segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Ex Deo nascimur, in Jesu morimur, per Spiritum Sanctum reviviscimus


“Ex Deo nascimur, in Jesu morimur, per Spiritum Sanctum reviviscimus”
(Manifesto R+C Fama Fraternitatis 1.614)

"Nascemos em Deus, morremos em Jesus, renascemos pelo Espírito Santo”


A fórmula acima foi encontrada no sepulcro do Pai CRC - Christian Rosenkreutz (nome que significa Cristão da Rosa Cruz). Muitos a vêem, mas não percebem, muitos a ouvem, mas não compreendem e muitos a sentem, mas não a vivenciam.
Desde a antiguidade o homem desperto busca o conhecimento de si mesmo. No pórtico do Templo de Apólo, na Grécia antiga, já despontava a inspiradora inscrição Nosce te Ipsum - Homem Conhece-te a ti mesmo, sendo completada por outra interna, E conhecerás o Universo. O conhecimento de si mesmo é o próprio caminho espiritual que as pessoas tanto insistem em buscar fora de si. As grandes Tradições da humanidade, e não somente o Rosacrucianismo, são insistentes nesse caminho. Mestre Jesus, Senhor Buda, Pitágoras, Hermes Trimegistrus e outros, nos alertam constantemente em seus ensinamentos dessa necessidade de interiorização, expansão da consciência e conhecimento mais profundo, da nossa natureza, para o verdadeiro despertar.
O Rosacrucianismo não poderia adotar ênfase diferente, incentivando e disponibilizando, aos buscadores sinceros, ferramentas para que a sua jornada, em busca do conhecimento de si mesmo, tenha êxito. Porém, não apenas um conhecimento racional, científico, filosófico, teórico e empírico, a "episteme" dos gregos, mas também de caráter intuitivo, transcendental. O intelecto usa a razão e o conhecimento discursivo. A Sabedoria ultrapassa o intelecto e, através da intuição, contempla e faz com que a Verdade seja vivenciada.Entretanto existem algumas etapas pelas quais passam a maior parte dos buscadores, para conquistar e se apoderar do verdadeiro despertar interior, a saber:

O despertar da consciência para a realidade interior divina, a constatação da sensível diferença entre a sua natureza interior, pura, divina, sublime, da sua natureza exterior, submetida ao ego e a toda sorte de aflições, ilusões, paixões, apegos e impurezas;

A iluminação, que depois do doloroso exercício da disciplina para dominar os obstáculos naturais da personalidade, do ego, o buscador começa a desfrutar de forma cada vez mais perceptível em sua existência, trazendo-lhe a compreensão de experiências mais sutis, intuitivas, da natureza humana e da realidade das coisas;

A noite escura da alma, na qual o buscador penetra nas trevas, se defrontando com o terror do umbral, depois de ter visto a luz, numa crucificação espiritual, para eliminar a idéia de separatividade e preparar-se para a união com a Fonte; e,

A união, o cume da montanha alegórica, momento no qual o buscador atinge seu objetivo, se une à Fonte, tornando-se um só. Aqui cessam as influências do mundo material e o místico se identifica com o vazio sem forma, a plenitude. Para Jacob Boehme, o místico é aquele que aspira a uma união pessoal ou a unidade com o Absoluto, que ele pode chamar Deus, Cósmico, Mente Universal, Ser Supremo, Fonte, Inefável.

Mestre Jesus ensinou o caminho para esse despertar interior aos seus apóstolos, ministrando ensinamentos esotéricos e místicos, os quais a rica Tradição Gnóstica é testemunha perpétua, em todas as suas manifestações físicas. Este testemunho do Cristianismo Interior, que descreve o caminho de retorno a Deus, continua sendo um esforço renovado nos dias atuais, pelo Rosacrucianismo, para realizar o verdadeiro Cristianismo do Mestre Jesus, o Cristo.

Sobre isso, Orígenes, o maior erudito da Igreja Antiga, em sua obra “De Principiis”, já ensinava: "As Escrituras Sagradas têm um sentido que é aparente à primeira vista, e um outro que a maioria dos homens não percebe. Porque são escritas em forma de certos Mistérios, e à imagem de coisas divinas. A respeito do que há uma opinião em toda a Igreja, que toda a Lei em verdade é espiritual, porém que o sentido espiritual da Lei não é conhecido a todos, mas apenas aqueles que receberam a graça do Espírito Santo na palavra de sabedoria e conhecimento". Assim, os primeiros cristãos sabiam que dois tipos de pessoas se achegariam ao cristianismo, um tipo sem o toque pneumático, e, portanto, incapaz de aproximar-se da salvação pelo conhecimento e pela sabedoria dos Mistérios, mas possuindo apenas capacidade de assimilar pela fé o lado superficial da Lei; e o outro tipo, tocadopelo dom pneumático, pela centelha-espírito, que possuiria plena capacidade de assimilar os conhecimentos e a sabedoria dos Mistérios divinos e descer ao nível profundo e espiritual da Lei, podendo gozar de completa iluminação e redenção."

Portanto, uma vez compreendida a proposta acima, voltemos à narrativa inicial:
Nascemos em Deus,O nascimento da luz no interior do Ser Humano, latente em todos os seres, porém não desperta, até ser tocada pela consciência de todos aqueles que aspiram e se esforçam para alcançar a Unidade Primordial.
Morremos em Jesus,A morte para o mundo e o ressurgimento para a vida eterna. Devemos morrer para o mundo para alcançarmos a consciência cósmica, plena, eterna. O que morre não é o corpo, mas sim o ego com suas ilusões e a percepção de separatividade do Ser.
Renascemos pelo Espírito Santo,O que renasce é o ser pleno, agora consciente da unidade com a Fonte. A partir deste momento a alma venceu a morte, o novo Ser, livre de todos os condicionamentos e limitações anteriores, vivencia a experiência de Consciência Cósmica, Crística, plena, instruindo e ajudando a humanidade.

Elaboração - Anubys / Revisão - KD / Tradução ao Inglês - APF

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Hino da Pérola

Esse Hino, atribuído a Bardesanes, influente poeta do gnosticismo cristão do século II, oferece uma excepcional oportunidade para percebermos a profundidade do misticismo nos primórdios de nossa tradição interna.
O Hino apresenta um comovente relato da peregrinação da alma, que culmina com a sua ‘salvação’, representada pela aquisição da ‘pérola’ (a gnosis), e o conseqüente retorno ao reino da Casa do Pai, num estreito paralelo com a parábola do Filho Pródigo. Deixemos que a mensagem celestial de esperança penetre em nossos corações, pois a estória que será narrada é a história de nossa vida.
“Quando eu era criancinha, demasiado novo para falar e morava no Reino da Casa de meu Pai, deleitando-me na riqueza e no esplendor daqueles que me nutriam, meus pais me enviaram do oriente, nosso lar, numa missão, equipado com suprimentos para a jornada. Das riquezas de nossos tesouros eles me deram um grande carregamento, mas que era leve, para que eu pudesse carregá-lo sozinho.A carga consistia de ouro das terras altas, prata dos grandes tesouros, jóias de esmeraldas da Índia e ágatas de Kushan. E cingiram-me com diamantes. Retiraram a minha veste cravejada de jóias e adornada de ouro que, por seu amor, haviam feito para mim, e meu manto de púrpura, confeccionado na minha exata medida.
E fizeram um pacto comigo, gravando-o em meu coração para que eu não pudesse esquecê-lo, dizendo isto: ‘Se tu fores ao Egito e dali trouxeres a pérola que se encontra no meio do mar, envolta pela serpente voraz, então colocarás outra vez a veste cravejada de jóias e, por cima, o manto que tanto aprecias e serás um herdeiro de nosso reino, juntamente com teu irmão, o segundo em nossa hierarquia. Deixei o Oriente e parti acompanhado de dois guias, pois o caminho era difícil e perigoso e eu era jovem para uma tal viagem. Atravessei as fronteiras de Maishan, o lugar de encontro dos mercadores orientais, cheguei à Terra de Babel e entrei pelas muralhas de Sarbug. Continuei e, chegando ao Egito, meus acompanhantes separaram-se de mim.
Incontinente procurei a serpente, estabelecendo-me próximo de sua morada, aguardando a ocasião em que ela ficasse sonolenta e fosse dormir, para então tirar-lhe a pérola. Como estava sozinho e me mantinha à parte, parecia um estranho para meus companheiros de hospedagem. Entretanto, lá eu vi um homem livre, meu parente da terra da Alvorada, um jovem formoso e bem favorecido, filho de Nobres. Ele veio e juntou-se a mim.
Fi-lo meu parceiro predileto, um parceiro para minhas jornadas. Como constante companheiro alertou-me sobre os egípcios, para que evitasse misturar-me com os impuros. Pois, havia me vestido como eles, para que não pudessem imaginar que eu era estrangeiro e tinha vindo de longe para apossar-me da pérola e pudessem assim incitar a serpente contra mim.
Mas por alguma razão, eles souberam que eu não era de seu país. Com suas artimanhas, apresentaram-se a mim e ofereceram-me seus alimentos para comer. Ao prová-los, esqueci-me que era filho de um Rei e tornei-me um servo do rei deles. Esqueci completamente a pérola para a qual meus Pais me haviam enviado e, com o peso de seus alimentos, mergulhei num sono profundo.
Meus Pais percebiam tudo aquilo que estava acontecendo, e ficaram ansiosos. Foi feita então uma proclamação em nosso Reino: que todos se apresentassem rapidamente no Pórtico. E então os reis e chefes de Partia e todos os nobres do Levante decidiram que eu não deveria ficar no Egito. Escreveram-me uma carta e nela todos os nobres assinaram seu nome:
"De parte de teu pai, o Rei dos Reis, de tua mãe, Senhora do Levante, e de nosso segundo, teu irmão, ao nosso filho no Egito, saudações! Acorda e desperta de teu sono. Ouve as palavras de nossa carta! Lembra-te que és filho de um rei; vê a quem serviste em tua escravidão. Pensa outra vez sobre a pérola, a razão pela qual viajastes ao Egito. Lembra-te de tua veste gloriosa e de teu esplêndido manto, para que possas outra vez vesti-los e usá-los como ornamentos, e para que teu nome possa ser lido no Livro dos Heróis, e com nosso sucessor, teu irmão, possas ser herdeiro em nosso reino.”
A carta, que o Rei havia lacrado com sua mão direita, era como um mensageiro contra a ameaça dos filhos de Babel e dos rebeldes demônios do Labirinto. Ela voou na forma de uma águia, a rainha de todas as aves; voou até pousar ao meu lado, transformando-se num discurso inteiro. Com sua voz e o som de sua asas, levantei-me, despertando de meu sono profundo. Tomei-a, beijei-a, parti seu lacre e a li. As palavras de minha carta estavam redigidas como as que estavam escritas em meu coração.
Lembrei-me naquele momento que eu era filho de rei e que minha alma, nascida livre, tinha saudade daqueles da mesma natureza. Lembrei-me novamente da pérola, pela qual eu havia sido enviado em missão ao Egito. E comecei a cativar a terrível e ruidosa serpente. Encantei-a para dormir, cantando para ela o nome de meu Pai, o nome de nosso segundo e o de minha mãe, a Rainha do Oriente.
Apoderei-me, então, da pérola e parti em direção à casa de meu Pai. Retirei as vestimentas sujas e impuras, deixando-as em seu país de origem. Dirigi-me para o caminho pelo qual havia vindo, a estrada que leva à Luz de nossa casa, o Oriente. No caminho, encontrei diante de mim a mensagem que havia me despertado. E assim como ela havia me despertado com sua voz, agora me orientava com sua luz que brilhava à minha frente; com sua voz vencia meu temor, e com seu amor me conduzia. Eu segui adiante... Vislumbrava, às vezes, as vestes reais de seda, brilhando diante de mim. Segui adiante; passei pelo Labirinto; deixei a Terra de Babel à esquerda; e cheguei a Maishan, o lugar de encontro dos mercadores, que se localiza na costa.
Meus pais enviaram-me a Veste de Glória que eu havia despido e o Manto que a cobria. Enviaram-nos das alturas de Hyrcânia, pelas mãos de seus distribuidores de tesouros, pois que, por sua lealdade, a eles podiam ser confiados. Sem me lembrar de seu esplendor, pois a havia deixado na Casa de meu Pai na minha infância, ao vê-la, imediatamente a Veste pareceu-me como a imagem de mim mesmo.
Percebi nela todo o meu ser e, por meio dela, reconheci-me e percebi-me. Pois, apesar de termos sido originados da mesma unidade, éramos parcialmente divididos e, no entanto, éramos também unos em semelhança. Também, os tesoureiros que a haviam trazido do alto para mim, vi que eram dois seres, mas havia uma única forma em ambos, um único símbolo real consistindo de duas metades. E traziam meu dinheiro e minha riqueza em suas mãos e deram-me minha recompensa.
A gloriosa veste reluzente, enfeitada com brilhante esplendor de cores: com ouro, pérolas e também com pedras preciosas de diferentes cores. Para realçar sua grandeza estava cingida com diamantes. (Além disso) a Imagem do Rei dos Reis estava estampada inteiramente nela; pedras de safiras tinham sido afixadas na gola com lindo efeito.
Percebi, que movimentos de gnosis abundavam em toda sua extensão, e que estava se preparando como que para falar. Ouvi o som de sua música, que sussurrava ao descer: ‘Sou eu que pertence àquele que é mais forte do que todos os seres humanos e para o qual fui indicada pelo próprio Pai. E percebi em mim como minha estatura aumentava com sua atividade’.
E (agora), com seus movimentos reais, ela vinha em minha direção, como que apressada nas mãos de seus doadores, para que eu pudesse (tomá-la e) recebê-la. E de minha parte, também, meu amor instava-me a correr ao seu encontro e tomá-la. Estendi-me para recebê-la; com sua beleza colorida vesti-me e enrolei-me em meu manto de cores resplandecentes.
Vestido dessa forma, ascendi ao Portal das Boas Vindas e da Reverência. Inclinei minha cabeça e prestei homenagem à glória do Pai que a havia enviado, cujas ordens eu havia cumprido, e que, de sua parte, também havia feito o que prometera. Ele recebeu-me com alegria, e fiquei com Ele em seu Reino, e todos seus súditos estavam cantando hinos com vozes reverentes. Ele permitiu-me também ser levado à corte do Rei em sua companhia, para que com a pérola eu pudesse comparecer diante do Rei.
A estória começa quando uma alma demasiado nova para falar (exercer seus poderes) é enviada, por seus pais, do mundo espiritual para o mundo material, numa missão que representa a grande peregrinação da alma. O oriente é onde nasce a luz do sol físico e, no sentido figurativo, é a origem da Luz espiritual primordial. A alma é enviada com suprimentos para a jornada, que são a substância de todos os planos pelos quais o peregrino deve passar. As riquezas do tesouro do pai, jóias e metais preciosos, referem-se aos poderes espirituais, que possuem grande valor e nenhum peso, podendo ser carregados facilmente pela alma. O ouro das terras altas simboliza a mais elevada sabedoria espiritual e a prata a compreensão espiritual; o diamante, a pedra mais preciosa, simboliza a essência espiritual do universo e sua expressão no homem como coragem intrépida e vontade indomável (a pedra mais dura que risca todas as outras); a safira representa a sabedoria.[2]
Para encetar a viagem o jovem deve retirar sua veste real e seu manto de púrpura. Temos aqui a descrição do processo involutivo, a penosa descida do espírito à matéria. A alegoria da retirada das vestes espirituais refere-se à desativação dos poderes espirituais no espírito encarnante que deve recobrir-se com roupagens cada vez mais grosseiras, culminando na colocação de vestes que, por suas vibrações pesadas, são consideradas como impuras, o corpo astral e o físico.
Segue-se, então, o curioso pacto feito por seus pais, que é gravado no coração do peregrino, no âmago de seu ser, para que nunca mais possa ser esquecido. Esse pacto simboliza a missão do homem no mundo, que encerra a promessa de seu retorno triunfal às glórias celestiais.
O conhecimento interior desse pacto explica a insatisfação latente que aflora no homem em determinados momentos, quando experimenta um sentimento de carência, uma saudade inexplicável que o persegue, até que entende que as coisas externas deste mundo não atendem aos profundos anseios da alma. Começa, então, a busca do verdadeiro tesouro, quando se dá a compreensão de que vivemos em desterro neste mundo distante.
O pacto envolve a ida ao Egito, onde deverá recuperar a pérola preciosa que se encontra escondida no meio do mar, guardada pelas forças da matéria, simbolizadas pela terrível serpente. Essa pérola representa a gnosis, termo grego que significa conhecimento, porém não um conhecimento qualquer, mas o conhecimento último da Realidade, que é vivencial e não meramente intelectual.
O mar é o símbolo tradicional do plano emocional, onde se produzem as paixões e os desejos. A serpente, sobre a qual quase nada é dito no Hino, simboliza a tremenda força telúrica que, como desejo sexual, é a força da procriação, mas que quando sublimada e dirigida para o alto torna-se o poder da criação espiritual. Insinuada como um monstro terrível, a serpente é na verdade o fogo serpentino, chamado no oriente de kundalini, que deve ser despertada e elevada cuidadosamente até o centro da cabeça, onde se encontra com a força espiritual que desce pelo chacra coronário para conferir a iluminação ou gnosis, simbolizada pela pérola.
O curioso é que o prêmio por essa realização extremamente difícil é o retorno ao estado inicial. Em paralelo com outras tradições, percebe-se aqui que os universos passam por infindáveis ciclos de manifestação e retração. Em cada ciclo a consciência divina desce progressivamente à matéria, num processo de involução, seguido por uma etapa evolutiva em que vai se sutilizando, desprendendo-se progressivamente do jugo da matéria, até manifestar plenamente sua natureza divina original.
O nobre filho parte do Oriente, da terra da luz, acompanhado de dois guias. Esses, são provavelmente aqueles seres divinos chamados de Arcanjos, Elohim ou Sefirotes cuja missão é facilitar a descida da emanação das Mônadas dos planos da plenitude celestial até o corpo físico.
Segue-se um relato da passagem do jovem por diferentes lugares. A denominação desses locais deve corresponder à realidade histórico-geográfica da época em que o hino foi escrito e vela o seu significado interno. Atravessar as fronteiras de Maishan significa a passagem da alma pelos limites do mundo celestial, ou a ponte entre o mundo espiritual e o material, chamada no oriente de anthakarana, e na Cabala referida como a sephira Tiphereth. É nesta esfera que os seres de luz se ‘misturam’ com os seres materiais, o lugar de encontro dos mercadores orientais. Esse local, ou melhor dito, plano de consciência, parece simbolizar o ponto de transição entre a mente superior e a inferior, onde os conceitos abstratos são cambiados por conceitos concretos utilizados neste mundo.
Chegam, então, à Terra de Babel, que tradicionalmente expressa a confusão dos sons, ou seja, das vibrações do plano dos desejos, das emoções e das paixões. Entram pelas muralhas de Sarbug, também referida como o Labirinto, simbolizando os inextricáveis meandros da Providência, que determina o destino dos homens, provavelmente uma alusão ao plano etérico em que uma complexa rede de ligações energéticas determina a conformação e as tendências dos corpos humanos. Ao chegarem ao Egito, símbolo do corpo físico, seus acompanhantes, tendo cumprido sua missão, retornam a seu mundo de origem.
Nosso aventureiro estabelece-se numa hospedaria, ou seja, no corpo físico em que veio ao mundo (para os gnósticos, o corpo humano era considerado como uma hospedaria da alma, expressando a idéia da impermanência). Ele parece um estranho aos seus companheiros, pois, enquanto o peregrino estiver consciente de sua missão divina, apesar de estar vestido como os egípcios (encarnado), será de alguma forma diferente dos outros, na medida em que seu comportamento e suas motivações estarão pautados por interesses que não são deste mundo. O viajante, porém, alia-se a um ‘homem livre, filho de nobres da terra da Alvorada’. Esse, ‘jovem formoso e bem favorecido,’ representa o guia, ou instrutor espiritual, que sempre aparece quando o peregrino está em busca do supremo tesouro, e sua orientação e ajuda são inestimáveis para que o buscador possa realizar sua missão.
O nobre amigo do nosso herói aconselha-o a não se misturar com os impuros. Os egípcios, porém, com suas artimanhas, apresentam-se ao viajante e oferecem-lhe seus alimentos. No caso, mais do que alimentos físicos, trata-se de alimentos para as emoções e as paixões, para o orgulho e a ambição, que mantêm a mente constantemente direcionada para atividades ligadas às coisas deste mundo. Com isso, o filho do Rei esquece-se de sua missão e torna-se súdito do rei local, ou seja, passa a atender aos interesses materiais, mergulhando num profundo esquecimento das coisas espirituais.
Seus Pais percebiam tudo o que se passava e ficaram ansiosos. A ansiedade dos Pais é um véu, pois sabiam desde o início a natureza difícil da missão de seu filho e o longo tempo que deveria durar. Porém, chegado o momento apropriado na longa jornada da alma, que só a providência divina conhece, a corte divina envia uma mensagem em que cada membro da hierarquia celeste assina seu nome. Assinar o nome significa colocar seus poderes à disposição do destinatário.
A carta lembra uma referência similar existente no livro Voz do Silêncio,[3] onde é dito que o guia é a voz interior, a expressão da consciência divina, que só pode ser percebido quando há total silêncio interior e, portanto, quando o indivíduo não mais está voltado para as coisas do mundo.

A carta voa como uma águia e, ao pousar ao lado do destinatário, transforma-se num discurso. A águia, a ave mais poderosa que voa em direção ao sol (o Logos) e desce para tomar pequenos quadrúpedes como presa (a personalidade quaternária), simboliza a natureza divina no homem que é enviada como mensageiro ao peregrino na terra distante.
A águia representa o Cristo interior, a intuição espiritual, que ao pousar traz a verdade espiritual para o plano da mente concreta. Esse é um lindo simbolismo para a mensagem enviada pelo Pai e a corte celestial que, na realidade, já se encontra no interior da alma, no âmago do ser.
O vôo representa a elevação de consciência que permite a percepção do mundo sutil além dos interesses mundanos.A graça divina permite que o atribulado aventureiro possa ouvir a voz do silêncio, a mensagem da carta, e assim ele se levanta, despertando de seu sono profundo.
O buscador regozija-se com a dádiva recebida, a lembrança de sua verdadeira natureza, e agradece a seus Pais, beijando a carta, ou seja, absorvendo a mensagem de seu Eu Superior à sua consciência usual. O beijo é usado com freqüência na linguagem sagrada para expressar a união, nesse caso a união da consciência superior (a mensagem do plano intuitivo simbolizado pela águia) com a consciência inferior (o jovem peregrino).
O viajante percebe, então, que a carta já estava escrita em seu coração desde o princípio. Ela é a mensagem da Vida Una, que reverbera nos planos sutis desde o princípio da manifestação. Essa idéia é também expressa por Paulo: “Nossa carta sois vós, carta escrita em nossos corações, reconhecida e lida por todos os homens. Evidentemente, pois, uma carta de Cristo, entregue ao nosso ministério, escrita não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, nos corações!” (II Cor 3, 2-3).
Ao receber a mensagem da carta, o buscador desperta e parte para cumprir sua missão. A estória não dá maiores detalhes sobre como é obtido o tesouro, além da informação de que o jovem começou ‘a cativar a serpente, encantando-a para dormir, cantando para ela o nome de seu Pai’. Está implícito o poder dos nomes sagrados da divindade, usados na Cabala como mantras. O peregrino invoca o nome do Pai, da Mãe e de toda a hierarquia celestial, mobilizando toda a força divina dos Arcanjos para despertar e utilizar os tremendos poderes da serpente adormecida, a kundalini, elevando-a até a cabeça onde ocorre a iluminação libertadora, a gnosis, simbolizada pela pérola. Esse processo tem um estreito paralelo com a Cabala, em que a consciência é elevada pelo pilar central, usando a força armazenada na base, na sephira Yesod, valendo-se então da intermediação do redentor Tipheret, para finalmente alcançar a sephira oculta, Daath, que significa Conhecimento, ou seja, gnosis.

Uma vez obtida a pérola preciosa, o peregrino está livre do Egito e parte em direção à casa do Pai, deixando para trás as vestimentas impuras.
Isso parece indicar que, tendo obtido a iluminação, o buscador liberta-se do mundo da matéria e, simbolicamente, descarta seus corpos grosseiros. Caso deseje mais tarde voltar numa missão de misericórdia para ajudar outros buscadores adormecidos no Egito, poderá adquirir veículos, ou vestimentas, apropriados para esse tipo especial de missão que, apesar de serem idênticos aos usados pelos moradores da terra, não são sujos nem impuros, pois foram especialmente confeccionados para o nobre, agora um Mestre de Compaixão e Sabedoria.
Nosso herói retorna pelo caminho pelo qual viera. A direção do oriente simboliza a direção de onde vem a luz, portanto, a alma dirige-se para as alturas espirituais, o que também significa, voltar-se para o seu interior. Ocorre agora uma aparente contradição. O herói encontra, no caminho diante de si, a mensagem que o havia despertado. É como se houvesse um segundo encontro com a mensagem.
Como o herói está liberto das limitações do corpo físico, agora pode perceber o que se encontra no recôndito de seu ser. A expansão de consciência, que inicialmente despertou a sua audição sutil, agora desperta também a sua visão espiritual. Essa parece ser a tendência da maior parte dos aspirantes na Senda, primeiramente a audição espiritual é desperta e só mais tarde a visão. Segue adiante, portanto, reconfortado pela voz amorosa do mestre interior e por visões diáfanas das vestes reais do mundo celestial. A Voz é o aspecto feminino do poder, e a Luz, o masculino, que guia, controla e ordena. A Voz e a Luz também podem ser interpretadas como sendo a Verdade Eterna, como nas Odes de Salomão.[4] Ele vê as vestes mas ainda não pode vesti-las, pois não entrou no mundo da luz.
A crescente expansão de consciência que nosso nobre experimenta é descrita como uma viagem. Assim, é dito que ele deixa para trás o Labirinto e a Terra de Babel, chegando a Maishan, o lugar de intercâmbio entre os mundos espiritual e material. Uma vez transposto esse limite, expresso como ‘a costa’ onde se localiza a Maisham simbólica, aparecem os distribuidores do tesouro portando a Veste de Glória que havia sido deixada na casa do Pai. Mais uma surpresa: a veste se parece como a imagem dele mesmo.[5] O reencontro consigo mesmo, o reconhecimento de sua imagem primordial e a união com ela significam o verdadeiro momento da salvação.
O fato de a veste parecer-se com seu dono é de grande importância em todas as tradições esotéricas. O conhecimento de nossa verdadeira natureza só pode ser realmente obtido através da gnosis, quando então percebemos todas as implicações de sermos a centelha divina interior, unos com o Pai e, portanto, com todos os seres.
Os tesoureiros apresentam-se como dois seres com uma única forma, representando a verdade oculta de que, no mundo da manifestação, toda unidade apresenta-se de forma dual. Cada ser de luz é completo trazendo em si os dois aspectos da totalidade, masculino e feminino, força e forma.
Os dois tesoureiros também representam o Mestre instrutor, que até então havia guiado ocultamente o jovem nobre, e o Grande Hierofante que concede a Iniciação, ou seja, a Veste de Luz que simboliza a iluminação suprema. Os fiéis depositários dos tesouros do Rei finalmente entregam a recompensa prometida ao herói, a veste gloriosa. A veste cravejada de jóias, os tesouros espirituais, tem estampada a Imagem do Rei dos Reis, ou seja, é uma expressão do Supremo. Ele, então, percebe que ‘movimentos de gnosis abundavam em toda a extensão (da veste) que estava se preparando como que para falar.’
A consciência da unidade faz com que a gnosis suprema seja concedida, desvelando a verdade sobre todas as coisas diretamente à mente.Pelas palavras da veste fica claro que o conquistador recebeu a iniciação final que o torna um super-homem, um Mestre de Compaixão e Sabedoria. Isso é confirmado pelo Nobre que diz: ‘E percebi em mim como minha estatura aumentava com sua atividade.’
O próximo passo é a cerimônia de posse da veste, que simboliza o grande esplendor que deve ser a cerimônia de iniciação de um Mestre. A beleza colorida da veste e o manto de cores resplandecentes expressam o fato de que ao tornar-se Uno com o Todo, o Adepto tem a seu alcance os poderes dos sete raios, simbolizados pela profusão de cores. Finalmente o vencedor coloca a veste de luz e o manto de poder, ascende ao ‘Portal das Boas Vindas e da Reverência’, onde inclina-se e presta homenagem à glória do Pai. Esse o recebe com alegria, da mesma forma como o Pai agiu na parábola do filho pródigo, e todos os súditos do Reino participam das comemorações, pois mais um Filho de Deus, ou um raio do Sol Espiritual, retornou à fonte depois de cumprida sua missão.
Raul Branco

[1] A versão aqui apresentado é uma tradução cotejada dos textos dos livros The Gnostic Religion, de Hans Jonas, The Other Bible, de Willis Barnstone, The Hymn of the Robe of Glory, de G.R.S. Mead e The Gnostic Scriptures, de Bentley Layton. As diferenças existentes entre as versões em inglês desses quatro autores explicam-se, em parte, pelo fato de existirem originais em grego e siríaco, que apresentam algumas diferenças.[2] Vide Geoffrey Hodson, The Hidden Wisdom in the Holy Bible, vol. I, pg. 181/183.[3] H.P. Blavatsky, A Voz do Silêncio, ( Editora Pensamento)[4] “Ascendi à luz como se na carruagem da Verdade, a Verdade guiava e me levava. Ela me carregou sobre golfos e abismos e me agüentou na subida de gargantas e vales. Ela tornou-se para mim um porto de salvação e colocou-me nos braços da vida eterna.” (Ode 38, 1-3)[5] A idéia de que a Veste é sua imagem também foi expressa por Paulo: “E nós todos que, com a face descoberta, refletimos como num espelho a glória do Senhor, somos transfigurados nessa mesma imagem, cada vez mais resplandecente, pela ação do Senhor, que é Espírito.” (II Cor 3,18)

terça-feira, 21 de julho de 2009

Cátaros e Catarismo


Primórdios ocultos do catarismo!Freqüentemente são agrupados sob o nome de gnósticos grupos muito diferentes, até mesmo opostos, para ter um motivo para combatê-los, exterminá-los, e sobretudo caluniá-los. Os Essênios formaram uma comunidade gnóstica de judeus piedosos que claramente se distanciaram de seus compatriotas.
Eles se diferenciavam pela pureza de seu caminho e de sua vida.
Eles se distinguiam pela completa pureza de seus costumes.
Eles aprovavam o casamento como forma de conservação do gênero humano, mas não se guiavam pelas volúpias da carne.
Condenavam os juramentos, a propriedade de bens, a alimentação carnívora e abominavam a mentira.
Eles viviam em perfeito desapego das paixões e conflitos humanos ordinários e dos bens terrenos.

Eram chamados também de Terapeutas, porque curavam os doentes.
Esta comunidade de “puros” se apresentava como a guardiã do verdadeiro sacerdócio hebraico.
Ela preparava o nascimento da nova era de luz: a era cristã.
Enviados e guiados da fraternidade dos essênios, dos “mestres da justiça”, eles representavam, por intermédio de suas vidas e atitudes, a vinda de um “novo homem”, do qual Mestre Jesus, o Cristo era o protótipo.

Para os essênios, não era possível se aproximar dos mistérios divinos senão por uma vida no Espírito, pelo amor a Deus e pelo respeito aos homens e à vida. Devido a seu modo de viver como os primeiros cristãos, os Pais da Igreja os consideram como cristãos apostólicos.A Escola de Alexandria deve ser considerada como um período de fusão das principais filosofias da Antigüidade. Um gigantesco cadinho em que as religiões e filosofias do mundo vieram se mesclar: judaísmo, platonismo, cristianismo, gnosis cristã e egípcia.

O helenismo aí revela a antiga sabedoria dos Mistérios, retirada da fonte original comum: o Egito. Ali se pode ver o magnífico paralelismo entre Fílon e Platão. Ammonius Saccas, fundador da doutrina neo-platônica, aí se tornou uma luz: pagãos e cristãos, que admirável, usavam seu nome.

Clemente de Alexandria, Orígenes e cristãos encontravam-se com pagãos como Plotino e Porfírio. Os gnósticos se ocupavam ativamente em desembaraçar a filosofia, a ciência sagrada. Eles abordavam de maneira audaciosa os maiores problemas (a existência do mal, o tempo e a eternidade, a corrupção universal e o caminho da perfeição, o homem e Deus) e pretendiam resolvê-los graças à Gnosis, a revelação interior de Deus.Isso explica por que a maioria dos padres gregos, nutridos pela Gnosis alexandrina, guardaram essa impressão de alta espiritualidade: Clemente de Alexandria, João Crisóstomo, Orígenes.
Um século depois de Agostinho, que fora maniqueu antes de ser cristão católico , Atanásio, bispo de Alexandria, professava uma doutrina da alma digna de um verdadeiro gnóstico. Tertuliano teria sido um dos primeiros fiéis da Igreja dos “puros” (catharoï); como Montanius, fundador da primeira Igreja cátara em 140; como Novat, bispo cátaro em Cartago; como Novatiano, que se tornou papa, e permaneceu papa (em 250) durante vinte anos!
Foi nesse verdadeiro cadinho espiritual alexandrino que se confrontaram a sabedoria de Hermes, o essenismo e o neoplatonismo com o cristianismo, em cujo espírito o catarismo se desenvolveu.

Desde a aurora dos tempos, os que transmitiram a sabedoria, a Gnosis, incitaram a humanidade a descobrir que um caminho de regresso à perfeição original existe e que um processo imenso e misterioso leva à verdadeira vida, a vida do homem-alma-espírito.Em verdade, de Rama, o arquidruida, até Hermes Trismegisto, de Hermes a Pitágoras, de Pitágoras a Virgílio, de Virgílio a Dante, é a mesma corrente espiritual e secular que gira. Celtismo e pitagorismo são irmãos. Druidismo e cristianismo se completam, e não é de modo algum por acaso! A essência da doutrina dos druidas é cristã em seus fundamentos puros, embora ela tenha sido elaborada antes de Cristo.

Índia, Egito, Palestina, Grécia e Alexandria;Pitágoras, Platão, Jesus; Dante, Gnosis islâmica;para finalmente aparecer na Europa com os cátaros, os templários, os rosacruzes...Uma longa corrente áurea, uma série de elos conectados uns aos outros.Mas é sempre o mesmo pensamento no trabalho, um fundamento espiritual idêntico que reencontramos sob símbolos diferentes: a Gnosis, o templo do Espírito, a Fraternidade Universal.O Mistério envolve todas as origens: a do mundo, a do cristianismo, a do homem.Cristo, ele próprio, trabalha em uma “nuvem luminosa”; e quando ele enraíza profundamente o trono divino, vemos surgir através do matagal confuso três ramos-raiz:


O ramo judeu e tradicional de São Pedro;
O ramo grego de São Paulo;
O ramo oriental, platônico e místico de São João.

A qual dessas três ramificações primitivas se ligam os cátaros, o catarismo dos Pireneus franceses, com o maniqueísmo aquitano, os templários e mais tarde os rosacruzes?Evidentemente à última, a de João, filho de Zebedeu, o discípulo bem amado do Senhor!Moisés desceu das nuvens trovejantes do Sinai portando as Tábuas da Lei. Cristo, ascendendo em sua glória, deixa ao mundo apenas seu Verbo. O Verbo se condensa em um evangelho primordial. Esse arqui-evangelho hebreu é dividido em quatro evangelhos gregos que se fragmentam em uma multiplicidade de lendas evangélicas escritas em idiomas orientais. Cada nação tem sua própria biografia de Jesus, cada grupo de fiéis modifica a imagem de Cristo de acordo com suas próprias idéias:

Para os judeus, ele é “filho de Abraão”;

Para os gregos, ele é “Filho do Homem” e suas origens remontam a Adão;

Os orientais ignoram toda sua genealogia humana e vêm nele apenas o Verbo, Filho de Deus.Cristo também tem sua mitologia. A igreja se arroga o direito de tornar proscrita essa diversidade de lendas apócrifas e considera verdadeiros apenas os quatro evangelhos: o homem, o leão, o touro e a águia. O concílio de Nicéia os declara “os únicos ortodoxos”. Mas a fonte dos quatro rios, o exemplar único e original, o arqui-evangelho, desapareceu! Gregório de Naziance, bispo greco-asiático do século IV, patriarca de Constantinopla, dizia:

“Mateus foi escrito para os hebreus;

Marcos, para os romanos;
Lucas, para os helenos;

João, para todos os povos do Universo.

”No lugar do “Verbo”, os cátaros invocavam o Paracleto.

O evangelho de João se constituía quase inteiramente sua Bíblia, onde sua história principiava.O Apocalipse de Patmos abria sua epopéia. Seu espírito tinha o temperamento da águia, símbolo de “Boanerges” (filho do trovão). Pelo apóstolo João, o “amado do Salvador”, e pelo seu evangelho, os cátaros eram não somente da mais pura linhagem evangélica, mas ainda da mais alta origem ortodoxa. Entretanto, eles ultrapassaram esse poderoso impulso até o mais alto ideal cristão. O evangelho espiritual estava ligado ao sentido da mais alta realização: o homem-espírito.

Eles não eram apenas místicos, eram também gnósticos.Seu cristianismo era uma “gnose”, um “conhecimento” dos mistérios divinos e uma pregação. Seu chefe era o Verbo que ensina. Como o Deus Salvador de Platão, ele salvava pela verdade, não pela expiação ou martírio.A razão nunca pôde explicar a coexistência simultânea do infinito e do finito, de Deus e do mundo. Se o Espírito é o Ser, a matéria é o nada. Se o Espírito é o bem, a matéria é o mal, ou seja, o não-ser. Deus, sendo o Ser infinito, a carne é apenas uma sombra, o mundo uma aparência, o destino um drama trágico, fantasmagórico!Havia gnósticos judeus e gnósticos greco-sírios. A estes últimos estava ligado o catarismo da região dos Pireneus. Eles eram gregos orientais.Greco-hindu, o catarismo rejeitava o judaísmo, os livros hebreus, as violências de Moisés, os trovões de Jeová.“Deus é Amor”.

Ele se distingue claramente do maniqueísmo persa ao rejeitar o dualismo entre o Espírito e a matéria, seu mal eterno, seus resquícios do mazdeísmo. Zoroastro lhe era tão estranho quanto Moisés.Cristão, anterior ao cristianismo do Concílio de Nicéia, o catarismo não aceita os livros judeus, nem os evangelhos judaicos, nem os símbolos da Igreja imperial, nem as pompas pagãs da teocracia romana.Ele está ligado, sobretudo, a Montanius, a Marcion, os primeiros “cátaros” (140-199), a Novat, a Novatiano (o papa cátaro).

Gnóstico, ele se separa dos outros gnósticos deixando de lado os éons, os Abraxas, os diagramas, os números cabalísticos. Ele se separa do tronco cristianismo pelo ramo-raiz de São João e forma como um neo-cristianismo mediante a elevada idéia geradora do Paracleto.“Religião do Espírito” (Mani, manas, mens, designando o pensar superior, o Espírito).

É a religião de Hermes, o Mercúrio da cultura latina.Nos ensinamentos “herméticos”, a tônica é colocada no pensamento superior que é a alma divina: somente a alma, nascida no coração, se liga ao Espírito. Ela “conhece” Deus. Ela serve a Deus pela razão esclarecida. Somente o Espírito, manifestado na Alma, salva o ser humano.
Inspirado por Alexandria, esse movimento se diferencia do neoplatonismo por rejeitar todas as mitologias e tradições órficas, homéricas e olímpicas, para se unir, por intermédio de João, a Cristo.O Evangelho de João é para ele, “o livro levado pelo anjo ao Zênite do Céu”.Ele se destaca de Francisco de Assis, bem como de Joaquim de Flore, pelos seus dogmas alexandrinos e por seu insuperável horror a Roma, dos horrendos processos da Inquisição, da morte dos hereges proclamada por Leão I em 447, da vergonhosa condenação do livre pensamento pelos grandes teólogos católicos, dos quais o modelo, sem sombra de dúvida, foi fornecido por São Tomás de Aquino.

O que eles adoravam era “Mani”, ou o Espírito Santo. Maneísmo não é sinônimo de maniqueísmo. Que trágico erro tem causado esta confusão propositada! É todo o drama cátaro!
A Occitânia ( sul da França) foi a terra do reencontro predestinada da corrente cristã de origem bogomila, introduzida no ocidente pelos mercadores “boulgres” ou búlgaros (dentre os quais Paulo, o Armênio) no século X, com a corrente pirenaica vinda da Espanha. A corrente espanhola surgiu na costa oriental do Mediterrâneo durante o século I. Ela se fortificou em Alexandria em contato com o neoplatonismo de Plotino e Orígenes.Então, essa corrente espiritual de “Mani” ganha a África do norte com Marcos de Menfis e Fausto de Milevo (ao qual se opõe Agostinho, que renegou os maníqueus, do qual não pôde penetrar os aspectos interiores).O maneísmo, em sua própria essência, é anterior ao espírito dogmático do Concílio de Nicéia.“Pode-se considerar o maneísmo aquitano, ou occitano (denominado mais tarde albigense), como uma evolução nova do cristianismo e como seu desabrochar definitivo, sua sutilização suprema e celestial.”
“Se o judaísmo é a religião do Pai (de Jeová), se o cristianismo é a religião do Filho (de Jesus), então o catarismo é a religião do Espírito (do Paracleto).Como o cristianismo se distingue do judaísmo pelo Verbo, o catarismo se distingue do cristianismo eclesiástico pelo Paracleto.”Segundo o cristianismo das igrejas, o gênero humano foi salvo pelo Filho. Acreditar nele traz a salvação.

No catarismo, a salvação provém do Paracleto, do Consolador. É ele, o Espírito Santo, que desperta a alma de seu sono ébrio na matéria e lhe dá o anseio pelo absoluto, por Deus.Ouvir a Palavra é, então, saber-se portador da centelha-de-luz do Deus verdadeiro e fazê-la crescer como a força do Filho.O catarismo, que reivindicava como sua Mãe a igreja cristã, ignorava a sinagoga judaica, que por sua vez rejeitava a Igreja cristã como sendo muito intelectual. A Igreja cristã, que se tornou católica, rejeitava a Igreja cátara como sendo muito espiritual, muito idealista...
De tal forma que a Igreja cátara, então legítima pretendente ao título de cristã, deveria, após esse desenvolvimento, sustentar o nome de “paracletiana”.
Ela é a “Igreja da Consolação”, pura e purificadora, santa e santificante, consoladora e consolada no exílio do mundo.Ela é a Consolação do Universo: ela desdenha o mundo, abomina o sangue, extingue o inferno, converte Satã, proclama a salvação universal. “Por essa sólida evolução, o catarismo pode ser considerado uma nova religião que escapou da Igreja como uma borboleta da crisálida. Essa transformação, que foi seu brilhante infortúnio no passado, deverá ser no futuro seu glorioso epitáfio.”Os primeiros “Amigos de Deus” formaram uma fraternidade igualitária, professando o sacerdócio universal. Mais tarde, as perseguições levaram os cátaros a se organizar; três degraus se formaram na igualdade primitiva: o noviciado, a perfeição e o sacerdócio. O diaconato fora elevado a episcopado e do episcopado desabrocharia o patriarcado.
A religião do Espírito consolador e purificador, tão antiga quanto a dor e o mal, que queria curar as feridas, remonta aos primeiros dias do mundo.Antes de Cristo, ela projetou seus raios sobre os brâmanes da Índia, os magos da Pérsia, os essênios do judaísmo, os gregos, sobre Pitágoras e Platão.Depois de Cristo, entre todos os gnósticos, está mais voltada ao pensamento de Platão e à moral de Pitágoras, conservando entretanto, sua pura radiação primordial no Oriente: um raio celeste e uma lâmpada grega.Aí termina sua hierarquia que, daí por diante, conserva o monopólio do patriarcado. Essa aristocracia patriarcal jamais tomou o aspecto de uma monarquia teocrática. Ela não serviu, em momento algum, aos sonhos de Manes, que envolvia o mundo todo em seu projeto de teocracia universal.
O catarismo pireneu foi, em sua essência, espiritualista demais para personificar o Paracleto em um homem: seu papa era o Espírito; seu Vaticano, o céu! Nenhuma palavra velada na Bíblia, nenhuma escritura acorrentada no Templo.
Nenhum Deus cativo no tabernáculo.
Nenhum sacerdote carcereiro de Deus.
Nenhum papa zelador do céu e do inferno.
Nenhuma servidão ou morte do Espírito!

Deus salvou duas vezes o mundo do materialismo e da corrupção, pela imensa revolução da Gnosis: os místicos, os gnósticos, os solitários dos desertos, os grandes pensadores das cavernas. Ele soergueu os cátaros, os leonistas, os espiritualistas de Narbone e da Calábria contra as crenças e dogmas não racionais.Essas eram as igrejas proscritas de São João e São Paulo.Eram os templários, os cátaros e mais tarde os rosacruzes, irmãos da Fraternidade Universal, que elevariam o templo do Espírito: a grande ‘Mani da Aquitânia. Verdadeiros pioneiros em seu tempo da Igreja do Espírito, que persistiam incansáveis em sua tarefa de “pescadores de homens”, abrindo desde a base o caminho do renascimento do Espírito, freqüentemente proscritos, perseguidos e traídos, mas jamais desencorajados.Orígenes, Marcos de Mênfis...

“Temos ainda, e após o ano 140 d.C., outros líderes espirituais: o grande Orígenes, Marcos de Mênfis (desde o ano 300), Prisciliano de Ávila, Félix de Urgel, Paulo da Armênia, Erigène da Irlanda, Lisois de Orleans. Também Nicetas de Constantinopla, que veio organizar o catarismo na região dos Pireneus em face das perseguições que ocorriam.”
O catarismo chegou ao Ocidente sob sua forma pura, com Marcos de Mênfis antes do ano 350. Seu aluno favorito, Prisciliano de Ávila, o espalhou por toda a Espanha, a Gália, a Inglaterra, a Bélgica, a Suíça, a Holanda, a Alemanha, até 382. Essa é data em que ele foi decapitado em Treves (Alemanha) por instigação de bispos católicos. Ele foi o primeiro mártir herético.Seus grandes discípulos espanhóis Elipand, arcebispo de Toledo, e Félix, bispo de Urgel (Andorra e Sabartez) que reencontramos nos caminhos que levaram Prisciliano (de 788 a 800) a Narbonne, a Ratisbonne, até Frankfurt, até Aix-la-Chapelle, continuaram sua pregação.Mais tarde, Joaquim de Flore (1132 - 1202) produziria seu “Evangelho Espiritual” que teve igualmente uma profunda influência sobre a evolução do pensamento religioso.Todos vivificaram uma corrente espiritual na qual se inspiraria o catarismo

segunda-feira, 1 de junho de 2009

No Túmulo de Christian Rosenkreutz - Fernando Pessoa



I
Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda até corpo, essa descida
Até à noite que nos a Alma obstrui,

Conheceremos pois toda a escondida
Verdade do que é tudo que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida…
Nem Deus, que nos criou, em Si a inclui

Deus é o Homem de outro Deus maior:
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,
Foi criado, e a Verdade lhe morreu…
De Além o Abismo, Sprito Seu, Lha veda;
Aquém não há no Mundo, Corpo Seu.
II
Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz, já apagada,
Do Caos, chão do Ser, foi levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.

Mas se a Alma sente a sua forma errada,
Em si que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.

Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo do Mestre e o Bem profundo;
Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue actual de Cristo enfim libertos
Do a Deus que morre a geração do Mundo.

III
Ah, mas aqui, onde irreais erramos,
Dormimos o que somos, e a verdade,
Inda que enfim em sonhos a vejamos,
Vemo-la, porque em sonho, em falsidade.

Sombras buscando corpos, se os achamos
Como sentir a sua realidade?
Com mãos de sombra, Sombras, que tocamos?
Nosso toque é ausência e vacuidade.

Quem desta Alma fechada nos liberta?
Sem ver, ouvimos para além da sala
De ser: mas como, aqui, a porta aberta?
…………………………………
Calmo na falsa morte a nós exposto,
O Livro ocluso contra o peito posto,
Nosso Pai Rosaecruz conhece e cala.”


Fernando Pessoa

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Bibliógrafos fidedignos de Gnosticismo




Elaine Pagels professora de religião na Universidade de Princeton e Ph.D. da Universidade de Harvard. Em Harvard ela fez parte de um grupo que estudou os rolos de Nag Hammadi, dessa experiência resultou a base para o seu primeiro livro Os Evangelhos Gnósticos, Esse livro é uma introdução aos textos de Nag Hammadi para o público leigo e é, desde o seu lançamento, um best-seller. Nos EUA, ganhou os prêmios National Book Critics Circle Award e National Book Award e foi escolhido pela Modern Library como um dos 100 melhores livros do século XX. Escreveu: Os Evangelhos Gnósticos, Adão, Eva e a Serpente, As Origens de Satanás, O Paulo Gnóstico, Além de Toda Crença.




Bentley Layton(1941) Ph.D Harvard, é Professor de Estudos Religiosos e Professor do Oriente Próximo Línguas e Civilizações (copta) na Universidade de Yale (desde 1983).Autoridade reconhecida internacionalmente, em literatura gnóstica. Membro do projeto da UNESCO, CAIRO, que publicou a Biblioteca de Nag Hammadi. Formado em Harvard, "Redescoberta tardia do gnosticismo", foi o título da conferência internacional que ele apresentou na Universidade de Yale em 1980. Seus interesses encontram-se na história do cristianismo desde suas origens até o surgimento do Islã, os estudos gnósticos e copta . Seu livro mais acessível é "As Escrituras Gnósticas", que apresenta parte da literatura gnóstica enigmáticos do cristianismo. Ele apresenta sua seleção de escrituras gnósticas, os escritos de Valentino e seus seguidores, e os escritos relacionados que exibem tendências gnósticas no contexto mais amplo de cristianismo primitivo e do judaísmo helenístico, com introduções generosas e anotações abundantes. Para os especialistas, a gramática copta de Layton é um texto padrão. Ele catalogou todos os manuscritos coptas na
Biblioteca Britânica. Ele é membro do conselho da Harvard Theological Review eo Journal of Studies copta.


George Mead Robert Stowe (1863 - 1933) foi um autor, editor, tradutor, e um influente membro da Sociedade Theosophica. Se tornou o secretário pessoal de Helena Pretovna Blavatsky. Escreveu /traduziu as seguintes obras: Simon Magus (1892) Orpheus (1895/6) Pistis Sophia (1896, 1921 ed). Fragments of a Faith Forgotten, (1900) Apollonius of Tyana 1905. from which a selection Thrice Great Hermes: Studies in Hellenistic Theosophy and Gnosis, 3 Volumes (1906), Corpus Hermeticum, The Hymns of Hermes, The Gnosis of the Mind, The Outer Evidence as to the Authority and Authorship of the Gospels, Commentary on the Pymander , The Synoptical Problem The Fourth Gospel Problem, Introduction to Pistis Sophia, Fragments of a Faith Forgotten (London and Benares, 1900; 3rd edition 1931): Introduction to Marcion, Gnostic John the Baptizer: Selections from the Mandæan John-Book (1924), Did Jesus Live 100 BC?, Address read at H.P. Blavatsky's cremation, Concerning H.P.B. Doctrine of the Subtle Body in Western Tradition




James M. Robinson (born 1924) é professor Emérito de religião, na Universidade de Claremont, Califórnia. É o mais proeminente erudito do século 20, da biblioteca de Nag Hammadi. Obras: The Nag Hammadi Library in English, The Gospel of Jesus, The Sayings Gospel Q in Greek and English, dentre outros….




Stephan A. Hoeller, (1931 - )Ph.D. em filosofia da religião da Universidade de Innsbruck em Áustria, escritor, erudito e líder religioso. Autor de: Gnosticismo, Os Evangelhos Perdidos, A Gnose de Jung.





Jakob Böhme,ou Jacob Boehme, (Alt Seidenberg, 1575 — Görlitz, 17 de Novembro de 1624) foi filósofo e místico cristão alemão,as obras que escreveu são o maior monumento de conhecimentos teogônicos (concernentes ao surgimento dos primeiros princípios em Deus) e cosmogônicos (concernentes à criação do Universo e das criaturas) da história do cristianismo. Autor de: em português, A aurora nascente, A sabedoria divina, A revelação do grande mistério, Os três princípios da essência divina, Quarenta questões sobre a alma.




Marsílio Ficino (Figline Valdarno, Florença, 19 de outubro de 1433 — 1499), foi escritor, tradutor, músico, médico, e, principalmente, grande filósofo. místico italiano, é o maior representante do Humanismo florentino. Juntamente com Giovanni Pico della Mirandola, está na origem dos grandes sistemas de pensamento renascentistas e da filosofia do século XVII. Traduziu obras de Platão e difundiu suas idéias. Por volta de 1462, Ficino publicou suas primeiras traduções: os Hinos de Orfeu, os Gathas de Zoroastro. No ano seguinte veio uma obra ainda mais importante: a tradução completa dos textos herméticos, Corpus Hermeticum de Hermes Trismegistus que seria reeditada muitas vezes. A academia de Florença (fundada por Marsílio) exerceu grande influência sobre a cultura européia e as cartas de Ficino foram ligando muitas personagens eminentes com as idéias e conceitos da antiga sabedoria.
Plotino(ca. 205 - 270), o pai do neoplatonismo, natural de Licopólis, Egito, foi discípulo de Amônio Sacas e mestre de Porfírio. A influência de Plotino e dos neoplatônicos sobre o pensamento cristão, islâmico e judaico, bem como sobre os pensadores de proa do Renascimento, foi enorme. Foram direta ou indiretamente influenciados por ele, Dionísio Pseudo-Areopagita, Alberto Magno, Dante Alighieri, Mestre Eckhart, João da Cruz, Marsílio Ficino, Pico de la Mirandola, Giordano Bruno, Avicena, Ibn Gabirol, Espinosa, Leibniz. Sua Obra Magistral: Enéadas - 1ª Enéada O Homem e a Moral. 2ª Enéada O Mundo e suas Leis Físicas. 3ª Enéada O Destino e a Providência. 4ª Enéada Contém o referente à Alma. 5ª Enéada O Inteligência. 6ª Enéada O Ser e o Uno.


Hermes Trismegistus, latim: Hermes Trismegistus; em grego Ερμης ο Τρισμεγιστος, "Hermes, o três vezes grande") é o nome dado pelos neoplatônicos, místicos e alquimistas ao deus egípcio Thoth, identificado com o deus grego Hermes. Ambos eram os deuses da escrita e da magia nas respectivas culturas. Hermes era o autor de um conjunto de textos sagrados, "herméticos", contendo ensinamentos sobre artes, ciências e religião e filosofia: O Corpus Hermeticum , datado entre o século I ao século III, representou a fonte de inspiração do pensamento hermético e neoplatônico renascentista. Na época acreditava-se que o texto remontasse à antiguidade egípcia, anterior a Moisés e que nele estivesse contido também o prenúncio do cristianismo. Autor também do Livro dos Mortos, e do mais famoso texto alquímico a "Tábua de Esmeralda".


Huberto Rohden, São Ludgero, 31 de dezembro de 1893 foi um filósofo, educador e teólogo catarinense, radicado em São Paulo. escreveu mais de 100 obras (ao final da vida, condensadas em 65 livros), onde franqueou leitura ecumênica de temáticas espirituais e abordagem espiritualista de questões pertinentes à Pedagogia, Ciência e Filosofia, enfatizando o autoconhecimento, auto-educação e a auto-realização. Propositor da filosofia univérsica, conexão do ser humano com a consciência coletiva do universo e florescimento da essência divina do indivíduo, reconhecendo que deve assumir as conseqüências dos atos e buscar a reforma íntima, sem atribuir à autoridade eclesiástica o poder de eliminar os débitos morais do fiel. Lecionou na Universidade de Princeton, American University, de Washington D.C.(EUA). Alguns dos Livros: Filosofia Cósmica do Evangelho, O Sermão da Montanha, Assim Dizia o Mestre, O Triunfo da Vida sobre a Morte, O Nosso Mestre, Paulo de Tarso, O Cristo Cósmico e os Essênios, O 5o. Evangelho Segundo Tomé (tradução), O Drama Milenar do Cristo e do Anticristo, A Metafísica do Cristianismo, De Alma para Alma, dentre outros....


Raul Branco é gaúcho, nascido em Vacaria em 1938. Formou-se em economia no Rio de Janeiro e obteve o doutorado na Universidade de McGill, no Canadá.
Lecionou em várias universidades dos Estados Unidos, trabalhou na Organização das Nações Unidas (ONU), em New York, Genebra e Roma, por 13 anos, participando de diversas conferências internacionais.

Seu despertar espiritual ocorreu aos 49 anos, quando começou a buscar no yoga, no budismo, no vedanta e na teosofia respostas para as incessantes perguntas de seu coração. Descobriu, finalmente, que não precisava buscar longe o que estava perto, ou seja, o cristianismo primitivo pouco conhecido em nossa tradição cristã.
Traduziu e comentou um antigo texto da tradição esotérica cristã, publicado como Pistis Sophia, os Mistérios de Jesus, e escreveu o livro Os Ensinamentos de Jesus e a Tradição Esotérica Cristã. 
  
Escreveu vários artigos e faz palestras sobre a vida espiritual e o cristianismo.


Fernando Pessoa, 13 de Junho de 1888 nascia em Lisboa,às 15h20, tinha ascendente Escorpião e o Sol em Gémeos, Gnóstico, possuía ligações a Tradição, com destaque para a Maçonaria e a Rosa-Cruz, havendo inclusive defendido publicamente as organizações iniciáticas, no Diário de Lisboa de 4 de fevereiro de 1935, contra ataques por parte da ditadura do Estado Novo. O seu poema hermético mais conhecido e apreciado entre os estudantes de esoterismo intitula-se "No Túmulo de Christian Rosenkreutz". Deixa escrito o Livro Rosa Cruz.



terça-feira, 19 de maio de 2009

Irmão Fernando Pessoa

A filosofia hermética assume-se como uma das facetas mais importantes do pensamento de Fernando Pessoa. Se é verdade que é na obra poética que se dá a grande realização de Fernando Pessoa, não é menos verdade que a contínua reflexão filosófica e mistica- religiosa, é uma faceta igualmente importante que convém revelar.
Em Essay of Initiation ele identifica transcendência com a fusão de toda a poesia lírica, épica e dramática:

"O meu destino pertence a outra lei...", escreve numa carta a Ofélia

Este gnosticismo, explica talvez parte da dificilmente explicável filosofia de Pessoa, que é hermética, mas numa multiplicidade de sentidos, apenas comparáveis aos múltiplos da heteronímia.

Mais adiante escreve: "O mistério (que é tudo) não é comprehensível se não há emoção. A inteligência não pode compreender o mistério".
Ao adepto são pedidas várias vitórias: a vitória sobre o Mundo, a vitória sobre a Carne, a vitória sobre o Diabo. Mas no fim do caminho, descobre que "terá o que sempre teve", isto é, que nada lhe é dado exteriormente que ele já não possua primeiro interiormente.
Este é o sentido místico de toda a iniciação. Dá-se "no Ego Íntimo", em quem morrer o mundo, a carne, o diabo (a tentação de ambos) e que ressurge para uma vida nova, esclarecida, iluminada.
Para Pessoa "a vida é uma symbolologia confusa", e nada deve ser tomado como definitivamente conhecido. Existe sempre o perigo do erro e da ilusão.
Desenvolve ainda a ideia de que a iniciação tem a ver com alma, sendo "uma espécie de nova região por onde a alma se transforma".
Ao filósofo ele aconselha como regra o silêncio, o estudo e o trabalho. E que organize a sua vida "como uma obra literária pondo nela a maior unidade possível" .
Diz contudo que "o significado real da iniciação é, para este mundo em que vivemos um símbolo e uma sombra, que esta vida que conhecemos pelos sentido é uma morte e um sono, ou, por outras palavras, que o que vemos é uma ilusão" . A iniciação é o dispersar dessa ilusão.
Confia-se sobretudo no estudo e na intuição. A intuição é reveladora de conteúdos profundos e espirituais. Permite "a união com deus" de que se fala.
Fernando Pessoa encontra na poesia hermética uma via para o instruir sobre a natureza do homem (e da arte, como sua mais elevada dimensão), a natureza do Universo e Deus.



Iniciação
Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo...
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiran-te os Anjos a capa :
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada :
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais....
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não 'stás morto, entre ciprestes...
Neófito, não há morte



EROS E PSIQUE

"Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante, que viria
De além do muro da estrada
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, ja libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa adormecida,
se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orná-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguem.
Mas cada um cumpre o destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vem vencendo estrada e muro,
Chega onde sem sono ela mora,
E, indo tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia."
(FERNANDO PESSOA)

sexta-feira, 24 de abril de 2009

JACOB BOEHME


Sempre que mencionado Jacob Boehme é lembrado como sapateiro (um artesão do século XVI ). De fato, nascido em 24 de abril de 1575, ou pouco antes desta data, em Altseidenberg, perto de Görlitz, na Alemanha Ocidental, seguindo seu aprendizado, montou seu próprio negócio como sapateiro em Görlitz onde residiu (exceto por um período de exílio em Dresden ) até sua morte em 17 de novembro de 1624.

Mas enquanto exercia ativamente sua profissão como sapateiro e, mais tarde, como comerciante, teve uma experiência mística profunda aos 25 anos de idade (1600) que, com o tempo, levou-o a uma marcante carreira independente de erudição e escrita.
Embora censurado por heresia e silenciado por sete anos pelo Conselho da cidade de Görlitz, ele produziu cerca de 30 livros e tratados sobre Teologia Filosófica e ganhou muitos seguidores entre a nobreza e as classes profissionais.
No prefácio do livro de J.J.Stoudt, intitulado “Sunrise to Eternity : A Study of Jacob Boehme’s Life and Thoughts”, P. Tillich escreve: “Embora os pensamentos de Jacob Boehme tenham mudado durante suas escritas de um estágio nada refinado até um estágio de clareza comparativa, eles estão sempre expressados em uma linguagem que reflete visão especulativa, experiência mística, “insight” psicológico e tradição alquímica. É freqüente a dificuldade de descobrir o elemento racional nesta mistura, mas ele está lá e ele teve uma assombrosa influência sobre a história da filosofia ocidental.
Necessitamos apenas mencionar o famoso livro de Schelling sobre a liberdade humana que é profundamente dependente da visão de Boehme sobre a gênesis de Deus, mundo e o homem. Daí a influência indireta de Boehme atinge Hegel e Schopenhauer, Nietzsche e Hartmann, Bergson e Heidegger.”
As idéias de Boehme do processo da Criação e Divindade pressagiou a teologia de Alfred N. Whitehead do século XX. Ele foi também freqüentemente citado por C.G.Jung nas ilustrações da dinâmica transformativa do processo individual “alquímico” da “psyche”.

Boehme aparentemente tinha consciência que estava usando simbolismo alquímico de uma maneira psicológica. Cartas de Jung sugerem influências de Boehme sobre seu próprio ponto de vista religioso. Albert Schweitzer parece especialmente estar fiel ao espírito de Boehme, de seu espírito protestante independente, consistente com os conhecimentos modernos.

O desejo de saber é inato no homem, afirmou Aristóteles; manifesta-se, desde cedo, na criança, pela curiosidade natural, através dos "porquês" e dos "cornos" e continua vida afora, durante todo o período de desenvolvimento do ser humano.

Esse desejo de saber é o princípio das ciências, cujo fim primeiro não está em oferecer ao homem os meios de agir sobre a natureza, mas, inicialmente, em satisfazer sua natural curiosidade.
O conhecimento filosófico é a mais alta expressão da necessidade de saber. Enquanto visa conhecer as coisas por suas causas, as causas mais imediatas, é uma ciência; a filosofia tem por fim descobrir as causas mais universais, ou seja, as causas primeiras das coisas. Ela se serve apenas da "razão natural", distinguindo-se, por isso mesmo, da Teologia, que se apóia, em seus primeiros princípios, nas verdades reveladas, enquanto a Filosofia apela unicamente para as "luzes da razão".

Os estudantes das verdades eternas, incluindo-se os Martinistas, simbolizavam, sempre, o processo (mental) por um arqueiro disparando suas flechas sem acertar o alvo, para transmitir, claramente, a arte do controle do pensamento.

O alvo representa a essência Divina em nosso interior, ou o centro, para o qual dirigimos nossas preces. O arco representa a própria alma que deveria estender-se como a corda do arco. Nossos pensamentos são as flechas e nosso Ser exterior, o arqueiro. Como os arqueiros sabem, o tiro ao alvo requer atenção e calma.

A mesma atenção e calma são requisitos para a prática mística. Sem elas, as flechas caem perto do alvo e nossos pensamentos não alcançam seu objetivo. A vida de Jacob Boehme revela que ele não foi um místico comum; as repetidas declarações de que não realizou estudos formais, escolásticos, que não recebeu o que sabia de nenhum mestre-escola, mas da plena natureza, da própria vida, observando o que existia e que, mercê da graça divina, foi instruído por Deus, demonstram esse fato; seus estudos foram orientados no sentido místico e sua realidade decorreu de profundas reflexões que fez, fundamentalmente, debruçado sobre a Gênesis.

Considerado um dos mais originais e grandes místicos cristãos, Boehme possuía uma forte inclinação para as coisas do espírito; revelava, ao mesmo tempo, muitas caracteristicas do clarividente e do metafísico. Suas idéias influênciaram enormemente, não só a filosofia como o misticismo religioso.

O misticismo, em seu mais simples e essencial significado. é um tipo de religião que enfatiza a atenção imediata da ligação direta e íntima com Deus, com a consciência da Divindade . É a religião em seu mais apurado e intenso estágio de vida. O iniciado que alcançou o "segredo" foi chamado um místico. Os antigos cristãos empregavam a palavra "contemplação" para designar experiência mística.

A palavra "místico" foi empregada pela primeira vez no Mundo Ocidental, nos escritos atribuídos a "Dionisius, o Aeropagita", que apareceu no final do quinto século. "Dionysius" empregou a palavra para expressar um tipo de "Teologia", mais do que uma experiência. Para ele e para muitos intérpretes, desde então, o misticismo se baseava em uma teoria ou sistema religioso que concebe Deus como absolutamente transcendente, além da Razão, do pensamento, do intelecto e de todos os processos mentais.


A palavra, a partir de então, tem sido vagamente usada para os tipos de "conhecimento" esotérico e teosófico, não suscetíveis de verificação. A essência do misticismo é a experiência da comunicação direta com Deus.

"O místico é aquele que aspira a uma união pessoal ou à unidade com o Absoluto, que ele pode chamar Deus, Cósmico, Mente Universal, Ser Supremo, etc."

No prefácio de sua última obra, o Mysterium Magnum, escrita em 1623, declara Jacob Boehrne que recebeu, realmente, da graça divina, o poder e a capacidade de falar do Grande Mistério, ou do começo e origem de todas as coisas; e, "desde que somos capazes, pelo funcionamento da alma, de compreender o conhecimento real, a palavra inspirada da ciência divina", exporia nessa obra, até onde fosse possível, o seu fundamento ou "Grund" , não apenas para seu "Memorial", mas para o leitor se exercitar no conhecimento divino.

No livro "O Caminho para Cristo" ("The Way to Christ"), Boehne oferece a conotação de muitas expressões que empregou no decurso de seu trabalho e que julgamos conveniente transcrever aqui. Assim, centrum (centro) refere-se, em muitos casos, ao centro ou raiz de um ser; matriz, à fonte de um ser ou seres; locus, ao lugar determinado para um ser específico; separator (separador), ao poder de oposição; principium, simplesmente, a princípio, muitas vezes empregado como os três princípios; limbus (ou limus), quando aplicado ao homem, refere-se ao aspecto do homem pelo qual Cristo reside nele; turba magna refere-se ao desequilíbrio da ira despertada na queda de Adão e de Lúcifer; Verbo fiat é a palavra pela qual ocorreu a criação; paraíso é o ser da essência do primeiro ser; também tem esse sentido a palavra ens; apesar de se referir à quintessência, o ens é o elemento designado por tintura. Tintura é o poder pelo qual as coisas são modificadas, é a Palavra expressa, é a vida da sabedoria. Exteriormente, tintura é o poder pelo qual os metais-base são transformados em ouro.

O spiritus mundi (O espirito do mundo) é o poder atuante nos quatro elementos: signature (marca) é a manifestação externa de uma coisa: imaginação é o aspecto do homem pelo qual ele orienta ~ consciência; magia é o que atravessa a imaginação na direção do Mysterium Magnum (o mistério do Divino) e Sophia é a Sabedoria, a "noiva da alma".

Sua obra foi acrescida, posteriormente, de um relato de sua vida e das Tábuas da Revelação Divina, E no Mysterium Magnum, escrito um ano antes de sua morte, ele estuda a cosmogonia mística, fazendo minuciosa exposição do Primeiro Livro de Moisés, a "Genesis". Expôs, então, o que pensava a respeito da revelação ou manifestação da Palavra Divina e da origem do mundo, da Criação; do reino da Natureza e do reino da Graça, auxiliando a compreensão do Velho e do Novo Testamento; quem foram Adão e Cristo; explicou como o homem deve pensar e conhecer a si mesmo, à luz da Natureza; o que ele é, em quê consiste sua vida eterna e temporal, sua bem-aventurança ou Santidade e sua perdição.

"Eu não adquiri o conhecimento através do estudo; observei a ordem e a posição dos sete planetas nos livros dos astrólogos; concordei com eles, mas não pude aprender com os homens, em profundidade, como os planetas vieram a existir, de onde vieram; os homens não souberam explicar porque, realmente, não sabiam, e eu não estava presente quando Deus criou os planetas."

Podemos considerar, sem margem de erro, que Boehme foi um iluminado, que recebeu a Sabedoria ou o Conhecimento. Tocado momentânea e conscientemente pelo espírito divino, cedo compreendeu que há uma gnose vital, um Conhecimento Superior que transcende todo o conhecimento e instrução formal.

Mais de uma vez Jacob Boehme declarou que "não escrevia para os arrogantes e pretensiosos que, na verdade, nada sabem e permanecem, voluntariamente, na cegueira e na armadilha do demônio, onde os deixava, pois aqueles que se entregam a Satã, bebendo seu veneno, não são filhos de Deus" .

Desejava ser compreendido pelos filhos de Deus, transmitindo-lhes o conhecimento que Dele recebeu, pois acreditava que o momento para tal revelação havia chegado. Assim deixava a cargo de cada um, ver e aceitar, pois quem o fizesse, receberia sua recompensa e recomendação à gra~ do doce e eterno amor de Cristo.

A leitura das obras de Boehme levará o leitor à constatação de que a Verdade é realmente única e sempre esteve exposta à mente e ao coração dos homens; no século XVI foram revelados, pelos estudiosos da Filosofia e ciências afins, conhecimentos que ainda hoje permanecem na rota dos modernos buscadores e que, nesse caminhar, remontam, como aparente paradoxo, aos séculos passados onde encontram redivivos, valiosos subsídios para apoiar, esclarecer e informar o que hoje, embora com rótulos diferentes, num esforço para transcender a esfera dos hábitos cegos, é divulgado nas obras filosófIcas e místicas.
Boehme era versado nas Escrituras; uma vez mais nele se confIrmou o fato de que "se a Suprema Verdade não é conhecida, o estudo das escrituras é estéril e quando a Suprema Verdade é compreendida, o estudo das Escritura se toma inútil".

O estudante Martinista verificará, pela leitura das obras do príncipe dos filósofos que a teoria exposta por Boehme e a Filosofia de Saint Martin seu mais ilustre admirador apresentam alguns denominadores comuns, princípios gerais, concepções e pontos de contato, motivo pelo qual sua figura é altamente significativa e respeitada.

Os homens, que são de Deus, têm o conhecimento de Deus, o Pai único, de onde vieram e no Qual vivem; por isso, eu não posso desdenhar todas as regras que ditaram sobre a Filosofia, Astrologia e a Teologia; pretendo proceder de acordo com tais regras, por achar que, na maior parte, elas repousam em um fundamento-verdade. Assim, minha intenção será agir de acordo com estas regras, pois eu devo dizer que elas me auxiliaram, e que foi com elas que adquiri os primeiros elementos de meus conhecimentos. Eu não pretendo superar as bases desses estudiosos, mas quero levantar a terra, para eu poder ver a árvore desde a raiz, o tronco, os galhos, os ramos e as frutas, e a fim de que meus escritos não sejam uma coisa estranha, mas, com as filosofias, formar um só corpo, uma só árvore, que não produza senão a mesma espécie de frutos."
Escrevendo sobre assuntos vários, principalmente, os mistérios insondáveis da criação divina e humana, ou celeste e terrena, angélica e demoníaca, Boehme imprimiu-lhes tamanha profundidade, que muitos leitores, possivelmente, não os assimilarão de imediato; "é necessário fazermos uma verdadeira entrega ao espírito de Deus, até que uma luz advenha e se faça em nosso interior para que possamos compreendê-los; e isso ocorrerá àquele que for digno de receber, em sua inteligência, pois Deus não se manifesta no homem, imediatamente, ou bruscamente, segundo sua Sabedoria eterna e profundeza de Seus segredos; mas apenas, somente de tempos em tempos é que ele poderá vislumbrar um lampejo."
Em seus estudos, foi levado à busca de "uma pátria que não era simples visão, mas um lar", revelando-se, assim, um místico cabal.

Boehme compara a Filosofia, a Astrologia, a Teologia e a fonte de onde derivam, a uma bela árvore que cresce em um magnífico jardim de delícias.

A terra onde essa árvore cresce oferece-lhe continuamente seu suco , que a torna vivente e lhe permite vegetar (por si mesma), tornar-se grande e se ramificar em galhos majestosos.
Assim como a terra, por sua virtude (potencial específico) opera na árvore para que ela possa crescer e tornar-se frondosa, a árvore, com todos os seus galhos e ramos opera sem cessar, com todo o seu poder, para oferecer, de tempos em tempos, excelentes frutos.

Se, entretanto, a árvore frutificar pouco, ou se os frutos forem fracos, pequenos ou medíocres, não quer dizer que a natureza desta árvore seja destinada a produzir frutos maus, pois ela é magnífica e de excelente qualidade; isto pode ter sido causado por frio intenso, grande calor, pelas intempéries, pelas lagartas ou por insetos, pois as propriedades (ou as influências) que as estrelas espalham no espaço, corrompem-na e a impedem de produzir bons e abundantes frutos.
Não é, pois, regra geral da espécie, produzir os mais doces frutos à medida que a planta cresce e vai ficando mais vell1a. Ela pode produzir pouco quando é nova, por causa de sua abundante umidade ou da qualidade da terra (áspera, seca, fraca, pedregosa) e embora a árvore se cubra de flores, seus frutos cairão, à medida que crescerem, se ela não for plantada em terreno ou terra fértil.

Se a árvore tem em si uma qualidade doce e boa, tem, também, três outras que a combatem: a amarga, a áspera e a adstringente. O mesmo ocorre com seus frutos, até que o Sol atue neles, adoçando-os, dando-ll1es um gosto agradável, e até que eles adquiram força para resistir à chuva, ao vento e às tempestades.

Quando, porém, a árvore se toma velha, com os galhos secos, e seu suco não mais subir à copa, muitos brotos verdes crescem ao redor do tronco e até mesmo sobre a raiz, patenteando o envell1ecimento desta árvore que fora, outrora, um pequenino arbusto coberto de ramos soberbos; a natureza (o suco) conserva-se até que o tronco fique completamente seco; então, é cortado, vira lenha e vai para o fogo. Atente, caro leitor, para esta comparação.

O jardim onde a árvore está significa o mundo; o terreno, a natureza; o tronco da árvore, as estrelas; os galhos, os elementos; as frutas que surgem desta árvore, os homens; o suco, a pura divindade; os homens são, pois, formados da natureza, das estrelas e dos elementos. E Deus, o criador, domina todas as coisas, como o faz o suco, em relação à árvore inteira.
A natureza possui, em si mesma, duas qualidades, e isto assim será até o julgamento de Deus; uma, amável, celeste e santa e outra, áspera, infernal e voraz.

A qualidade boa atua e trabalha continuamente com grande atividade, para produzir bons frutos, nos quais o espírito santo domina; a natureza oferece, para isso, seu suco e sua vida. A qualidade má também cresce e faz grande esforço para produzir sempre frutos maus; é alimentada, para isso, com o suco e a chama infernal do demônio.

Estas duas coisas estão, agora, na árvore da natureza; os homens são formados desta árvore e vivem, no meio de uma e da outra qualidade neste mundo, neste jardim, em grande perigo, expostos tanto ao ardor do sol como à chuva, ao vento e à neve.

Quando o homem eleva seu espírito à divindade, o espírito santo penetra e opera nele; mas se ele deixar seu espírito descer a este mundo e o entregar ao império do mal, o demônio e o suco infernal nele se insinuarão e o dominarão.

Assim como a geada, o calor ou a neve magoam as frutas de uma árvore, fazendo-as murchar e estragar rapidamente, ocorre o mesmo com o homem, quando ele se deixa governar pelo demônio e seu veneno.

O mal e o bem existem, fermentando no homem, dominando-o como fazem na natureza. Mas o homem é filho de Deus, que o fez do mais perfeito fundamento para dominar o bem e subjugar o mal. O mal está ligado ao bem na natureza; é assim, também, no homem, que, entretanto, pode subjugá-la. Se elevar seu espírito para Deus, o espírito santo se aproximará dele e o auxiliará a alcançar a vitória.

Da mesma forma que a boa qualidade que vem de Deus e sobre a qual o espírito santo exerce a soberania é dotada de poder na natureza para vencer a qualidade má, a qualidade da ira tem, nas almas corrompidas, o poder de triunfar, pois o demônio é um poderoso senhor da ira e dela é o eterno príncipe. (pela palavra "ira" Boehme expressa o próprio poder eterno considerado separadamente do amor, da justiça e da luz).

Em seu primeiro livro, "Aurora Nascente", Boehme refere-se ao Grande Mistério e previne o leitor de que o que não foi escrito, nessa oportunidade, poderá ser lido em outro lugar, em escritos posteriores, quando puder falar melhor a respeito da grandiosidade do mistério, já que esse livro é o primeiro ramo do galho que emerge e cresce, verde em sua origem, exatamente como ocorre com uma criança que está aprendendo a andar e que, por isso, não anda depressa nem corre.

Aliás, é oportuno lembrar que o título original do livro "Aurora" foi: "A Raiz ou a Mãe da Filosofia, da Astrologia e da Teologia", justificado pelo autor, como se segue.

Por Filosofia, considera-se o poder divino, o que Deus é; como a natureza,-as estrelas e os elementos são criados na essência de Deus, de onde tudo se originou; como são criados o céu, a terra e o inferno, os anjos, o homem e o demônio e tudo o que existe materialmente, ou concretamente; ou ainda, o que são as duas qualidades da natureza.

Por Astrologia, considera-se as virtudes da natureza, das estrelas e dos elementos como todas as criaturas procedem desta fonte; como estas mesmas virtudes estimulam, governam e operam em todas as coisas; como, por seu intermédio, são operados o mal e o bem no homem e nos animais; como o mal e o bem se encontram neste mundo e aí dominam; e como aí subsistem os reinos do céu e do inferno.

"Meu objetivo não é expor o curso, o lugar e o nome de todos os astros; como ocorre anualmente sua conjunção, sua oposição ou sua quadratura, nem como eles operam cada ano e em cada lua. Meu objetivo é escrever segundo o espírito e o sentido, e não, depois de especulações."

Por Teologia, considera-se o reino de Cristo: o que o constitui, como ele se colocou em oposição ao reino infernal; como ele se agita e combate, na natureza, o reino infernal; como os homens podem, pela fé e pelo espírito, submeter-se a este reino infernal, triunfar na virtude divina e obter, na luta e como penhor da vitória, a eterna santidade, ou seja, como o homem se lança na perdição pela atividade da qualidade má. Na parte final do Capítulo 3, retomaremos a este assunto.

Declara ser como todos os homens que lutam pela coroa da felicidade eterna e vivem buscando a perfeição; pois já que as portas da profundeza foram-lhe abertas, pela graça divina, seu espírito não pôde deixar de olhar através delas, pura os grandes mistérios, embora se posicionando como uma criança que, ao aprender a falar, apenas consegue balbuciar.

Como há um começo no homem, e não em Deus, continua Boehme, eu devo descrever, de forma humana, os assuntos transcendentais; do contrário, o leitor não os entenderia.
Porque o conhecimento e a compreensão pertencem à luz divina, não é fácil compreender a essência divina; procurarei representar, toscamente, o sublime segredo, de forma objetiva e material, para que o leitor possa penetrar na profundeza. A essência divina não pode ser inteiramente expressa pela linguagem humana; apenas o espírito da alma, que perscruta a luz, a compreende. A alma do homem que é iluminada pelo Espírito Santo, pela luz de Deus, percebe a essência celestial. O espírito astral que reveste a alma e o espírito elementar , que governa a origem não vêem além de sua geratriz, de onde nascem e na qual vivem.

Se eu pudesse escrever sobre o que é puramente celestial, ou sobre tudo a respeito da divindade, seria considerado um tolo pelo leitor que não tivesse capacidade de me entender. Por isso, usarei ambas as formas, divina e humana, esperando estimular alguém a refletir sobre as coisas transcendentais.

O homem é feito de todos os poderes de Deus; extraídos dos seus sete-espíritos, como os anjos. Sendo, porém, matéria corruptível, nem sempre o poder divino se manifesta em todos os seus aspectos e se desenvolve operando nele.

Isto porque o Espírito Santo não se sujeita à carne pecadora, mas eclode como um relâmpago, da mesma forma que a faísca irrompe de uma pedra quando o homem a golpeia. Quando este clarão alcança a fonte do coração, o Espírito Santo se eleva nos sete espíritos-fontes até o cérebro, como o amanhecer do dia, como o rubro romper da aurora.

Nessa luz, os sete-espíritos interagem; um vê o outro, sente-o, toca-o, sente-lhe o gosto e o escuta como se a Divindade se manifestasse nele, com toda a Sua plenitude. Aqui, o espírito assoma na profundeza da Divindade, porque o Deus próximo e distante é um-todo-único, e o mesmo Deus está em seu aspecto trino tanto no céu como na alma do santo.

A alma vive um eterno perigo neste mundo, motivo pelo qual é, justamente, cognominado de um "vale de lágrimas", cheio de miséria e angústia: um desafio constante a que somos atraídos, empurrados, arrastados e levados a combater.

O corpo, frio e meio morto, nem sempre compreende esta luta da alma; não sabe o que ocorre, mas se sente pesado e ansioso; vai de uma coisa à outra e de um a outro lugar, em busca de quietude e repouso. E quando chega ao lugar que visava, não encontra o que buscava; parece-lhe que foi abandonado pela mão de Deus. Não compreende a luta do espírito, nem como este, às vezes, está caído e, noutras, exultante.

Insisto em que o leitor saiba que não escrevo isto como quem narra uma história que me tivessem contado, afirma Boehme; devo livrar-me, permanentemente, desse combate, e considero que esse esforço, que às vezes parece me derrubar, como a qualquer outro homem, é algo verdadeiramente aniquilador.

Foi exatamente por ser a luta tão violenta, em razão da seriedade com que abordo o tema, que me foi dada essa revelação bem como o veemente impulso de lançar tudo isso no papel.
Nesse combate, acrescenta ele, passei por provas terríveis que amargaram meu coração. Muitas vezes, meu Sol se eclipsou e noutras, se extinguiu, porém, sempre se reergueu, e quanto mais amiúde se eclipsava, mais resplandecente e claro se elevava de novo.

Admira-me muito que Deus tenha podido revelar-se assim, plenamente, a mim, um homem tão simples, e que me ordenasse escrever a respeito disso, sobretudo, por haver tantos homens sábios que o fariam melhor e mais corretamente do que eu, tão pequeno, neste mundo! Quanto mais a isso me opunha, mais pedras recolhia para o edifício em construção.
Agora, cheguei tão alto que não me atrevo a olhar para trás, pois receio ter uma vertigem e só me falta um pequeno trecho para chegar à meta que meu coração aspira e deseja alcançar com toda a plenitude. Enquanto subo, não sinto vertigem, porém, quando olho para trás e entrevejo a possibilidade de regressar, sinto tonteiras e medo de cair. Se tenho plena confiança em Deus, e a luz e o conhecimento de meu Deus permanecem comigo, tenho o bastante para esta vida e para a que se segue.

E, realmente, prosseguiu. Pareceu-nos, pois, que a peculiar e, por vezes, difícil doutrina de Boehme seria melhor compreendida, se fossem conhecidos alguns fatos de sua vida e as influências que recebeu.
Jacob Boehme, foi filósofo e místico cristão alemão,as obras que escreveu são o maior monumento de conhecimentos teogônicos (concernentes ao surgimento dos primeiros princípios em Deus) e cosmogônicos (concernentes à criação do Universo e das criaturas) da história do cristianismo.