quarta-feira, 24 de abril de 2013
Jacob Boehme
COMO UMA PESSOA ILUMINADA DEVE BUSCAR OUTRA E
CONSOLÁ-LA, LEVANDO-A ÁS SENDAS DA PEREGRINAÇÃO DE CRISTO E MOSTRANDO O
ESPINHOSO CAMINHO DO MUNDO, NO QUAL CAMINHA A ALMA CAÍDA, QUE CONDUZ AO ABISMO.
1. Era uma pobre alma que
viajou para fora do Paraíso, ao reino deste mundo, onde o diabo a encontrou e
lhe perguntou:
“Aonde
vais, ó alma meio cega?”
2. A alma respondeu: “Quero ver
as criaturas do mundo, feitas pelo Criador e conhecê-las.”
3. O diabo disse: “Como desejas
vê-las e conhecê-las se não podes compreender sua essência e peculiaridade
(propriedade)?. Contemplarás apenas seu exterior, como a uma pintura, não
podendo conhecê-las inteiramente”.
4. A ALMA: “Como posso conhecer
sua essência e peculiaridade ? ”
5. O DIABO: “Se comeres do
fruto pelo qual as próprias criaturas vieram a ser boas e más, teus olhos se
abrirão para vê-las plenamente. Então serás como o próprio Deus e saberás o que
é a criatura”.
6. A ALMA: “Sou uma criatura
nobre e santa, mas o Criador advertiu-me que se fizer o que me sugeres
morrerei”.
7. O DIABO: Não, absolutamente!
Mas teus olhos se abrirão, e serás, como Deus, conhecedora do bem e do mal.
Serás também poderosa e grandiosa como eu, e todas as sutilezas das criaturas
te serão conhecidas”.
8. A ALMA: “Se eu tivesse o
conhecimento da natureza e das criaturas, poderia governar o mundo”.
9. O DIABO: “Todo o fundamento
desse conhecimento reside em ti mesma. Simplesmente faz com que tua vontade e teu desejo desviem-se
de Deus e da bondade, e voltem-se para a natureza e as criaturas; então,
surgirá em ti o desejo de provar tais coisas. Assim, poderás comer da árvore da
Ciência do bem e do mal, e com isso chegarás a conhecer todas as coisas”.
10. A ALMA: “Bem, então comerei
da árvore da ciência do bem e do mal, para poder governar todas as coisas por
meu próprio poder, sendo meu próprio senhor na Terra e, como Deus, fazer o que
quiser”.
11. O DIABO: “Sou o príncipe
deste mundo. Se desejas governar a Terra, deves dirigir teus desejos á minha
imagem, desejar ser como eu, para que possas obter a astúcia, a engenhosidade,
a razão e a sutileza de minha imagem”.
O diabo, então, apresentou á
alma o Vulcano (Vulcanus) do
Mercúrio: o poder que se encontra na raiz ígnea da criatura, a roda ígnea da essência,
ou substância, na forma de uma serpente.
12. Ante essa visão, disse:
“Este é o poder de todas as coisas. O que devo fazer para obtê-lo?”
13. O DIABO: “Tu mesma és esse
Mercúrio (Mercurius) ígneo.
Se separas tua vontade de
Deus e a introduz nesse poder, teu próprio fundamento oculto se manifestará em
ti, e poderás obter o que desejas. Porém, deves comer desse fruto, no qual cada
um dos quatro elementos governa sobre o outro estando em contínua luta, como o
frio contra o calor e o calor contra o frio. Então, instantaneamente, serás
como a roda ígnea, conduzindo todas as coisas sob teu próprio poder e
possuindo-as como próprias”.
Assim fez a alma, e eis o
que sucedeu:
14. Quando a alma separou sua
vontade de Deus e a introduziu no Vulcano do Mercúrio - a vontade ígnea, a raiz
da vida e do poder -, surgiu nela um desejo de comer frutos da árvore da
ciência do bem e do mal. Ela tomou o fruto e o comeu.
15. Assim que o fez, Vulcano (O
artificie do Fogo) acendeu a roda ígnea de sua essência, e então as
propriedades da Natureza despertaram na alma, e cada uma exerceu sua própria
concupiscência e desejo.
Primeiro surgiu a cobiça do orgulho: um desejo de ser grande e
poderoso, de ter todas as pessoas submetidas a si, de ser senhor absoluto,
desprezando toda humildade e igualdade, estimando-se o único prudente, astuto e
engenhoso, e tomando por estúpido todos que não estivessem de acordo com seu próprio humor e predisposição.
16. Em segundo lugar, surgiu a
cobiça da avareza: um desejo de
obter todas as coisas, de atrai-las para si, para sua posse. Pois, quando a
cobiça do orgulho separou de Deus a vontade da alma, a vida desta não mais
confiou em Deus e quis cuidar de si mesma, e, portanto, dirigiu seu desejo para
as criaturas, para a Terra, os metais, as árvore e outras criaturas.
17. Foi assim que, depois de
separar-se da unidade, do amor e da doçura divinas, a vida ígnea da alma
tornou-se faminta e avarenta, e atraiu para si os quatro elementos e sua
essência, chegando á condição das bestas. Foi assim que a vida tornou-se
escura, vazia e colérica, e as virtudes e cores celestes desapareceram, como
uma vela que se extinguiu.
18. Em terceiro lugar, na vida
ígnea da alma, surgiu a espinhosa e hostil cobiça da inveja: um veneno infernal. Uma propriedade que
todos os diabos têm, e um tormento que faz da vida uma mera inimizade para com
Deus e para com todas as criaturas. Esta inveja manifestou-se furiosamente na
concupiscência da avareza, como uma picada venenosa, pois a inveja não pode
suportar que a avareza não atraia o que deseja para si, e possa a odiá-lo e
busca destruí-lo. E por causa dessa paixão infernal o nobre amor da alma se
asfixia.
19. Em quarto lugar, na vida
ígnea da alma, surgiu um tormento semelhante ao fogo: a ira, o desejo de matar e afastar do caminho todos os que não se
submetem a seu orgulho.
20. Deste modo, nessa alma,
manifestou-se plenamente o inferno e seu fundamento, a Cólera de Deus. Assim a
alma perdeu o belo Paraíso de Deus e o reino dos Céus, e converteu-se num
verme, semelhante á serpente ígnea que o diabo lhe havia apresentado,
tornando-se sua imagem e semelhança. Com isso, a alma começou a governar o
mundo de um modo bestial, fazendo todas as coisas conforme a vontade do diabo,
vivendo meramente no orgulho, na avareza, na inveja e na ira. Já não há nenhum
amor verdadeiro por Deus tendo surgido em seu lugar um amor bestial, malvado e
sujo pela libertinagem, pela lascívia e pela vaidade, não restando pureza
alguma em seu coração, pois a alma abandona o Paraíso e toma a Terra em sua
posse. Sua mente estava inclinada apenas ás aparências, á astúcia, á sutileza,
e a uma multidão de coisas mundanas. Nela já não restava retidão ou virtude
alguma. Qualquer mal ou erro cometido, era encoberto com muita astúcia e
sutileza sob o manto de seu poder e de sua autoridade, por meio da lei, em nome
do direito e da justiça, sendo tomados por bons.
21. Depois disso, o diabo aproximou-se da alma e
conduziu-a de um vício a outro. Ele a aprisionou em sua essência. Colocando
ante ela gozo e prazer, disse-lhe: “Vê, agora és poderosa e nobre. Trata de ser
maior, mais rica e mais poderosa ainda. Emprega teu conhecimento, astúcia e
sutileza para que todos te temam e respeitem, e que possas adquirir um grande
nome neste mundo”.
22. A alma fez o que o diabo lhe havia aconselhado,
mas sem saber que seu conselheiro era O DIABO: acreditou que era guiada por seu
próprio conhecimento, astúcia e compreensão, e que fazia tudo bem e
corretamente.
JESUS, O CRISTO
ENCONTRA-SE COM A ALMA
23. Seguia a alma por tal curso de vida, quando
nosso querido e amado Jesus Cristo a encontrou. Ele, que veio a este mundo com
o Amor e a Cólera de Deus para destruir as obras do diabo e executar o
julgamento de todos os atos perversos, falou dentro dela por meio de um forte
poder e sua paixão e morte e destruiu as obras do diabo, desvelando-lhe o
caminho de sua graça, brilhando sobre ela com sua misericórdia. Chamou-a ao
arrependimento e ao retorno, e prometeu libertá-la da imagem monstruosa e
disforme na qual tinha se convertido e reconduzi-la ao Paraíso.
COMO CRISTO AGIU NA ALMA
24. Quando a centelha do amor de Deus, a luz divina,
manifestou-se na alma, ela viu num instante que, por sua vontade e sua obras,
estava no inferno e que se havia convertido num monstro feio e disforme ante a
presença divina e o reino dos céus. Ficou tão aterrorizada que sofreu a maior
das angústias, pois o juízo de Deus manifestava-se nela.
25. O Senhor Jesus Cristo falou á alma com luz de
sua graça: “Arrepende-te e abandona a vaidade!, e alcançarás minha graça”.
26. Então em sua disforme e feia imagem e sob o sujo
manto da vaidade, a alma aproximou-se de Deus e pediu a graça e o perdão de
seus pecados. Acreditou que a satisfação em nosso Senhor Jesus Cristo e sua
redenção através dele lhe correspondiam.
27. Contudo, as más propriedades da serpente, o
orgulho, a avareza, a inveja e a ira, formadas no espírito astral fizeram com
que a razão do homem exterior não se aproximasse de Deus e de suas inclinações.
Pois essas más propriedades não queriam morrer para seus próprios desejos, nem
abandonar o mundo, pois eram provenientes do mundo e, consequentemente, temiam
sua reprovação caso abandonassem a honra e a glória mundanas. Com tudo isso, a
pobre alma voltou sua face para Deus e desejou sua graça e seu amor.
O DIABO APROXIMA-SE
NOVAMENTE DA ALMA.
28. Porém, quando o diabo viu que a alma orava a
Deus e queria entregar-se ao arrependimento, aproximou-se e reacendeu as más
inclinações e propriedades terrenas dentro de suas orações, perturbando seus
bons pensamentos e os bons desejos dirigidos a Deus, desviando-os novamente
para as coisas terrenas, de modo que suas orações não puderam chegar a Deus.
29. A vontade central certamente ansiava por Deus,
mas os bons pensamentos que haviam surgido em sua mente foram desviados,
dispersados e destruídos, de modo a não poderem alcançar o poder de Deus.
Diante disso, a pobre alma aterrorizou-se ainda mais e começou a orar com mais
veemência ainda. Porém, o diabo apossou- se da alma - a roda ígnea da vida, a roda
mercurial, incandescida pelo desejo - e nela despertou as propriedades do mal,
de modo que as falsas e más inclinações ressurgiram na alma e dirigiram-se ás
coisas nas quais ela tivera mais prazer e deleite.
30. A pobre alma queria sinceramente dirigir-se a
Deus com sua vontade e, para isso, empregou todos os meios; mas seus
pensamentos desviavam-se continuamente de Deus em direção às coisas terrenas e
não conseguiam voltar-se para Ele. A alma suspirou e se lamentou perante Deus;
mas era como se Ele a houvesse abandonado completamente, expulsando-a de sua
presença. Ela não podia obter sequer um vislumbre de sua graça. Em
contrapartida, encontrava-se em angústia, medo e terror ante a possibilidade da
cólera e do severo juízo de Deus, e temia que o diabo viesse a apoderar-se
dela. Caiu, assim, em tal abatimento e miséria, que se fartou de toda as coisas
temporais que antes haviam sido seu principal gozo e felicidade.
31. A vontade terrena e natural certamente ainda
desejava essas coisas, mas a alma alegremente abandonaria a todas elas,
desejando morrer para todo desejo e gozo temporais, ansiando apenas pelo lugar
do qual proviera originalmente. Viu que estava longe de sua terra natal;
sentiu-se transtornada e necessitada, e não soube o que fazer; contudo, decidiu
entrar em si própria e orar mais diligentemente ainda.
32. Porém, o diabo opôs-se a isso e a impediu, de
modo que ela não pôde alcançar maior fervor de arrependimento. As
concupiscências terrenas, com sua natureza maligna e falsa retidão, despertaram
e permaneceram em seu coração, resistindo à vontade e ao desejo recém-nascidos
da alma, pois não queriam morrer para sua própria vontade e luz, queriam
conservar seus prazeres temporais, e para isso mantinham a alma imóvel e presa
a seus desejos malignos, embora ela suspirasse e ansiasse mais que nunca pela
Graça de Deus.
33. Sempre que a alma orava e se dirigia a Deus, as
concupiscências da carne tragavam os raios que nela surgiram, afastando-os de
Deus e dirigindo-os aos pensamentos terrenos, de modo que ela não pôde
participar da fortaleza divina. A alma considerou-se abandonada por Deus, sem
saber que, não obstante, Ele estava muito perto e atraindo-a para Si.
34. Então o diabo aproximou-se, penetrou o mercúrio
ígneo da alma - a roda ígnea de sua vida - e, mesclando seus desejos às
concupiscência terrenas da carne, tentou a pobre alma, sussurrando-lhe em seus
pensamentos terrenos: “Por que oras? Porventura acreditas que Deus te conhece
ou te considera? Observa teus pensamentos quando estás diante d’Ele. Acaso não
são totalmente perversos? Não tens fé em Deus, nem crês n’Ele! Por que haveria
de escutar-te? Ele não te escuta, desengana-te! Por que atormentas e maltratas
a ti mesma, sem necessidade? Tens tempo de sobra para arrepender-te quando
quiseres.
35.
“Estás louca? Olha um pouco para o mundo, vê como vive em júbilo e regozijo. E
não obstante será salvo, pois Cristo pagou o resgate e redimiu a todos os
homens. Só precisas crer que o fez também para ti. Consola-te e estarás salva. O
mais provável é que neste mundo não chegues a sentir e conhecer a Deus. Por
isso desengana-te; cuida de teu corpo e da glória temporal.
36. “O que pensas que ocorrerá contigo se te tornas
tão estúpida e melancólica? Serás motivo de escárnio e todos se rirão de tua
loucura. Passarás teus dias apenas em lamentações e abatimento, o que não
agrada a Deus nem à natureza. Olha a beleza do mundo, pois Deus te criou e te
colocou nele para que sejas como todas as criaturas e as governe. Aceita e
apanha agora as coisas do mundo, para que, no futuro, não precises mais dele, e
para não seres motivo de escândalo. Tens tempo. Espera a velhice e a
aproximação do fim, e então prepara-te para o arrependimento. Deus te salvará
nas mansões celestiais. Não há necessidade alguma de tais tormentos,
aborrecimentos e desgosto, como te impões”.
37. A alma foi enlaçada pelo diabo com pensamentos
como este e similares, como que atada com fortes cadeias, e como mais uma vez
foi levada aos caprichos da carne e aos desejos terrenos, e já não sabia o que
fazer, tornou a olhar um pouco para o mundo e seus prazeres, mas ainda sentia
fome da graça divina e desejava entrar no arrependimento e chegar ao favor de
Deus. Havia sido tocada e acariciada pela mão de Deus e portanto, não podia
encontrar repouso em parte alguma senão n’Ele. Não cessava de suspirar,
lamentando os pecados que havia cometido
e, se pudesse, de bom grado se desfaria deles. Não podia, contudo, alcançar um
verdadeiro arrependimento, menos ainda o conhecimento do pecado, embora tivesse
uma fome poderosa e um ardente desejo de tal penitência.
38. Estando abatida e triste e não encontrando
remédio ou repouso, a alma começou a buscar um lugar adequado para
empreender um verdadeiro arrependimento, um lugar em que pudesse estar livre
dos assuntos, preocupações e tormentos do mundo. Por isso, buscou um lugar ermo
e solitário e abandonou todos os assuntos mundanos e todas as coisas temporais.
Procurando também um modo de obter o favor de Deus, acreditando que, sendo
bondosa e compassiva para com os pobres, obteria a misericórdia de Deus.
Concebeu, assim, todo tipo de maneiras para alcançar o repouso e o amor, o
favor e a graça de Deus.
39. Porém, nada do que fazia surtia efeito, pois
seus assuntos mundanos ainda a acompanhavam na concupiscência da carne; estava
agora, tanto quanto antes, aprisionada na rede do diabo, e não podia alcançar o
repouso. Assim, no momento seguinte estava novamente triste e abatida, pois
sentia a cólera de Deus despertar dentro de si, mas não sabia por quê. Muitas
vezes, uma grande angústia e tentação caíram sobre ela, tornando-a
desassossegada, doente e desfalecida de terror.
40. Tudo isso ocorreu devido á grande intensidade
com que a alma foi tocada pelo raio da primeira influência da graça. Ela não
sabia que Cristo estava na cólera e na severa justiça de Deus, lutando em seu
corpo e sua alma contra Satanás, o espírito do erro, que se incorporara a eles.
Não compreendia que a fome e o desejo de arrependimento provinham do próprio
Cristo, por quem era atraída. Tampouco sabia o que a impedia de alcançar e
sentir a presença de Deus. Não entendia que ela mesma era um monstro que
carregava a imagem da serpente, a quem o diabo tinha acesso e sobre a qual
tinha poder, a quem tinha confundido e minado em todos seus bons desejos,
pensamentos e movimentos, afastando-os de Deus e da bondade. Sobre isto, Cristo
disse: “O diabo arrebata a palavra de seus corações, para que não creiam e não
sejam salvos” (Luc. 8:12).
UMA ALMA ILUMINADA E
REGENERADA ENCONTRA-SE COM A ALMA ATORMENTADA
41. Pela providência divina, uma alma iluminada e
regenerada encontrou-se com essa pobre alma aflita e atormentada, e disse-lhe:
“O que te aflige? Por que estás tão intranqüila e preocupada?”
42. A alma atormentada respondeu: “O Criador ocultou
de mim a Sua Face, e não repouso. Por isso estou aflita e não sei o que fazer.
Algo interpõe-se entre mim e sua graça, de modo que não posso alcançá-lo. Por
mais que eu suspire por Ele e por mais que O deseje, não posso participar de
seu poder, virtude e fortaleza”.
43. A alma iluminada disse: “Sabe que carregas a
monstruosa imagem do diabo e estás dela revestida. Uma vez que essa imagem
participa da mesma propriedade ou princípio que o diabo, ele tem acesso a ti e
impede que tua vontade se volte para Deus. Pois, se tua vontade estivesse em
Deus, seria ungida com seu mais alto poder e fortaleza, na ressurreição de
nosso Senhor Jesus Cristo. Essa unção despedaçaria o monstro que levas contigo,
e tua primeira imagem paradisíaca reviveria em ti. Serias de novo um anjo. O
diabo não deseja que chegues a isto, e mantém-te presa em tuas próprias
concupiscências carnais. Se não te libertares, estarás separada de Deus e
nunca poderás entrar em nossa sociedade”.
44. Ante essas revelações, a pobre alma
aterrorizou-se e não pôde dizer nem mais uma palavra. Soube que adquirira a
forma da serpente, que a separava de Deus, e que nessa condição o diabo estava
muito perto e tinha grande poder sobre ela, e que confundia sua vontade com
pensamentos falsos. Entendeu que estava perto da condenação e fortemente presa
ao abismo sem fundo do inferno, aprisionada na cólera de Deus, e teria
desesperado da misericórdia divina.
45. Porém, o poder, a virtude e a fortaleza do
primeiro movimento da graça de Deus que a acariciara, sustentaram-na e
impediram-na de cair no desespero total. Todavia, lutava dentro de si mesma
entre a esperança e a dúvida. Qualquer esperança que se erguia, a dúvida
tornava a derrubar. A alma caíra numa intranqüilidade tão contínua que, por
fim, o mundo e toda sua glória tornaram-se repulsivos para ela. Não mais
desejava gozar os prazeres mundanos. No entanto, apesar de tudo, não conseguia
chegar ao repouso.
46. Algum tempo depois, a alma iluminada
aproximou-se novamente desta alma e, encontrado-a tão angustiada e preocupada
como antes, disse-lhe: “O que fazes? Porventura desejas destruir-te com tua
angústia e tua lamentação? Por que te atormentas com o teu próprio poder e
vontade? Não és senão um verme, e com o que estás fazendo só podes aumentar teu
tormento. Ainda que submergisses até o fundo do mar, ou pudesses voar aos mais
distantes fulgores da aurora, ou elevar-te acima das estrelas, não poderias
libertar-te. Quando mais te afligires, atormentares e preocupares, mais
dolorosa será a tua natureza, e não serás capaz de chegar ao repouso. Perdeste
teu poder! Como um pau seco que ardeu até converter-se em carvão não pode, por
seu próprio poder, tomar-se verde, nem ter seiva para florescer como as outras
árvores e as outras plantas, assim também não podes, por teu próprio poder e
fortaleza, alcançar a morada de Deus, nem converter-te na forma angélica que
tiveste no início. Estás murcha e seca para Deus, como uma planta morta que
perdeu sua seiva e sua vitalidade. Tuas propriedades são como o calor e o frio,
que lutam continuamente sem jamais poderem unir-se”.
47. A alma angustiada disse: “O que, então, deverei
fazer para tornar a brotar e receber minha vida primordial, na qual estava em
repouso antes de converter-me nessa imagem nefasta?”
48. A alma iluminada disse: “Nada tens de fazer
salvo abandonar tua vontade própria, isto é, aquilo que chamas “eu”. Desse
modo, todas as tuas propriedades malignas se enfraquecerão e começarão a
morrer; então mergulharás tua vontade própria na Unidade da qual provieste.
Estás cativa das criaturas (propriedades malignas) que habitam em ti e no
mundo, mas se tua vontade as abandona, as criaturas que com suas más
inclinações te impedem de chegar a Deus morrerão em ti.
49. “Se seguires o caminho que te indico, teu Deus
te enviará seu infinito amor, por Ele revelado para a humanidade em Jesus
Cristo. Ele te dará seiva, vida e vigor, de modo que poderás brotar e florescer
novamente, e regozijar-te no Deus vivente como um ramo que cresce em sua
verdadeira natureza. Assim recobrarás a imagem de Deus, e te libertarás da
imagem e condição da serpente. Então serás meu irmão e companheiro dos anjos”.
50. A pobre alma disse: “Como poderia abandonar
minha vontade, para que as criaturas que nela habitam venham a morrer, considerando
que tenho de estar no mundo e dele necessito enquanto viver?”
51. A alma iluminada disse: “Agora tens poderes e
riquezas mundanas, que possuis como próprias, fazendo com elas o que bem
queres, não levando em conta o modo pelo qual as obtiveste, nem como as
utiliza, empregando-as apenas para a satisfação de teus desejos vãos e carnais.
Embora vejas a miséria dos pobres e desgraçados, que requerem tua ajuda e são
teus irmãos, não apenas lhes nega ajuda, mas impõe-lhes pesadas cargas,
exigindo deles mais do que suas capacidades, fazendo que despendam seu labor e
seu suor para ti e para a gratificação de tua vontade voluptuosa. Além disso,
és orgulhoso e os insultas, e te comportas rude e insolentemente para com eles,
exaltando-te acima deles e considerando-os insignificantes diante de ti.
52. “Então, esses teus irmãos pobres e oprimidos
lamentam-se a Deus, pois não podem colher o benefício de seu próprio labor e
fadigas, sendo forçados por ti a viver na miséria. E, com tais suspiros e
lamentos atiçam em ti a cólera de Deus, aumentando as chamas de teu tormento e
de tua intranqüilidade.
53. “Estas são as criaturas (propriedades) de que
estás enamorado, tendo-te separado de Deus por elas e dirigido teu amor apenas
a elas. Assim essas criaturas vivem no teu amor; tu as alimenta com teu desejo
e as acolhe em tua mente, pela concupiscência de tua vida. Elas são uma
progênie suja, asquerosa e malvada, nascida da natureza bestial, que ao serem
recebidas em tua mente e teu desejo, ganham forma e imagem em ti.
54. “Essa imagem é uma besta de quatro cabeças: a
primeira é o orgulho; a segunda, a avareza; a terceira, a inveja; a quarta, a
ira. Estas quatro propriedades constituem os pilares do inferno. Carrega-as
contigo, estão impressas e gravadas em ti e a teu redor, estás totalmente
cativa delas. Essas propriedades vivem em tua vida natural e, por isso,
separada de Deus; não poderás aproximar-te d’Ele enquanto não abandonares estas
criaturas (propriedades) más, para que morram em ti.
55. “Desejas que eu te diga como abandonar a vontade
próxima e perversa, de modo que tais criaturas venham a morrer, ainda que sigas
vivendo no mundo. Posso assegurar-te que só há um caminho para isso, um caminho
estreito e reto. No início, será muito difícil e irritante trilhá-lo; porém,
mais tarde, caminharás por ele jubilosamente.
56. “Deves considerar seriamente que, no curso desta
vida mundana, caminhas na cólera de Deus e nos fundamentos do inferno, e que
esta não é tua verdadeira terra natal. Um cristão deve viver em Cristo, seguindo-o
em seu caminhar, e não pode ser um cristão a não ser que o espírito de Cristo
viva nele e que esteja plenamente submetido a ele.
57. “O reino de Cristo não é deste mundo, mas do
Céu, embora teu corpo necessite viver e habitar entre as criaturas.
58. “O caminho estreito da perpétua ascensão aos
céus e da imitação de Cristo é este: deves perder toda a esperança em teu
próprio poder e fortaleza, pois através deles não podes alcançar os portais de
Deus. Deves decidir firmemente a entregar-te por completo á misericórdia de
Deus. Deves submergir-te com toda tua mente e razão na paixão e morte de nosso
Senhor Jesus Cristo, desejando sempre preservar nele e morrer para todas as
criaturas.
59. “Deves também vigiar tua mente, teus
pensamentos e inclinações, para não permitir que a honra ou o proveito
temporal te seduzam. Deves ter a intenção de afastar de ti toda falta de
retidão e tudo o que possa obstruir a liberdade de teu movimento e progresso.
Tua vontade deve ser inteiramente pura e fixar-se na firme resolução de nunca
retornar aos velhos ídolos, mas abandoná-los e separar tua mente deles e da
justiça, seguindo a doutrina de Cristo.
60. “Assim como te propões a abandonar os inimigos
em tua própria natureza interior, deves também perdoar a todos os teus inimigos
exteriores, dispondo-te a encontrá-los com o teu amor, para que assim não possa
restar criatura, pessoa ou coisa capaz de capturar tua vontade, e para que ela
seja purificada de todas as criaturas.
61. “Digo mais, se preciso for, deverias estar
satisfeita e pronta a abandonar, por Cristo, todas as honras e bens materiais.
Não dês importância a nada que seja terreno, para que teu coração e teus afetos
não se estabeleçam ali. Qualquer que seja teu estado, grau ou condição quanto a
classe mundana das riquezas, considera-te como um servo de Deus e de teus
companheiros, os cristãos, ou como um serviçal de Deus no ofício em que Ele te
estabeleceu. Toda arrogância e auto-exaltação deve ser humilhada, diminuída e
aniquilada, de tal modo que nada de teu, ou de qualquer outra criatura, possa
estabelecer-se em tua vontade, para que teus pensamentos e tua imaginação não
se estabeleçam ali.
62. “Além disso, deves gravar em tua mente que, pelo
mérito de Jesus Cristo, alcançarás a graça prometida e participarás de seu
transbordante amor. Em verdade, Cristo já vive em ti, iluminando tua vontade e
inflamando-a com a chama de seu amor. Ele te libertará de tuas criaturas e te
dará a vitória sobre o diabo.
63. “Nada podes fazer por teu próprio poder. Podes
apenas entrar no sofrimento e na ressurreição de Cristo, Tomando-os para ti.
Com isso, o reino do diabo, estabelecido em ti, sofrerá violentos ataques e
será feito em pedaços, e suas criaturas (propriedades) morrerão. Deves
decidir-te entrar neste caminho, neste mesmo instante, e nunca mais afastar-te
dele, submetendo-te à bondade de Deus em todos os teus projetos e atos, para
que Ele possa fazer contigo o que quiser.
64. “Quando esta for tua vontade e tiveres tomando
tais resoluções, terás atravessado a barreira de tuas próprias criaturas e
estarás apenas na presença de Deus, revestido dos méritos de Jesus Cristo.
Poderás, então, como o filho pródigo, ir livremente ao Pai e prosternar-te ante
Sua face em arrependimento. Emprega toda tua força nesta obra, confessando teus
pecados e tua desobediência, e não com palavras vazias, mas arrependendo-te com
todo teu ser. Entretanto, tudo isto não será mais que um propósito e a uma
resolução, ainda que firmes, pois a alma não tem como fazer nenhuma boa obra
por si mesma.
65. “Quando estiveres nessa disposição, teu Pai
celeste, vendo-te retornar com arrependimento e humildade, falará contigo
internamente, dizendo: “Este é meu filho que Eu havia perdido. Estava morto e
reviveu” ( Luc. 15:24). E irá
encontrar-te em tua mente e, por meio da graça e do amor de Jesus Cristo, te
abraçará com os raios de seu amor e te beijarás com Seu Espírito e poder. Então
receberás a graça de verter tua confissão diante d’Ele e de orar poderosamente.
66. “Esse é, em verdade, o momento e o lugar
corretos do combate, isto é, diante da Luz de Sua Face. Se te manténs firme, se
não te desvias, verás e sentirás grandes maravilhas. Descobrirás Cristo
combatendo o inferno dentro de ti, fazendo em pedaços as tuas bestas, e fazendo
surgir em ti um grande tumulto e uma grande miséria. Teus pecados secretos
serão os primeiros a despertar, e tentarão separar-te de Deus. Verás e
sentirás, então, como a morte e a vida lutam uma com a outra, e pelo que se
passa em ti, entenderás o que são o céu e o inferno.
67. “Mas não te movas por isso; mantém-te firme e
não te desvies. Por fim, todas as criaturas (más inclinações) se tornarão
fracas e começarão a morrer, e tua vontade se tornará cada vez mais forte e
capaz de submetê-las. Então, gradualmente, tua vontade e tua mente nova
ascenderão ao céu, e tuas criaturas perecerão. Obterás uma mente nova e,
despojando-te da deformidade bestial e recobrando a imagem divina, começarás a
ser uma nova criatura. Assim te liberarás de tua presente angústia e chegarás
novamente ao repouso”.
A PRATICA DA POBRE ALMA
68.Então, tendo a pobre alma começado a participar
deste caminho com diligência, acreditou que obteria a vitória rapidamente. Mas
encontrou as portas do céu fechadas para sua habilidade e poder. Foi como se
tivesse sido rechaçada e abandonada por Deus, sem nenhum vislumbre da Graça.
Então, a alma disse a si mesma: “De certo não te entregaste por completo a
Deus. Nada deves desejar d’Ele, apenas submeter-te a seu juízo, para que Ele
possa matar tuas más inclinações. Lança-te n’Ele para além dos limites da
natureza e da criatura, e submete-te a ele de tal modo que Ele possa fazer
contigo o que bem quiser, pois não és digna de falar com Ele”. Assim, a alma
tomou a resolução de lançar-se n’Ele e abandonar por completo sua vontade própria.
69. Tendo feito isso, caiu sobre ela o maior
arrependimento possível pelos pecados que cometera, e deplorou amargamente a
fealdade de sua forma. Lamentou-se verdadeira e profundamente que as más
criaturas a habitassem. Em seu pesar, não pôde falar uma só palavra na
presença de Deus; em seu arrependimento, recordou apenas a amarga paixão e
morte de Jesus Cristo: quão grande angústia e tormento havia sofrido por sua
causa, para livrá-la de sua angústia e convertê-la novamente na imagem de Deus.
Lançou-se inteiramente nessa recordação, não fazendo outra coisa senão lastimar
sua ignorância e negligência, por ter sido ingrata para com seu Redentor,
jamais tendo considerado o grande amor que ele mostrou por ela, tendo passado o
tempo ociosamente, sem jamais pensar como poderia participar de sua Graça. Com
as vãs concupiscências e prazeres do mundo, havia formado em si imagens e
figuras das coisas terrenas; havia obtido inclinações tão bestiais que agora
deveria viver presa numa grande miséria, sem atrever-se, por vergonha, a erguer
os olhos a Deus, enquanto Ele ocultava-lhe a luz de Sua Face, não querendo
olhá-la.
70. Encontrando-se imersa em tais gemidos e
lágrimas, foi atraída para o abismo do horror, como se estivesse perante as
portas do inferno para perecer. A pobre alma, extenuada e completamente
desorientada, esqueceu-se de todos seus atos e queria entregar-se à morte e
deixar de ser uma criatura. Com isso, entregou-se à morte, desejando apenas
morrer na morte do seu Redentor, Jesus Cristo, que sofrera tão grandes
tormentos por ela. Contudo, nessa agonia, começou a suspirar interiormente e a
clamar pela bondade divina e a lançar-se na mais pura misericórdia de Deus.
71. Quando isso ocorreu, à amável face do amor de
Deus subitamente apareceu e penetrou-a com uma grande luz, lançou então a orar
de maneira correta e a agradecer pela graça do altíssimo, regozijando-se
imensamente por ter sido libertada da morte e da angústia do inferno.
72. Provou a doçura de Deus e a Sua Verdade
prometida; com isso, todos os espíritos maus que antes a haviam fustigado,
apartando-a da graça do amor e da Presença Inferior de Deus, foram obrigados a
dela separar-se. Então, solenemente, o “matrimônio do Cordeiro” teve lugar: a
nobre SOFIA desposou a alma e o selo do anel da vitória de Cristo imprimiu-se
em sua essência, e ela foi recebida novamente como filho e herdeiro de Deus.
73. Quando isto ocorreu, a alma tornou-se muito
feliz e começou a operar nesse novo poder, celebrando com louvores as
maravilhas de Deus, pensando que, dali em diante, caminharia continuamente sob
a mesma Luz, poder e gozo. Porém, foi logo assaltada - exteriormente, pelo escárnio e reprovação
do mundo e, interiormente, por uma grande tentação -, de modo que começou ter a
dúvidas quanto ao fato de seu fundamento estar realmente em Deus e se havia
participado de Sua Graça.
74. Assim, Satanás, o Acusador, aproximou-se e quis
desviar a alma de seu caminho, levando-a a duvidar do caminho verdadeiro,
sussurrando-lhe interiormente: “Essa feliz mudança em teu espírito não provém
de Deus, mas apenas de tua própria imaginação”.
75. Além disso, a Luz divina retirou-se, brilhando
apenas no plano interior da alma - como numa fogueira, quando a lenha em chamas
é retirada, restando apenas o fogo interior das brasas -, de modo que razão
sentia-se perplexa e abandonada. A alma não sabia porque isso estava ocorrendo,
nem se de fato havia experimentado a divina luz da Graça. Contudo, não podia
deixar de lutar.
76. Pois o ardente Fogo do Amor fora semeado nela,
gerando uma fome veemente e contínua da doçura divina. Por fim, começou a orar
de maneira correta, humilhando-se perante Deus, examinando e testando suas más
inclinações e pensamentos, e lançando-os fora de si.
77. Desse modo, a vontade da razão foi quebrada e as
más inclinações inerentes a elas foram gradativamente aniquiladas e extirpadas.
Esse processo foi muito severo e doloroso para a natureza do corpo, tornando-o
débil e enfermo. Contudo, não era uma enfermidade natural, mas a melancolia de
sua natureza terrena sentindo e lamentando a destruição de suas
concupiscências.
78. Pois bem, quando a razão terrena encontrou-se em
tal abandono e a pobre alma viu que, exteriormente, era desprezada e
ridicularizada pelo mundo, pois já não podia trilhar o caminho da perversão e
da vaidade, e também que, interiormente, era assaltada pelo Acusador, Satanás,
que a escarnecia, oferecendo-lhe a todo momento as belezas, as riquezas e a
glória do mundo, e chamando-a de estúpida por não correr para abraça-las, a
alma começou a pensar e dizer: “Ó Deus eterno! O que farei agora para chegar ao
repouso?
A ALMA ILUMINADA ENCONTRA-SE
NOVAMENTE
COM A ALMA ATORMENTADA
79. Em meio a tais pensamentos, a alma iluminada
encontrou-se mais uma vez com a alma atormentada, e disse-lhe: “O que te afliges,
meu irmão, e te põe em tal abatimento e tristeza?”
80. A pobre alma respondeu: “Segui teu conselho e
obtive um raio da doçura divina; mas novamente, ela afastou-se de mim e agora
encontro-me abandonada e sob grandes provações e aflições no mundo, pois todos
meus bons amigos abandonaram-me e escarnecem de mim. Interiormente, sou
acometida pela angústia e pela dúvida, e não sei o que fazer”.
81. A alma iluminada disse: “O que dizes traz-me
muita alegria, pois nosso amado Senhor Jesus Cristo está percorrendo contigo e
em ti o caminho que Ele mesmo trilhou neste mundo. Também Ele foi desprezado e
alvo de maledicências, e nada possuiu que lhe fosse próprio. Agora carregas sua
marca. Não te assombres com isso, nem o estranhes, pois assim deve ser para que
possas ser provada, refinada e purificada.
82. “Em tal angústia e inquietude, terás muitas
vezes motivo para ter fome da redenção e para clamar por ela; por meio de tal
fome e tal clamor, atrairás a graça para ti, inferior e exteriormente.
83. “Pois, para recuperar a imagem de Deus, deves
crescer tanto a partir de baixo como a partir do alto, como uma jovem planta
que, agitada pelo vento, suportando o frio e o calor, deve manter-se atraindo
força e virtude tanto do alto como de baixo, e resistir a mais de uma
tempestade, antes de converter-se numa árvore e dar frutos. Pois, através de
tal agitação, a virtude do Sol move-se na planta, as suas propriedades
selvagens são penetradas e tingidas pela virtude solar, e com isso, a árvore
cresce.
84. “Neste momento, deves agir como um valente
soldado do Espírito de Cristo e cooperar com ele. Pois o Pai eterno, por Seu
poder ígneo, engendra em ti o Seu Filho, e este Filho transmuta o Fogo do Pai
(o Primeiro Princípio, a propriedade colérica da alma) em Chama de Amor (o Segundo
Princípio, a doce Luz divina), de modo que do fogo e da Luz (da Ira e do Amor)
advém uma substância una, que é o verdadeiro templo de Deus.
85. “Agora, tu brotarás na videira de Cristo, e
darás frutos em tua vida, ajudando e instruindo os outros e, como uma boa
árvore, mostrando teu amor em abundância. Pois o Paraíso deve, através da
cólera de Deus, brotar novamente em ti e converter o inferno em céu”.
86. “Portanto, não acovardes antes as tentações do
diabo, pois ele luta pelo reino que um dia teve em ti; mas, tendo-o perdido,
foi humilhado e está obrigado a afastar-se de ti. E se ele te cobre
exteriormente com a humilhação e a reprovação do mundo, é para encobrir a
própria vergonha e para que tu permaneças oculto para o mundo.
87. “Pois, com teu novo nascimento ou natureza
regenerada, estás no céu e na harmonia divina. Por isso, sê paciente e espera
no senhor. O que quer que te ocorra, recebe-o como proveniente de Suas mãos
para o teu mais alto bem”.
Dizendo isto, a alma iluminada se afastou.
O CAMINHO DA ALMA
88. Agora, essa alma começou a caminhar sob o
paciente sofrimento de Cristo e, dependendo apenas do poder de Deus, entrou na
esperança. Desde então, tornou-se mais forte a cada dia, e suas más inclinações
pereceram gradualmente; por fim, chegou a um elevado grau da Graça, as
portas da revelação divina foram-lhe abertas e o reino dos céus manifestou-se
nela.
89. Assim, através do arrependimento, da fé e da
oração, a alma retornou a seu verdadeiro repouso original e converteu-se num
reto e amado filho de Deus. Que Sua infinita misericórdia nos ajude a todos a
conseguir o mesmo. Amém.
quarta-feira, 17 de abril de 2013
O EVANGELHO DE FELIPE
[Tradução
efetuada cotejando os textos em inglês de Wesley W. Isenberg, em THE NAG
HAMMADI LIBRARY, James M. Robinson (ed.) (Harper San Francisco, 1994), de Vladimir Antonov, em THE GOSPEL OF PHILIP, de
Paterson Brown, em THE GOSPEL OF PHILIP e a tradução para o português do texto
de Jean-Yves Leloup, em O EVANGELHO DE
FELIPE (Editora Vozes)].
O EVANGELHO DE FELIPE é um dos textos encontrados na coleção geralmente
referida como a BIBLIOTECA DE NAG HAMMADI. O nome vem da localidade no Alto
Egito onde foi encontrada uma coleção de códices em 1945.
O Evangelho de Felipe provavelmente foi escrito originalmente em grego. Os historiadores disputam a data de sua “publicação”, que variam do primeiro ao terceiro século. O exemplar encontrado entre os textos da biblioteca de Nag Hammadi é uma tradução para o copto, a língua do alto Egito no início de nossa era, que provavelmente foi efetuada no quarto século.
por, Raul Branco
O Evangelho de Felipe provavelmente foi escrito originalmente em grego. Os historiadores disputam a data de sua “publicação”, que variam do primeiro ao terceiro século. O exemplar encontrado entre os textos da biblioteca de Nag Hammadi é uma tradução para o copto, a língua do alto Egito no início de nossa era, que provavelmente foi efetuada no quarto século.
Ao
contrário dos evangelhos canônicos, o Evangelho de Felipe não contém uma
narrativa sistemática da vida e ministério de Jesus em ordem cronológica. Ele
segue a linha da tradição oral de relatar, independente do contexto histórico,
ensinamentos atribuídos a Jesus e interpretações de aforismos e práticas
espirituais.
Essa prática foi seguida por vários outros textos apócrifos, como por
exemplo, o Evangelho de Tomé e o assim chamado Evangelho “Q” (inicial de Quelle, alemão para ‘Fonte’, que é tido
como a fonte das logia do Senhor apresentadas nos evangelhos segundo Mateus e
Lucas).
Dentre
os dezessete ditados de Jesus em Felipe, nove são encontrados também, com
algumas variações, nos evangelhos canônicos e oito são originais. A linguagem
destes ditados é geralmente breve e enigmática. Sua interpretação requer o
conhecimento da simbologia usada pelos grupos gnósticos daquela época. Existem
também umas poucas histórias sobre Jesus semelhantes às encontradas nos mais
antigos evangelhos apócrifos. A linguagem é com freqüência paradoxal, lembrando
os koans zen, provavelmente para levar o leitor a deixar de lado a lógica da
mente e valer-se da intuição para seu entendimento.
O
que torna o Evangelho de Felipe especialmente importante são as inúmeras
passagens sobre os sacramentos que teriam sido instituídos por Jesus em sua forma
original, antes de terem sido adaptados e aumentados para sete, pela Igreja,
para uso geral dos fiéis. Segundo a tradição esotérica, aqueles sacramentos
eram ministrados somente aos discípulos do círculo interno, “os poucos”, em
circunstâncias que lembram os rituais dos Mistérios Maiores da antigüidade.
Assim, as referências aos cinco sacramentos: o batismo, a crisma, a eucaristia,
a redenção e a câmara nupcial, são feitas numa linguagem ainda mais velada do
que a utilizada em outras partes do texto. Apesar do caráter oculto dessas
passagens, elas oferecem ao estudioso uma clara indicação de seus paralelos com
as cinco grandes Iniciações e as cinco etapas da vida dos místicos.
Texto do Evangelho de Felipe
1. Um hebreu faz outro hebreu convertido, e tal
pessoa chama-se prosélito. Mas, um convertido nem sempre faz outro prosélito.
Aqueles que vieram da verdade são como eram inicialmente. E eles geram outros
homens da verdade. Para esses outros é suficiente tornar-se o que se é.
2.
O escravo só aspira ser livre e não ambiciona adquirir os bens de seu senhor.
Porém o filho não é somente um filho, mas um herdeiro da herança do pai.
3.
Os que herdam dos mortos estão eles mesmos mortos e herdam os mortos. Os que herdam
daquele que é vivo estão vivos e são herdeiros tanto do imperecível como do
morto. Os mortos não são herdeiros de nada. Pois como pode aquele que está
morto herdar? Se aquele que morreu herdasse do que vive ele não morreria.
4. O pagão não morre, pois ele nunca chegou a
viver, portanto não tem sentido falar sobre sua morte. Mas aquele que aceitou a
verdade encontrou a vida e corre o perigo de morrer, pois está vivo.
5. A vinda de Cristo gera um mundo novo com ordem
e beleza, e afasta a morte.
6. Quando éramos hebreus, éramos órfãos,
conhecíamos apenas nossa mãe, mas, quando nos tornamos cristãos descobrimos nosso
pai e nossa mãe.
7. Quem semeia no inverno colhe no verão. O
inverno é este mundo, o verão é o outro reino eterno (eon). Semeemos no mundo
para que possamos colher no verão. Por essa razão não deveríamos orar a Deus no
inverno, porque o inverno é seguido pelo verão. Porém, se algum homem colher no
inverno ele, na verdade, não estará colhendo, mas simplesmente arrancando as
plantinhas. Não só no inverno ele ficará sem colheita, mas também no outro
sábado seu campo será improdutivo.
8. Cristo veio para resgatar alguns, salvar
outros e para redimir ainda outros. Ele resgatou os alienados trazendo-os para
si. E colocou os seus separados, aqueles que havia resgatado por sua vontade.
Não foi apenas no momento de sua manifestação que ele ofertou sua vida, mas
desde o começo do mundo sua vida é ofertada. Ele se encarnou para ofertá-la,
quando bem quis. Ela havia caído em mãos de ladrões tendo sido feita
prisioneira. Mas ele a libertou, resgatando tanto as pessoas boas do mundo como
as más.
9. Luz e treva, vida e morte, direita e esquerda
são irmãos e irmãs entre si. São inseparáveis. Por isto, nem os bons são bons,
nem os maus são maus, nem a vida é vida, nem a morte é morte. Por isso tudo se
dissolverá em sua origem primordial. Mas os que estão exaltados acima do mundo
são indissolúveis, são eternos.
10. Os nomes que usamos para as coisas do mundo
são muito enganadores, pois desviam nossos pensamentos do que é real (eterno)
para o que é transitório. Assim, quem ouve a palavra “Deus” não percebe o que é
Real, mas sim uma imagem ou ilusão. O mesmo ocorre com “Pai”, “Filho”,
“Espírito Santo”, “Vida”, “Luz”, “Ressurreição”, “Igreja”. As pessoas não
percebem o real, mas sim o seu oposto, (a menos) que tenham experimentado o
real. Os (nomes que ouvimos) estão no mundo para nos confundir. Se estivessem
no reino eterno (eon), não seriam jamais usados como nomes neste mundo.
Tampouco seriam colocados entre as coisas do mundo. Essas noções têm um
propósito no reino eterno.
11. Só há um nome que não se pronuncia no mundo,
o nome que o Pai deu ao Filho e que está acima de todas as coisas: esse nome é
o Pai. Pois o Filho não se tornaria um com o Pai, a não ser que usasse o nome
do Pai. Aqueles que têm esse nome conhecem-no em pensamento, mas não o
pronunciam. Mas, aqueles que não têm este nome não O conhecem. A verdade fez
com que os nomes surgissem no mundo por nossa causa, pois não é possível
aprendê-la sem esses nomes. A verdade é uma única coisa, mas se apresenta como
muitas coisas por nossa causa, para nos ensinar com amor sobre essa coisa una.
12. Os regentes (arcontes) queriam enganar o
homem, porque viram que ele tinha parentesco com o que é verdadeiramente bom.
Eles tomaram o nome do que era bom e deram-no ao que não era bom, para que, por
meio dos nomes, pudessem enganá-lo e vinculá-lo ao que não é bom. E, depois,
que favor os nomes lhes prestam! São tirados do que não é bom e colocados no
que é bom. Eles sabiam essas coisas, porque queriam apoderar-se do homem livre
e torná-lo seu escravo para sempre.
13. Alguns regentes concedem poderes ao homem,
não querendo que ele seja (salvo), para que eles possam mantê-lo sob seu poder.
Porque se o homem for (salvo, não haverá) nenhum sacrifício ( ... ) e não serão
oferecidos animais aos arcontes. Na verdade, eram aos animais que eles
ofereciam sacrifícios. Eles eram realmente oferecidos vivos, mas quando os
ofertavam eles morriam. Quanto ao homem, ofereceram-no morto a Deus, e ele
viveu.
14. Antes da vinda do Cristo não havia pão no
mundo. Também no Paraíso, o lugar onde estava Adão, havia muitas árvores para
alimentar os animais, mas não havia trigo para sustentar o homem. O homem
costumava alimentar-se como os animais, mas quando veio Cristo, o homem
perfeito, ele trouxe pão dos céus para que o homem pudesse ser nutrido com
alimento de homem.
15. Os regentes pensavam que era por seu próprio
poder e vontade que faziam o que estavam fazendo. Mas o Espírito Santo, em
segredo, estava realizando tudo por meio deles, segundo sua vontade. A Verdade,
que existia desde o princípio, está semeada por toda parte. E muitos a vêem
sendo semeada, mas são poucos os que a vêem sendo colhida.
16. Alguns dizem que Maria concebeu por obra do
Espírito Santo. Mas eles estão enganados. Não sabem o que dizem. Quando uma
mulher alguma vez concebeu por obra de outra mulher? Maria é a virgem que nenhum
poder conspurcou. Ela é um grande anátema para os hebreus, os apóstolos e seus
seguidores. Essa virgem que nenhum poder violou ( ... ) os poderes violaram a
si mesmos. O Senhor não (teria) dito “Meu (Pai que está nos) céus” (Mt 16:17)
se não tivesse outro pai. Neste caso, teria dito simplesmente “(Meu Pai)”.
17. O Senhor disse aos discípulos: entrem na casa
do Pai. Mas não levem nada para a casa do Pai nem retirem (nada) de lá.
18. “Jesus” é um nome oculto, “Cristo” é um nome
revelado (título). Por esta razão, “Jesus” não está particularmente ligado a
nenhuma língua; seu nome é sempre “Jesus”. “Cristo”, porém, em siríaco é
“Messias” e em grego, “Cristo”. Certamente todas as outras línguas referem-se a
ele com suas próprias palavras. “O nazareno” é aquele que revela o que está
oculto.
19. Cristo tem tudo em si mesmo, o homem, o anjo,
o mistério, o Pai.
20. Os que dizem que o Senhor morreu primeiro e
(então) ressuscitou estão enganados, pois ele primeiro ressuscitou e (então)
morreu. Se alguém alcança primeiro a ressurreição ele não morrerá. Assim como
Deus vive, ele viverá sempre.
21. Ninguém esconde um objeto de grande valor num
lugar de destaque, mas muitas vezes incontáveis milhares de objetos valiosos
são colocados em algo de valor negligível. Assim é com a alma: uma coisa
preciosa que se encontra num corpo humilde.
22. Há os que têm medo de ressurgir nus. Por isto
querem ressuscitar na carne. Não sabem que são aqueles que vestem a (carne) que
estão nus. Aqueles que são levados a despir-se é que não estão nus. “Nem a
carne (nem o sangue) herdarão o Reino de (Deus).” (1 Co 15:50). O que é que não
herdará? Aquilo que usamos como vestimenta. Mas então o que herdará? É aquilo
que pertence a Jesus e a seu sangue. Por isto Ele disse: “Aquele que não come a
minha carne e bebe o meu sangue não tem vida em si” (Jo 6:53). O que quer dizer
isto? Sua carne é a Palavra (o Logos), e seu sangue é o Espírito. Quem recebe o
Logos e o Espírito tem alimento, bebida e vestimenta. Discordo dos que dizem
que (a carne) não ressuscitará, pois uns e outros estão errados. Tu dizes que a
carne não ressurgirá. Dize-me, então, o que ressuscitará para que possamos te
aplaudir. Falas do Espírito na carne, que é também esta Luz na carne. (Porém)
isso também é matéria que se encontra na carne, pois tudo o que disseres, não
estará fora da carne. É preciso ressurgir nesta carne, já que tudo existe nela.
23. Neste mundo, aqueles que usam roupas valem
mais do que as vestes. No Reino dos Céus, as vestes valem mais do que os que as
usam.
24. É por meio da água e do fogo que tudo é
purificado: o visível pelo visível, o oculto pelo oculto. Algumas coisas são
ocultas por meio das visíveis. Existe água na água e fogo na crisma.
25. Jesus surpreendeu-os, porque Ele não apareceu
como era (verdadeiramente), mas da maneira como (seriam) capazes de percebê-lo.
Apareceu aos grandes como grande, aos pequenos como pequeno, aos anjos como
anjo e aos homens como homem. Por isto o Verbo permaneceu oculto de todos.
Alguns realmente o viram, pensando que estavam vendo a si mesmos. Mas quando
apareceu gloriosamente aos discípulos sobre a montanha não era pequeno. Ele se
tornou grande, mas fez com que os discípulos ficassem grandes, para que
pudessem percebê-lo em sua grandeza.
26. Disse naquele dia na ação de graças, “Vós que
unis a plenitude da luz com o Espírito Sagrado, incorporai os anjos também às vossas
imagens”.
27. Não desprezeis o cordeiro, pois sem ele não é
possível ver o portal. Ninguém será capaz de ir ao Rei se estiver despido.
28. O homem celestial tem muito mais filhos do
que o homem terreno. Se os filhos de Adão são muitos, apesar de morrerem,
quanto mais os filhos do homem perfeito que não morrem e são continuamente
gerados.
29. O pai faz um filho, mas o filho não tem poder
para fazer um filho. Pois aquele que foi gerado não tem o poder para gerar; o
filho obtém irmãos para si, e não filhos.
30. Todos os que nascem no mundo são gerados de
maneira natural, enquanto os outros (são gerados) de maneira espiritual.
Aqueles que foram gerados em seu coração e esperam a plena realização do
humano, nutrem-se da promessa (do objetivo) elevado.
31. (A Graça) chega a ele da boca, do lugar de
onde surge o Logos. A pessoa deve ser nutrida da boca para se tornar perfeita.
Por isso os perfeitos são concebidos e nascem por meio de um beijo. Por esta
razão nós também nos beijamos uns aos outros. Somos concebidos da graça que nos
é comum.
32. Havia três que sempre caminhavam com o
Senhor: Maria, sua mãe, sua irmã e Madalena, que era chamada sua companheira.
Sua irmã, sua mãe e sua companheira todas se chamavam Maria.
33. “O Pai” e “o Filho” são nomes simples; “Espírito
Santo” é um nome duplo, pois está em toda parte: acima e abaixo, no oculto e no
revelado. O Espírito Santo está no revelado em baixo e no oculto em cima.
34. Os santos servem-se dos poderes malignos,
pois estes ficam cegos por obra do Espírito Santo, pensando que estão servindo
um homem (comum), todas as vezes que o fazem aos santos. Por isto um discípulo
pediu um dia algo deste mundo ao Senhor. Ele lhe respondeu: “Pede a tua mãe, e
ela te dará as coisas que pertencem a outrem”.
35. Os apóstolos disseram aos discípulos: “Que
toda nossa oferenda adquira sal”. Eles chamavam (Sophia) de “sal”. Sem sal
nenhuma oferenda (é) aceitável.
36. Mas Sophia é estéril, (sem) filhos. Por essa
razão é chamada de “um traço de sal”. Sempre que eles quiserem ( ... ) do seu
jeito, o Espírito Santo ( ... ) seus filhos são muitos.
37. O que o Pai possui pertence ao filho.
Enquanto este é pequeno, não se lhe confia o que é seu. Mas quando se faz homem
maduro, seu pai lhe dá tudo o que possui.
38. Aqueles que se desencaminham são gerados pelo
Espírito e também se desencaminham por meio do Espírito. Assim, com o mesmo
sopro o fogo é atiçado e apagado.
39. Echamoth é uma realidade, Echmoth outra.
Echamoth é simplesmente sabedoria, enquanto Echmoth é a sabedoria da morte,
aquela que conhece a morte, sendo chamada “a pequena sabedoria”.
40. Existem animais domésticos, como o boi, o
burro e outros deste tipo. Outros são selvagens e vivem isolados nas regiões
ermas. O homem ara o campo com animais domésticos e, com isso, sustenta-se e
alimenta os animais, sejam mansos ou selvagens. O mesmo faz o homem perfeito.
Ele cultiva por meio de poderes que lhe são submissos, preparando o surgimento
de todas as coisas. É assim que tudo se mantém, seja bom ou mal, da direita ou
da esquerda. O Espírito cuida de todos e governa todos os poderes, os “mansos”
e os “selvagens”, bem como os que são únicos. Pois, na verdade ele os controla
(sempre), independente de seus desejos.
41. (Aquele que) foi criado é (belo, mas) tu
(não) acharias que os filhos dele são criações nobres. Se ele não fosse criado,
mas engendrado, tu acharias que os descendentes dele seriam nobres. Agora,
porém, ele foi criado e gerou. O que há de nobre nisto?
42. Primeiro ocorreu o adultério, em seguida o
assassinato. E ele foi gerado no adultério, pois era filho da serpente. Assim,
tornou-se um assassino, como seu pai, e matou seu irmão. Na verdade, toda união
que ocorre entre seres que não são semelhantes é adultério.
43. Deus é um tintureiro. Assim como os bons
corantes, chamados de “autênticos”, dissolvem-se nas coisas que são tingidas
por eles, também o mesmo ocorre com aqueles a quem Deus tingiu. Como seus
corantes são permanentes, eles tornam-se imortais por meio de suas cores. É
assim que Deus nos mergulha nas águas do batismo.
44. Ninguém pode ver algo das coisas que realmente
existem a menos que se torne como elas. Não é assim que se passa com o homem no
mundo: ele vê o sol sem tornar-se o sol; vê o céu, a terra e todas as outras
coisas, mas não se torna estas coisas. Isso está de acordo com a verdade. Mas, tu
viste algo daquele lugar e te converteste naquelas coisas. Viste o Espírito e
te tornaste Espírito. Viste o Cristo e te tornaste Cristo. Vistes o Pai e te
tornarás o Pai. Assim, (neste lugar) vês todas as coisas e não (vês) a ti
próprio, mas (naquele lugar) realmente vês a ti mesmo, e te tornarás o que
vires.
45. A fé recebe, o amor dá. (Ninguém pode
receber) se não tiver fé. Ninguém é capaz de dar sem amor. Por esta razão, para
que realmente possamos receber, cremos, e para que possamos amar, damos, pois
se alguém dá sem amor não recebe benefício pelo que deu.
46. Aquele que não recebeu o Senhor ainda é um
hebreu.
47. Os apóstolos que nos precederam chamavam-no
assim: “Jesus, o Nazareno, Messias”, isto é, “Jesus, o Nazareno, o Cristo”. O
último nome é “Cristo”, o primeiro é “Jesus”, o do meio é “o Nazareno”.
“Messias” tem dois significados, “o Cristo” e “o medido”. “Jesus” em hebraico é
“a redenção”. “Nazara” é “a verdade”. “O Nazareno”, então, é “o verdadeiro”.
“Cristo” foi medido; “o Nazareno” e “Jesus” são a medida.
48. Quando a pérola é atirada na lama ela (não)
passa a ser desprezada; tampouco se for banhada em óleo de bálsamo se tornará
mais preciosa. Ela sempre manterá o seu valor aos olhos de seu dono. O mesmo
ocorre com os filhos de Deus onde quer que estejam. Eles sempre têm valor aos
olhos de seu pai.
49. Se disseres, “sou judeu”, ninguém se
inquietará; se disseres, “sou romano”, ninguém se perturbará. Se disseres, “sou
grego, bárbaro, escravo ou livre”, ninguém se incomodará. Se disseres, “sou
cristão”, todos tremerão. Que eu possa receber dessa forma esse galardão que as
pessoas do mundo não são capazes de ouvir.
50. Deus alimenta-se de homens. Por isto a
humanidade é sacrificada a ele. Antes dos homens serem sacrificados,
sacrificavam-se animais, pois aqueles a quem eram sacrificados não eram deuses.
51. Tanto os vasos de vidro como os de argila são
feitos com o uso do fogo. Mas, se os de vidro quebram, são refeitos, pois
surgiram por meio de um sopro. Os de argila, no entanto, são destruídos, pois
foram feitos sem sopro.
52. Um burro, girando uma pedra de moinho,
caminhou cem milhas. Quando ele foi solto percebeu que ainda estava no mesmo
lugar. Existem pessoas que fazem muitas jornadas, mas sem fazer nenhum
progresso em qualquer direção. Quando o crepúsculo as surpreende, não encontram
nenhuma cidade nem vilarejo, nenhum produto humano nem fenômeno natural, poder
nem anjo. Labutaram em vão, coitadas!
53. A eucaristia é Jesus, pois ele se chama
“Pharisatha” em aramaico, isso é “aquele que está estendido”, pois Jesus veio
para crucificar o mundo.
54. O Senhor entrou na tinturaria de Levi, tomou
setenta e duas cores diferentes e jogou-as na tina. Ele tornou-as todas
brancas. E ele disse: “Da mesma forma, o filho do homem veio (como)
tintureiro”.
55. A Sophia, que é chamada de “a estéril,” é a
mão (dos) anjos. E a companheira do (Senhor) é Maria Madalena. (Jesus amava-a)
mais do que (a todos) os discípulos (e costumava) beijá-la (freqüentemente) em
seus (lábios). Os demais (discípulos viram seu amor por Madalena). Eles lhe
disseram: “Por que a amas mais do que a todos nós?” O Salvador respondeu
dizendo: “Por que acham que não os amo como a ela?
56. Quando um cego e uma pessoa normal estão
juntos na escuridão, não são diferentes um do outro. Quando chega a luz, então,
aquele que vê verá a luz e o cego permanecerá na escuridão.
57. O Senhor disse: “Bem aventurado aquele que é
antes de existir. Pois, aquele que é foi e será.”
58. A superioridade do homem não é óbvia à vista,
mas encontra-se no que está escondido da visão. Por isto o homem domina os
animais, que são maiores e mais fortes do que ele. Isso os capacita a
sobreviverem. Mas quando o homem se separa deles, mordem e matam uns aos
outros. Devoram-se porque não encontram nenhum alimento. Porém, agora que o homem
preparou o solo eles encontram o que comer.
59. Se alguém entra n’água e sai dela sem nada
haver recebido e diz, “sou cristão,” ele toma o nome emprestado a juros. Porém,
se recebeu o Espírito Santo, recebe o nome de presente. Aquele que recebe um
presente não precisa devolvê-lo, mas o pagamento é exigido de quem toma emprestado
a juros.
60. É assim que (acontece com) quem experimenta
um mistério. Grande é o mistério do casamento! Pois o mundo é complexo; (o
sistema) está fundamentado na humanidade e (ela) está baseada no matrimônio. (Portanto)
contemplem a união pura, pois ela tem (um grande) poder. Sua imagem consiste numa (corrupção).
61. As formas dos espíritos impuros incluem
machos e fêmeas. Os machos unem-se com as almas que habitam em formas femininas,
enquanto as fêmeas misturam-se com os que se encontram em formas masculinas,
porém que são desobedientes. E não se consegue escapar deles, pois detêm a
pessoa (a menos que) ela receba um poder masculino e feminino, o noivo e a
noiva. Eles são recebidos na câmara nupcial espelhada. Quando as mulheres tolas
vêem um homem sozinho, lançam-se sobre ele, entretendo-o e maculando-o.
Igualmente, os homens voluptuosos, quando vêem uma mulher bonita sozinha,
procuram seduzi-la e possuí-la, desejando corrompê-la. Porém, se vêem um homem
com sua esposa juntos, as fêmeas não podem se aproximar do homem, nem o macho
da mulher. Assim, se a imagem e o anjo estão unidos um ao outro, não pode haver
nenhum risco ao homem ou à mulher.
62. Aquele que sai do mundo não pode mais ser
detido pelo fato de ter estado no mundo. Ele revela que está acima do desejo e
do medo (da carne). Ele domina (o desejo), é superior à inveja. Se (a multidão)
vem para apanhá-lo e sufocá-lo, por que (ele) não será capaz de escapar (dos)
poderes? Por que deverá (temê-los)?
63. Alguns (dizem), “Temos fé”, para que (possam
se livrar) dos espíritos e dos demônios (imundos). Porém, se tivessem o
Espírito Santo, nenhum espírito imundo se aproximaria deles.
64. Não temas a carne nem a ame. Se a temeres,
ela te dominará. Se a amares, ela te paralisará e devorará.
65. Ou se está neste mundo, na ressurreição ou
nos mundos intermediários. Deus me livre de encontrar-me ali! Neste mundo
existe o bem e o mal. As coisas boas do mundo não são apenas boas, e as coisas
más não são apenas más. Porém, depois deste mundo, existe mal que realmente é
mal - o que é chamado de “o meio,” o lugar intermediário. É o mundo dos mortos.
Enquanto estamos neste mundo seria bom alcançarmos a ressurreição, para que,
quando nos despirmos da carne, possamos encontrar o descanso e não ficarmos
vagando na transição. Porque muitos se perdem no caminho. É melhor sair do
mundo antes de pecar.
66. Alguns nem querem nem podem fazer o mal;
outros querem mas não o fazem; são seus desejos que os torna transgressores
mesmo se não fazem nada. Falta retidão àqueles que nada querem e àqueles que
fazem o mal.
67. O discípulo de um apóstolo, numa visão, percebeu
algumas pessoas confinadas numa casa em fogo, gritando com voz angustiada,
joguem água nas chamas, imploravam. Existe água no (...) e eles proclamam para
si mesmos: (...). As águas não podem nos salvar (da morte! Iludidos) por seu
desejo, eles receberam como castigo (aquilo) que é chamado “a escuridão
(exterior)”
68. A alma e o espírito vieram à existência a
partir da água e do fogo. É da água, do fogo e da luz que o filho da câmara
nupcial (veio à existência). O fogo é a crisma, a luz é o fogo. Não estou me
referindo ao fogo que não tem forma, mas ao outro fogo cuja forma é branca, que
é brilhante e belo e que confere esplendor.
69. A verdade não veio nua ao mundo, mas veio
envolta em imagens simbólicas. (O mundo) não a receberá de qualquer outra
forma. Há um renascimento e uma imagem do renascimento. Certamente é necessário
nascer outra vez por meio da imagem. Qual delas? A ressurreição. A imagem deve nascer
outra vez por meio da imagem. A câmara nupcial com sua imagem; deve-se entrar na
verdade através da imagem: isso é a restauração. Deve fazê-lo não só por meio
do nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, mas também o integrando em si
mesmo. Quem não for gerado assim, o nome (cristão) lhe será retirado. A pessoa
recebe o nome na unção, na plenitude e no poder da cruz. Esse poder os
apóstolos chamaram “a direita com a esquerda”. Pois essa pessoa não é mais um
cristão, mas um Cristo.
70. O Senhor fez tudo num mistério, um batismo,
uma crisma, uma eucaristia, uma redenção e uma câmara nupcial.
71. Ele disse: “Vim fazer (as coisas abaixo) como
as coisas (acima, e as coisas) fora como aquelas (dentro. Vim para uni-las) no
lugar”. Ele falava sobre as coisas do eon (acima) deste lugar por meio de
(imagens) simbólicas.
72. Aqueles que dizem “(existe um homem celestial
e) existe outro acima dele”, estão enganados. Porque é o primeiro desses dois
(homens) celestiais que se manifesta; ele é chamado “aquele que está abaixo”; e
aquele a quem pertence o oculto (deve ser) o que está acima dele. Portanto,
seria melhor dizerem, “O interior e o exterior, e o que está fora de exterior”.
Por isto o Senhor chamou a destruição de “a escuridão exterior”; não existe
nada além dela. Ele disse: “Meu Pai que está em segredo”. Ele disse, “Entra em
teu aposento, fecha a porta e ora a teu Pai que está em segredo” (Mt 6:6),
aquele que está no interior de tudo. Mas o que está no interior de tudo é a
plenitude. Mais interior do que ela não existe nada. É sobre isto que dizem, “O
que está acima deles”.
73. Antes de Cristo muitos haviam saído. E não
conseguiam mais entrar no lugar de onde haviam saído, e foram para um lugar de
onde não conseguiam mais sair. Então veio o Cristo. Ele retirou aqueles que
entraram e pôs para dentro os que saíram.
74. Quando Eva ainda estava em Adão a morte não
existia. Quando ela se separou dele a morte passou a existir. Se (ela) entrar
outra vez (e) ele (a) receber em si, a morte deixará de existir.
75. “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”
(Mc 15:34). Foi na cruz que ele disse essas palavras. Ele dividiu o lugar
(abaixo do lugar acima), tendo sido gerado em Espírito por Deus. O Senhor ergueu-se
dentre os mortos. Ele tornou-se (outra vez) como tinha sido, mas (seu corpo)
tinha sido tornado perfeito. Ele estava encarnado, mas sua carne era o
verdadeiro corpo. (No entanto, nossa carne) não é verdadeira, mas somente uma
imagem da verdadeira.
76. A câmara nupcial não é para os animais, nem
para os escravos, nem para as pessoas impuras; mas é para os seres livres e
imaculados.
77. Somos realmente engendrados pelo Espírito
Sagrado, mas somos regenerados por Cristo. Em ambos os casos somos ungidos pelo
Espírito. Tendo sido gerados, somos unidos.
78. Ninguém pode ver-se na água ou num espelho
sem luz. Tampouco poderá ver-se na luz sem água ou espelho. Por essa razão, é
apropriado batizar nos dois, na luz e na água. Pois bem, a luz é a crisma.
79. Havia três lugares para sacrifício em
Jerusalém. O que estava voltado para o poente era chamado de “o sagrado.”
Outro, voltado para o sul, era chamado de “o santo do santo.” O terceiro,
voltado para o nascente, era chamado “o santo dos santos,” o lugar onde só o
Sumo Sacerdote podia entrar. O Batismo é o edifício “sagrado.” A Redenção é “o
santo do santo,” e a Câmara Nupcial “o santo dos santos.” O Batismo conduz à
Ressurreição (e à) Redenção; mas a Redenção (ocorre) na Câmara Nupcial. Mas a
Câmara Nupcial ocorre naquele lugar que é superior ao ( ... ) tu não
encontrarás ( ... ) são aqueles que oram ( ... ) Jerusalém. ( ... ) Jerusalém,
( ... ) aqueles chamados “o santo dos santos” ( ... o) véu foi rasgado ( ... )
câmara nupcial exceto a imagem ( ... ) acima. Por esta razão é lá que o véu
rasga-se de alto a baixo. Pois é lá que alguns se levantam e despertam.
80. Os poderes não podem ver nem deter aqueles
que estão vestidos com a luz perfeita. A pessoa pode vestir-se com essa luz no
sacramento na união.
81. Se a mulher não tivesse se separado do homem,
ela não morreria mais tarde com o homem. Sua separação foi a origem da morte.
Por isto o Cristo veio, para reparar a separação que houve no princípio e unir
os dois outra vez e para dar vida àqueles que morreram devido à separação, unindo-os
de novo. Mas a mulher une-se a seu marido na câmara nupcial. Na verdade,
aqueles que foram unidos na câmara nupcial não mais serão separados. Portanto,
Eva separou-se de Adão porque não foi na câmara nupcial que ela se uniu a ele.
82. A alma de Adão chegou à existência por meio
de um sopro. O companheiro de sua alma é o Espírito. Sua mãe é a coisa que lhe
foi dada. Sua alma lhe foi tomada e substituída por um (espírito). Quando ele
estava unido (ao Espírito), (pronunciou) palavras incompreensíveis aos poderes.
Eles o invejaram ( ... ) parceiro espiritual ( ... ) escondido ( ... )
oportunidade ( ... ) somente para eles ( ... ) câmara nupcial para que ( ...)
83. Jesus manifestou (às margens do) Jordão, a
(plenitude do reino) dos céus, que (existia) antes de todas as coisas. Ele foi
engendrado novamente. Ele (que fora ungido) outrora foi ungido novamente. Ele
que tinha sido redimido, redimiu (outros) por sua vez.
84. Se um mistério pode ser dito, o pai de tudo
que existe uniu-se com a virgem que havia descido, e um fogo brilhou para ele
naquele dia. Ele revelou o poder da câmara nupcial. Portanto, seu corpo passou
a existir naquele dia. Surgiu na câmara nupcial como alguém que veio à
existência por meio do noivo e da noiva. Foi assim que Jesus estabeleceu a
totalidade para si em seu coração. E por meio destes (do noivo e da noiva) é
conveniente que cada um dos discípulos entre em seu repouso.
85. Adão veio a ser por meio de duas virgens, do
Espírito e da Terra virgem. O Cristo, portanto, nasceu de uma virgem para
retificar a queda que houve no princípio.
86. Existem duas árvores no
Paraíso. Uma sustenta (animais) e a outra sustenta homens. Adão (comeu) da
árvore que nutria animais. (Ele) tornou-se um animal e produziu animais. Por
causa disso os (animais) passaram a ser adorados.
87. Deus criou os homens e os homens criaram deuses.
É desta maneira que são as coisas no mundo, os homens criam deuses e adoram a
sua criação. Seria apropriado que os deuses adorassem os homens!
88. Certamente a realização do homem depende de
seu poder. Por isto referimo-nos às suas realizações como suas “habilidades.”
Entre suas realizações encontram-se seus filhos. Eles têm sua origem num
momento de repouso. Portanto, suas habilidades determinam o que ele pode
realizar, mas esse repouso mostra-se evidente nos filhos. Isso se aplica
diretamente à imagem. Aqui está o homem feito de acordo com a imagem realizando
coisas com esforço, mas produzindo seus filhos em repouso.
89. Neste mundo, os escravos servem os livres. No
Reino dos Céus, os livres vão cuidar dos escravos: os filhos da câmara nupcial
vão cuidar dos filhos do casamento. Os filhos da câmara nupcial têm (um só)
nome: repouso. (De modo geral) eles não precisam nada mais (porque têm) a
contemplação.
90. A contemplação das imagens é a
conscientização na grandeza da glória.
91. Aqueles que mergulham na água não ( ... ) experimentam
a morte. Pois ( ... ) vai redimi-los (quando eles prosseguirem); ou seja,
aqueles que foram (chamados para serem preenchidos) em seu nome. Pois ele
disse, “(Assim) devemos cumprir toda a justiça” (Mt 3:15).
92. Aqueles que dizem que devem morrer primeiro
para depois ressuscitar estão enganados. Se não receberem a ressurreição
enquanto estiverem vivos, não receberão nada quando morrerem. Assim também,
quando falam sobre o batismo dizem, “O batismo é uma grande coisa”, pois as
pessoas viverão se o receberem.
93. Felipe, o apóstolo, disse: “José, o carpinteiro,
plantou um bosque porque precisava de madeira para seu ofício. Foi ele que fez
a cruz das árvores que plantou. Seu próprio descendente ficou pendurado naquilo
que ele plantou. Seu descendente foi Jesus e o plantio foi a cruz.” Mas a
árvore da vida está no meio do paraíso. Porém é da oliveira que recebemos a
crisma, e da crisma a ressurreição.
94. Este mundo é um devorador de cadáveres. Todas
as coisas que se comem aqui também morrem. A verdade alimenta-se da vida.
Portanto, ninguém nutrido pela (verdade) morrerá. Foi daquele lugar que Jesus
veio e trouxe alimento. Aos que a desejavam ele deu (vida para que) eles não
morressem.
95. Deus (criou) um jardim-paraiso. O homem
(viveu naquele) jardim. Existem ( ... ) e ( ... ) de Deus. ( ... ) As coisas
que estão no (seu coração) (...) desejo. Esse jardim (é o lugar em que) me dirão,
“(coma) isto ou não coma (aquilo, de acordo com a sua) escolha.” Esse é o lugar
em que comerei todas as coisas, pois ali está a árvore do conhecimento. Foi ela
que matou Adão, mas aqui a árvore do conhecimento faz com que o homem viva. A
lei era a árvore. Ela tem o poder de conceder o conhecimento do bem e do mal.
Ela nem o removeu do mal, nem o colocou no bem, mas fez com que morressem
aqueles que a comeram. Pois a morte se originou quando foi dito, “coma isso,
não coma aquilo”.
96. A crisma é superior ao batismo, pois foi a
partir da palavra “crisma” que fomos chamados de “cristãos” e certamente não
por causa da palavra “batismo.” E é por causa da crisma que “o Cristo” recebeu
seu nome. Porque o Pai ungiu o Filho, o Filho ungiu os apóstolos e os apóstolos
nos ungiram. Aquele que foi ungido tem tudo. Ele tem a ressurreição, a luz, a
cruz e o Espírito Santo. O Pai lhe concedeu isso na câmara nupcial (e) ele
aceitou.
97. O Pai está no Filho e o Filho no Pai. Isso é
o Reino dos Céus.
98. O Senhor falou bem: “Alguns alcançam o reino
dos céus rindo e saem (felizes). O cristão que (mergulha) na água volta (como
senhor de) tudo, porque (ele não considera o batismo) como um jogo. Ao
contrário ele despreza (este mundo mutante) em prol da realeza dos céus. Se ele
desdenha (o mundo) e o despreza como um jogo, ele (aparecerá) rindo.
99. Assim é também com o pão e o cálice, e a
crisma, apesar de haver outro superior a esses.
100. O mundo foi criado por engano. Porque aquele
que o criou queria fazê-lo imperecível e imortal. Ele não conseguiu realizar o
seu desejo, pois o mundo nunca foi imperecível e tampouco aquele que fez o
mundo. Porque as coisas não são eternas, mas os filhos são. Nada será capaz de
tornar-se eterno se não se tornar primeiramente um filho. Mas, aquele que é
incapaz de receber, não será muito mais incapaz de dar?
101. O cálice da oração contém vinho e água, já
que foi indicado como símbolo do sangue com o qual se realiza a ação de graça.
Ele está pleno do Espírito Santo e pertence ao homem inteiramente perfeito.
Quando bebermos desse cálice, receberemos o homem perfeito.
102. A água viva é um corpo. Precisamos revestir-nos
do homem vivo. Portanto, quando ele está prestes a descer à água, despe-se para
vestir-se como homem vivo.
103. Um cavalo procria um cavalo, um homem gera
um homem, um deus faz surgir um deus. Assim é também com (o) noivo e a (noiva).
Seus (filhos) surgem da câmara nupcial. (Os) judeus não foram derivados (dos)
gregos, mas (nós cristãos surgimos) dos judeus. E estes eram referidos como “o povo
escolhido de (Deus),” “o verdadeiro homem,” “o filho do homem” e “os filhos do
filho do homem.” Essa raça é renomada no mundo e esse é o lugar onde vivem os
filhos da câmara nupcial.
104. Enquanto neste mundo a união é entre marido
e mulher, o aspecto da força complementado pela passividade, no reino (eon)
eterno, a forma de união é diferente, apesar de referirmos as duas pelo mesmo
nome. Porém, existem outros nomes que são superiores a todos os nomes indicados
e que transcendem a força. Pois, no lugar onde há força, existem aqueles que são
superiores à força.
105. Um não é e o outro é, mas os dois estão juntos
nesta unidade. Isto é Aquilo que não será capaz de vir a (quem) tem o coração
de carne.
106. Não é apropriado que aqueles que têm tudo
conheçam a si mesmos? Alguns, de fato, que não conhecem a si mesmos, não serão
capazes de gozar as (coisas) que possuem. Porém, aqueles que compreenderam a si
mesmos aproveitarão o que têm.
107. Não só serão incapazes de deter o homem
perfeito, mas nem mesmo serão capazes de vê-lo, pois, se o vissem, iriam
detê-lo. Não há outro meio para uma pessoa adquirir essa qualidade, a menos que
vista a luz perfeita (e) que a luz perfeita esteja sobre ele. Aquele que (a
tiver vestido) partirá (deste mundo). Este é o (filho aperfeiçoado da Câmara
Nupcial).
108. É conveniente que sejamos levados a nos
tornarmos (pessoas perfeitas) antes de partirmos (do mundo). Quem recebe tudo (sem
ter se tornado mestre) dessas coisas (não será capaz de controlar) aquele
lugar, mas (partirá) para a transição como imperfeito. Somente Jesus sabe o fim
dessa pessoa.
109. O homem santo é inteiramente santo,
incluindo o seu corpo. Pois, se tomar o pão, o consagrará. Ele consagrará o
cálice e tudo o mais que receber. Assim, como não vai purificar o corpo também?
110. Ao aperfeiçoar a água do batismo, Jesus a
esvaziou da morte. Assim descemos à água, mas não somos enviados à morte, (ao
contrário) para que não sejamos lançados aos espíritos do mundo. Quando aqueles
espíritos sopram, eles trazem o inverno. (Porém) quando o Espírito Santo sopra,
chega o verão.
111. Aquele que tem o conhecimento da verdade é
um homem livre. Porém o homem livre não transgride, porque “aquele que peca é
escravo do pecado” (Jo 8:34). A verdade é a mãe, o conhecimento o pai. O mundo
chama de libertos àqueles que conseguem não pecar. O reconhecimento da verdade exalta
os corações daqueles que conseguem não pecar. Isso é o que os liberta e exalta
acima de tudo. Mas “o amor é inspirador” (1 Co 8:1). Na verdade, aquele que,
por meio do conhecimento tornou-se livre, torna-se um escravo pelo amor daqueles
que não foram ainda capazes de alcançar a liberdade pelo conhecimento. O
conhecimento, porém, torna-os capazes de se tornarem livres.
112. O amor (nunca toma) algo, pois como (pode) tomar
qualquer coisa quando tudo lhe pertence. Ele não (diz, “aquilo é seu”) ou “isso
é meu,” (mas, “tudo isso) é seu.”
113. O amor espiritual é vinho e fragrância.
Todos que com ele se ungem se deleitam nisso. Enquanto aqueles que foram
ungidos estiverem presentes, os que estão por perto também se aproveitam (da
fragrância). Porém, quando os que foram ungidos com a crisma se retiram, então
aqueles que não foram ungidos, mas estavam meramente por perto, retornam a seus
odores originais. O samaritano não deu ao homem ferido nada mais do que vinho e
óleo, e com isso curou suas feridas, pois “o amor cura inúmeros pecados” (1 Pe
4:8).
114. As crianças que a mulher gera se parecem com
aquele que a ama. Quando é o seu marido, elas se parecem com seu marido, quando
é um amante, então elas se parecem com o amante. Com freqüência, se uma mulher
(adúltera) se deita com seu marido por conveniência, enquanto seu coração está
com o amante, com quem ela geralmente tem relações, a criança que ela vier a
conceber nascerá parecendo-se com o adúltero. Portanto, vós que viveis com o
Filho de Deus, não ameis o mundo, mas sim o Senhor, para que aqueles que forem
gerados não se parecem com o mundo, mas com o Senhor.
115. Os seres humanos se unem aos humanos, os
cavalos aos cavalos, os jumentos aos jumentos. Membros de uma espécie
naturalmente se unem (com) seus semelhantes. Assim o Espírito procura o
Espírito, o pensamento se relaciona com o pensamento, e a (luz) se une (com a
luz. Se) te tornares mais humano, será (um ser humano) que te amará. Se te
tornares (espiritual), será o Espírito que se unirá a ti. Se te tornares
racional, será o Logos que se associará contigo. Se te tornares iluminado, é a
luz que compartilhará contigo. Se te tornares um daqueles que pertencem ao
alto, são aqueles que pertencem ao alto que virão a ti. (Mas) se te tornares um
cavalo, um jumento, um touro, um cão, uma ovelha ou qualquer outro animal dos
que estão fora ou embaixo, então, nenhum ser humano, espírito, pensamento ou
luz será capaz de amar-te. Nem os que pertencem ao alto nem os que pertencem ao
interior serão capazes de repousar em ti e não terás parte deles.
116. Aquele que é escravo contra o seu desejo
será capaz de tornar-se livre. Aquele que se tornou livre devido ao favor de
seu mestre, e depois se entregou como escravo novamente, não será mais capaz de
ser livre.
117. A agricultura no mundo requer a cooperação
de quatro elementos essenciais. A colheita será reunida no celeiro somente se
houver a ação natural da água, da terra, do vento e da luz. A agricultura de
Deus, da mesma forma, é baseada em quatro elementos: fé, esperança, amor e
conhecimento. A fé é a terra em que fincamos raiz. A esperança é a água por
meio da qual somos nutridos. Amor é o vento por meio do qual crescemos. O
conhecimento, então, é a luz, por meio da qual (amadurecemos).
118. A graça nos é comunicada de quatro maneiras:
pelo trabalho na terra, o gosto pelo céu e pelo que está além do céu, e o amor
pela verdade. Bendito é aquele que não causa nenhuma tristeza a ninguém. Esse é
Jesus Cristo. Ele foi a todos os lugares sem sobrecarregar a ninguém. Portanto,
bem aventurado é aquele que age dessa forma, porque é um homem perfeito, o
Logos está com ele.
119. Pois a palavra nos diz que esse tipo de
homem é difícil de encontrar. Como seremos capazes de realizar uma coisa tão
nobre? Como essa pessoa dará consolo a todos?
120. Dizei-nos a seu respeito! Pois essa
(tentativa de retratá-lo) corretamente é difícil. Como poderemos ser bem
sucedidos nessa grande tarefa?
121. Em primeiro lugar, não é correto causar
tristeza a ninguém - seja importante ou modesto, crente ou sem crença – e,
então, oferecer conforto somente àqueles que se comprazem em boas ações.
Algumas pessoas acham proveitoso proporcionar descanso às pessoas ideais. Aquele
que faz o bem não pode dar a paz a tais pessoas, pois não age por vontade
própria. Porém, é incapaz de causar tristeza, já que não aflige a ninguém. Na
realidade, a pessoa ideal às vezes causa tristeza aos outros -- não que seja
sua intenção fazer isto -- ao contrário, é a própria maldade dos outros que é
responsável pela tristeza que sentem. Aquele que é natural confere alegria aos
bons. Algumas pessoas, no entanto, sentem-se terrivelmente aflitas com tudo
isto.
122. Havia um chefe de família que tinha todas as
coisas imagináveis: filhos, escravos, gado, cachorros, porcos, milho, cevada,
palha, pastagens, (ossos), carne e bolotas[1].
(Ele era, porém,) uma pessoa sensata e dava o alimento que convinha a cada um.
Servia pão às crianças (com azeite de oliva e carne). Dava farinha aos escravos.
Lançava cevada, palha e capim ao gado. Dispensava ossos aos cachorros e bolotas
e lavagem aos porcos. O mesmo ocorre com o discípulo de Deus: se ele for uma
pessoa sensata compreende as necessidades do discipulado. As formas corporais
não o enganarão, e ele examinará a condição da alma de cada um e falará de
acordo. Existem muitos animais no mundo que se apresentam de forma humana.
Quando o discípulo os identifica, proporciona bolotas aos porcos, cevada, palha
e capim ao gado, ossos aos cães. Aos escravos proporcionará somente as lições
elementares, enquanto aos filhos oferecerá a instrução completa.
123. Existe o Filho do Homem e o filho do Filho
do Homem. O Senhor é o Filho do Homem, e o filho do Filho do Homem é aquele que
cria por meio do Filho do Homem. O Filho do Homem recebeu de Deus a capacidade
para criar. Ele também tem a capacidade para gerar.
124. Aquele que foi criado é uma criatura. Aquele
que foi gerado é um descendente. Uma criatura não pode gerar, (mas) um descendente
pode criar. Porém, seu descendente é uma criatura. Portanto os descendentes de
(uma pessoa) não são seus filhos, mas sim filhos de (Deus).
125. Aquele
que cria trabalha abertamente e é visível. Aquele que gera o faz (em
privacidade), ficando escondido, das imagens (dos outros). Da mesma forma, o
Criador (o faz) abertamente. Mas, ao gerar (engendra) os filhos em segredo.
126. Ninguém (pode) saber quando (o marido) e a
esposa têm relações, a não ser os dois. Realmente, o casamento no mundo é um mistério
para os que assumiram um consorte. Se existe uma qualidade oculta no casamento
do mundo, maior ainda será o verdadeiro mistério do matrimônio imaculado! Ele
não é carnal, mas puro. Não pertence ao desejo, mas à vontade. Não pertence à
escuridão nem à noite, mas ao dia e à luz. Quando um casamento está aberto ao
público, torna-se prostituição e a noiva faz o papel de prostituta não só
quando é inseminada por outro homem, mas ainda quando sai de seu quarto e é
vista. Ela só deve mostrar-se a seu pai, sua mãe, ao amigo do noivo e aos
filhos do noivo. A estes é permitido entrar todos os dias na câmara nupcial.
Aos outros resta simplesmente ansiar por ouvir a voz da noiva e deleitar-se com
sua fragrância. Eles que se alimentem das migalhas que caem da mesa, como os
cães. O noivo e a noiva pertencem à câmara nupcial. Ninguém poderá ver o noivo e
a noiva, a menos que (se torne) um com eles.
127. Quando Abraão (soube) que ele veria o que
devia ver, (cortou) a carne do prepúcio, mostrando que é apropriado renunciar à
carne (que pertence) a este mundo.
128. (A maior parte das coisas) no mundo,
enquanto suas (partes internas) estão ocultas, ficam de pé e vivem. (Se são
reveladas), morrem como é ilustrado pelo homem visível: (enquanto) os intestinos
do homem estão ocultos, ele está vivo; quando seus intestinos são expostos e
saem de dentro dele, ele morre. O mesmo ocorre com a árvore: enquanto a raiz
está escondida ela brota e cresce. Se suas raízes são expostas, a árvore seca. Assim
ocorre com tudo o que é gerado no mundo, não só com o revelado, mas (também)
com o oculto. Portanto, enquanto a raiz do mal está escondida, ele permanece
forte. Mas quando é reconhecido ele se dissolve. Quando é revelado ele morre. É
por isto que foi dito: “O machado já está posto à raiz das árvores” (Mt 3:10).
Ele não só cortará -- o que é cortado brota outra vez -- mas o machado penetra
profundamente até trazer a raiz para fora. Jesus arrancou inteiramente a raiz das
coisas, enquanto outros só o fizeram parcialmente. Quanto a nós, que cada um se
esforce em busca da raiz do mal que está dentro de si e que ele seja arrancado
do coração de cada um pela raiz. O mal será arrancado se nós o reconhecermos.
Mas se o ignorarmos, ele se enraizará em nós e produzirá seus frutos em nosso
coração. Ele nos dominará. Seremos seus escravos. O mal nos manterá cativos,
para que façamos o que não queremos e não façamos o que queremos. Ele é
poderoso porque nós não o reconhecemos. Enquanto (persistir oculto) permanecerá
ativo.
129. A ignorância é a mãe de (todos os males). A
ignorância está a serviço da (morte, porque) as coisas que se originam da
ignorância não foram, não (são) nem estarão (entre as coisas verdadeiras. No
entanto,) elas se tornarão perfeitas quando toda a verdade for revelada. Porque
a verdade é como a ignorância: enquanto está escondida repousa em si mesma, mas
quando é revelada passa a ser reconhecida. (A verdade) é gloriosa, pois
prevalece sobre a ignorância e nos liberta da confusão. O Mestre disse,
“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8:32). A ignorância
escraviza. O conhecimento promove a liberdade. Se reconhecermos a verdade,
encontraremos os frutos da verdade dentro de nós. Se nos unirmos a ela, nos
trará a plenitude.
130. Quando sabemos sobre as coisas manifestadas
da criação dizemos que elas são poderosas e respeitáveis. (Mas) o que
desconhecemos, consideramos fraco e desprezível. Contrastando com essa situação,
as coisas manifestas da verdade são consideradas fracas e desprezíveis, enquanto
as coisas ocultas são tidas como fortes e em alta estima. Os mistérios da
verdade são revelados, porém, por meio de símbolos e alegorias.
131. A câmara nupcial, no entanto, permanece
oculta. É o Santo dos Santos. O véu inicialmente ocultava (a forma) como Deus
governa a criação. Porém, quando o véu for rasgado e as coisas interiores forem
reveladas, esta casa ficará desolada, e será abandonada e (destruída). E toda a
deidade (inferior) fugirá daqui, não para o Santo (dos) Santos, porque não será
capaz de se misturar com a (luz) pura e com a plenitude (perfeita), mas irá
para baixo das asas da cruz (e de) seus braços.
132. Esta arca será (nossa) salvação quando o
cataclismo das águas ocorrer.
133. Aqueles que pertencem à ordem sacerdotal
serão capazes de retirar-se para dentro do véu, com o sumo sacerdote. Por esta
razão o véu não se rasgou somente no alto, pois neste caso estaria aberto
somente para os do alto; nem foi rasgado somente em baixo, pois neste caso
teria sido revelado somente para os de baixo. Mas foi rasgado de alto a baixo.
Aqueles acima abriram para nós que estamos em baixo, para que pudéssemos
penetrar no segredo da verdade.
134. Esse (segredo) realmente é tido em alta
consideração (e) é poderoso! Porém, penetramos nele por meio de imagens
inferiores e signos de fraqueza. Eles são realmente modestos quando comparados
com a glória perfeita. Há uma glória que ultrapassa a glória e um poder que
ultrapassa o poder. Portanto, as coisas perfeitas se abriram para nós,
juntamente com as coisas ocultas da verdade. O Santo dos Santos foi revelado, e
a câmara nupcial nos convida a entrar.
135. Enquanto estiver escondida, (a verdade permanece)
potencial, pois ainda não foi removida do âmago da semente do Espírito Santo.
Portanto, eles são escravizados pela opressão. Mas, quando a Luz Perfeita for
revelada, então, ela vai brilhar sobre todos. E todos os que estiverem em seu
bojo (receberão a crisma). Então, os escravos serão libertados, (e) os cativos
resgatados.
136. “(Toda) planta (que) meu pai que está nos
céus (não tiver) plantado será arrancada” (Mt 15:13). Aqueles que estiverem
separados se unirão (e os vazios) e serão preenchidos. Quem (entrar) na câmara
nupcial nascerá na (luz). Porque eles (não foram gerados) como nos casamentos
que não (são vistos) e que acontecem de noite, cujo fogo (queima) de noite e é logo
apagado. Mas, por outro lado, os mistérios daquele outro matrimônio são consumados
de dia e sob a luz. Nem aquele dia nem sua luz jamais terminam.
137. Se alguém tornar-se um filho da Câmara
Nupcial, ele receberá a luz. Se alguém não recebê-la enquanto estiver aqui, não
será capaz de recebê-la no outro lugar. Quem receber aquela luz não será visto,
nem poderá ser detido. E ninguém será capaz de atormentá-lo, mesmo quando ele
estiver vivendo no mundo. E também, quando se retirar do mundo, ele já terá
recebido a verdade em imagens. O mundo torna-se o reino (eon) eterno, porque o
reino eterno é a plenitude para ele. E isto será revelado a ele pessoalmente,
não escondido na escuridão e à noite, mas oculto num dia perfeito e sob a luz
sagrada.
O Evangelho segundo Felipe.
[1]
Provavelmente uma referência às bolotas de carvalho, comuns no oriente médio,
semelhantes ao pinhão. (N.T.)