Não foi o Absoluto que as afastou injustamente, nem foi o Absoluto a causa de seu exílio. Disto se conclui que o retorno posterior e sua redenção são possíveis quando essas entidades caídas quiseram voltar e seguir o caminho da Divindade.Porém, enquanto não se realiza este retorno à Luz, à Verdade Imanente devido às suas atitudes egocêntricas, esses seres permanecem: rebeldes (em relação à oferta Divina primitiva e permanente); extraviados (uma vez que saíram do curso de seu legítimo destino); perversos (já que vivem fora do Soberano Bem) e, em conseqüência, atolados no mal.
Toda coisa corrompida tende, por sua natureza, a corromper o que é são. E isto ocorre com maior razão no domínio dos seres espirituais do que no reino dos corpos materiais, uma vez que naqueles misturam-se a inveja (ou consciência, apesar de tudo, de uma real inferioridade), o orgulho (ou vontade de dizer a última palavra) e a inteligência (diminuída, porém operando em proporção máxima em seus erros).É por isso que a Tradição nos ensina que o conjunto dos seres espirituais perversos (ou Egrégoras do Mal) sentiu ciúmes do ser perfeito, o Adam Kadmon, superior a eles e imagem de Deus, do qual pretendiam subtrair-se estas entidades caídas.Estas entidades atuaram, pois, sobre Adam Kadmon, incitando-o a passar para além dos limites de suas possibilidades naturais.
Ser místico por sua natureza, meio espiritual e meio formal, no qual se interpenetravam mutuamente Forma e Espírito, o Homem-Arquétipo devia conservar uma certa harmonia, um equilíbrio necessário no lugar onde Deus o havia colocado. Devia zelar pela manutenção desta condição e trabalhar no sentido de continuar a empresa deste Espírito de Deus, do qual era reflexo, o dirigente, o celeste ...
O Adam Kadmon estava destinado a desempenhar este papel de Arquiteto do Universo; embora fosse um Universo mais sutil do que o nosso, tratava-se daquele Reino que não é deste mundo e do qual falam os Evangelhos.
Sob a influência das Entidades metafísicas perversas, o Homem-Arquétipo transformou-se em um Demiurgo independente. Renovando sua falta, modificou e perturbou as leis que tinha obrigação de conservar e observar. Pretendeu, de maneira rebelde, fazer-se por sua vez, criador e igualar-se por suas obras a Deus. Porém, seu único êxito foi modificar seu destino primitivo.
Aqui nos deparamos com duas lendas paralelas e idênticas a de Lucifer, o primeiro dos Anjos e a de Adam, o primeiro dos Homens. Pode ser desta Tradição que derive o costume de consagrar aos deuses ou a Deus as primícias de uma colheita ou o primeiro dos animais de um rebanho. É indubitável que na história simbólica da Humanidade, e conforme nos refere o Gênesis, todos os primogênitos: Caim, Cham, Israel, Esaú, etc., estão misteriosamente marcados com um destino contrário.
Enquanto Deus, em suas infinitas possibilidades pode conseguir qualquer coisa do Nada, o Homem, criatura limitada em suas possibilidades, o que pode fazer é modificar o que já existe, sem poder extrair coisa alguma do Nada.O Homem-Arquétipo, desejando criar seres espirituais, da mesma maneira como Deus havia criado os Anjos, não fez mais do que objetivar seus próprios conceitos. Desejoso de proporcionar-lhes corpo, não pode fazer outra coisa que integrá-los na Matéria mais densa e grosseira.
Querendo animar o Caos (as Trevas Exteriores), da mesma maneira como Deus havia animado o mundo metafísico que primitivamente lhe havia confiado, nada mais fez do que afundar-se em areia movediça.Com efeito, Deus sendo, no sentido mais absoluto da palavra "Sou o que sou", disse a Moisés sobre o Sinai, deve ser preexistente ao Nada. Para criar a matéria primitiva, Deus simplesmente separou uma parte de suas infinitas perfeições de uma porção de sua essência infinita. Esta retirada parcial da perfeição espiritual mais absoluta conduziu, inevitavelmente, à reação traduzida em uma imperfeição material e relativa. Isto explica porque a Criação, qualquer que seja, não pode jamais ser perfeição.
É necessariamente imperfeita pelo fato dela não ser de Deus.Imitando o Absoluto, Adam Kadmon pretendeu, pois, criar sua matéria primordial. Por tratar-se de um alquimista inexperiente, encontramos aqui a origem de sua Queda.
O Homem-Arquétipo é um ser andrógino. Nos diz o Gênesis (Cap. 1, 27 e 28): “E criou; homem e mulher os criou”. É este elemento feminino, que Adam vai jogar fora de si mesmo. É o lado esquerdo, feminino, passivo, lunar, tenebroso, material o qual ao separar-se do lado direito, masculino, ativo, solar, luminoso, espiritual, dará nascimento à Eva.
A Mulher-Arquétipo foi, pois, extraída de um dos lados do Andrógino e não de uma de suas costelas ... (Todas as religiões antigas conheceram um ser Divino, original, que era masculino e feminino).Assim nos expressa o Gênesis (Cap. 2, 23 e 24):“E disse Adam: Isto é agora osso dos meus ossos e carne de minha carne (ele conserva o Espírito, a alma), esta será chamada Mulher, em hebraico Isha porque do homem foi tirada, em hebraico Ish.”É nesta matéria nova, na Eva do Gênesis, a mulher simbólica, a quem Adão penetra para criar a Vida. O Homem-Arquétipo degradou-se, pois ao tentar igualar-se a Deus.
Seu novo mundo ou domínio foi chamado Mundo Hylico pela Gnosis, nosso universo material, mundo cheio de imperfeições e de males. O pouco de bom que nele existe provém das antigas perfeições do Homem-Arquétipo. Uma vez que se dividiu em dois seres diferentes, a soma das ditas perfeições originais não pode ser total em cada um deles ... daí, pois a Queda.Aqui encontramos a razão pela qual os antigos cultos haviam deificado a Natureza, que é a Mãe de tudo o que é.
Porém, com respeito a tudo o que é “abaixo dos Céus” ..., Isis, Eva, Demeter, Rhea, Cybeles, não são mais do que símbolos da Natureza material emanada de Adam Kadmon, personificadas pelas Virgens Negras, símbolos da Matéria Prima.A essência superior de Adam Kadmon, integrada no seio da nova Matéria, é o Enxofre, expressão alquímica que designa a alma do mundo. A segunda essência, o mediador plástico, aquele que constituía a forma de Adam, seu duplo superior, sobreveio do Mercúrio, outra expressão alquímica que designa o Astral dos ocultistas, o plano intermediário. A Matéria, saída do Caos segundo é o Sal alquímico, o suporte, o receptáculo, a prisão.
Paralelamente, podemos dizer que Adam é o Enxofre, que Eva é o Sal e que o Caim do Gênesis é o Mercúrio desta trindade simbólica, termos que a Alquimia também conhece com as denominações de Rei, da Rainha e do Servidor dos Sábios...É possível conceber, então, porque em todos os seus graus a Matéria Universal seja algo vivo, como o admite a antiga e a moderna química e como, em suas manifestações, pode ser mais ou menos consciente e inteligente.Através dos quatro mundos da Natureza: mineral, vegetal, animal, hominal (entre os quais não existe nenhuma solução de continuidade), está o Homem-Arquétipo, o Adam Kadmon, a inteligência Demiúrgica primitiva, manifesta, dispersa, disseminada, aprisionada. Daí aquele revestimento de “peles de animal” que se refere o Gênesis: E Deus deu ao homem e sua mulher túnicas de pele e os revestiu”... (3, 21).
Este novo universo Divino, igualmente o refúgio das Entidades caídas, que se refugiaram nele para esconderem-se ainda mais do Absoluto, na quimérica esperança de escapar das leis Eternas, presentes em tudo.Tais entidades caídas têm, pois, um interesse primordial em que o Homem, disperso, mas presente em todas as partes da Matéria, que constitui o Universo visível, continue organizando e animando este domínio, que mais adiante será de propriedade deles.
Como a alma do Homem-Arquétipo ficou aprisionada na Matéria Universal, também assim a alma do homem individual se encontra prisioneira de seu corpo material.A Força, a Sabedoria, a Beleza que se manifestam ainda neste mundo material, constituem os esforços do Homem-Arquétipo para voltar a ser o que era antes de sua Queda.
As qualidades contrárias constituem a manifestação das Entidades caídas, manifestações destinadas a manter o clima que desejaram criar para subsistir, tal qual o quiseram, quando deliberadamente interromperam seu retorno até o Absoluto.Porém, o Homem-Arquétipo não voltará a tomar posse de seu primitivo Esplendor e de sua liberdade, senão separando-se da matéria que o absorve por toda parte. Para ele, é necessário que todas as células que o formam, quer dizer, os homens individualmente considerados, possam depois de sua morte natural, reconstituir o Arquétipo, reintegrando-se definitivamente nele e escapando, desta maneira, ao ciclo das reencarnações.
Então, os microcosmos farão o Macrocosmo, os Homens individuais, reflexos materiais do Arquétipo, são pois, igualmente, reflexos Divinos (mesmo que inferiores alguns escalões). Da mesma maneira, o Arquétipo é, também, o reflexo de Deus, do primitivo Verbo Criador ou Logos, do Espírito de Deus do qual fala o Gênesis.
É correto referir-se a ele, então, como o Grande Arquiteto do Universo. Todo o culto de adoração dirigido a este último é, pois, um culto satânico, já que é dirigido ao Homem e não ao Absoluto. É por isso que a Maçonaria o invoca, porém, sem adorá-lo.Para escapar ao ciclo das reencarnações neste mundo infernal, (in-ferno: lugar inferior) é necessário que o Homem-individual se liberte de tudo que o atrai para a Matéria e se desprenda, desta forma, de escravidão a que é submetido pelas sensações materiais.
Ainda assim, é preciso elevar-se moralmente. Contra esta tendência para a perfeição lutam as Entidades caídas, tentando-o de mil maneiras, com o propósito de atrai-lo ao seio de Mundo invisível e manter oculta a influência que exercem sobre ele.É contra elas que deve lutar o Homem-individual, desmascarando-as e expulsando-as da esfera de sua existência. Isto se consegue, de uma parte, mediante a Iniciação que o une aos elementos do Arquétipo já reunidos e reintegrados, o que exotericamente se designa com o nome de Comunhão com os Santos; e, por outra parte, através do conhecimento libertador, que lhe ensina os meios de apresentar a libertação pessoal definitiva e da Humanidade enceguecida, valendo-se do trabalho pessoal.
Então, quando houver esta libertação individual, dar-se-á a grande libertação coletiva, aquela que por si só permitirá a reconstituição do Arquétipo e logo sua reintegração no seio da Divindade, da qual emanou primitivamente.Abandonado por si mesmo por seu animador, o Mundo da matéria dissolver-se-á, ao ficar sem a vida, harmonia e direção do Arquétipo. Sob a pressão naturalmente anárquica das Entidades caídas, esta desagregação das partes do Todo irá se acelerando. Então, o Universo terá chegado ao seu fim; este será o fim do mundo, anunciado pelas tradições universais.“Da mesma maneira que um livro cuja leitura termina, terminarão o Céu e a Terra...”
A Essência Divina recuperará, então, gradualmente, o acesso àquelas regiões próprias de sua essência e das quais se havia separado primitivamente. As ilusões momentâneas chamadas com os nomes de criaturas, seres, mundos, desaparecerão. Porque Deus é o Todo e o Todo está em Deus, ainda que o Todo não seja Deus!
O Absoluto nada extraiu de um Nada ilusório, que não poderia existir fora D'Ele sem ser Ele próprio.Só este desprendimento da essência Divina é que permitiu a Criação dos Mundos Angélicos, materiais, etc., assim como é o desprendimento ou retratação desta mesma essência que permitiu a emanação dos Seres espirituais.
Desta maneira, realizar-se-á a simbólica Vitória do Bem sobre o Mal, da Luz sobre as Trevas, pelo simples retorno das coisas até o Divino, mediante uma reassimilação dos seres, purificados e regenerados.