na melhor das hipóteses, apenas obscuras projeções de outra realidade mais fundamental.

Ninguém atinge sua verdadeira natureza individual sendo o que a sociedade espera nem fazendo o que ela deseja.

Família, sociedade, igreja, ocupação e profissão, lealdade patriótica e política, bem como regras e normas morais e éticas, na realidade de modo algum conduzem ao verdadeiro bem-estar espiritual da alma humana.



Ao contrário, constituem, com maior freqüência, as próprias algemas que nos alienam de nosso real destino espiritual.

A Gnose ou conhecimento que se tem no próprio coração a respeito da inutilidade espiritual e absoluta insuficiência das instituições e valores estabelecidos do mundo exterior.

Esse aspecto do gnosticismo foi considerado herético em épocas passadas e até hoje costuma ser chamado de "negação do mundo" e "anti-vida"; porém constitui, obviamente, nada mais que boa psicologia e boa teologia espiritual, por se tratar de bom senso.

O político e o filósofo social podem considerar o mundo um problema a ser resolvido, mas o gnóstico, com seu discernimento interior, reconhece-o como uma condição da qual precisamos nos libertar pela visão interior.
Isso porque os gnósticos, não buscam a transformação do mundo, mas a transformação da mente, com sua consequência natural, metanóia, uma mudança de postura perante o mundo.

A maior parte das religiões também tende a ratificar uma atitude familiar de interiorização na teoria; contudo, como resultado de sua presença dentro das instituições da sociedade, elas sempre negam isso na prática.

As religiões costumam se iniciar como movimentos de libertação radical seguindo linhas espirituais mas, inevitavelmente, terminam como pilares das próprias sociedades, as carcereiras de nossas almas.

Se desejarmos obter a Gnose, o conhecimento do coração que liberta os seres humanos, devemos nos desvencilhar do falso cosmo criado pela nossa mente condicionada.

Como muitas outras pessoas inteligentes, sábias e sensíveis, antes e depois de sua época, eles se sentiram estrangeiros num país desconhecido, uma semente abandonada dos mundos distantes de luz infinita.
Gnósticos Peregrinos da eternidade, Obreiros da Luz, prontos para voltar ao lar na Plenitude Absoluta do Inefável.